11.11.2011

Ética medica nas funerárias

Cremesp fecha cerco a médicos ligados a ‘planos de saúde’ de funerárias

Pelo menos 575 médicos que mantêm parcerias com funerárias em troca de desconto em consultas e exames são notificados de violação do Código de Ética e terão de romper convênios sob risco de, em último caso, perder a licença

Karina Toledo, O Estado de S.Paulo
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) notificou 575 médicos e 100 estabelecimentos de saúde que mantêm parcerias com empresas do ramo funerário para oferecer descontos em consultas e outros procedimentos. A prática é proibida pelo Código de Ética Médica e condenada por órgãos de defesa do consumidor.
'Não estamos fazendo nada ilegal’, afirma gerente da funerária Ofebas, em Sorocaba - Gilson Hanashiro/AE
Gilson Hanashiro/AE
'Não estamos fazendo nada ilegal’, afirma gerente da funerária Ofebas, em Sorocaba
De acordo com levantamento do Cremesp, há pelo menos 18 funerárias, com atuação em 95 cidades do Estado, que comercializam cartões de descontos e atuam na intermediação de consultas médicas e odontológicas. Algumas até colocam sua “rede credenciada” na internet, com indicação de médicos por especialidade. Outras abriram clínicas próprias para oferecer o atendimento a seus associados.
Renato Azevedo, presidente do Cremesp, explica que uma resolução da entidade de 2006 transformou em infração ética a vinculação de médicos a cartões de desconto. A proibição foi reforçada pelo novo Código de Ética, que entrou em vigor no ano passado. “O grande problema é que esse tipo de serviço não garante a integralidade da assistência. Não adianta dar desconto em consulta e não garantir internação e cirurgia.
Além disso, a consulta acaba se tornando um brinde de uma transação comercial, o que caracteriza a mercantilização da medicina”, afirma.
No mês passado, o Cremesp solicitou aos profissionais que encerrem os convênios com as funerárias e enviem ao Conselho, em 90 dias, o comprovante de desligamento. Quem não atender ao pedido pode sofrer processo ético e até perder a licença profissional.
Propaganda enganosa. Para Juliana Ferreira, a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a prática é ilegal e pode ser classificada como “propaganda enganosa”. “O consumidor é induzido a pensar que está adquirindo um plano de saúde e acha que vai ter um atendimento integral, que é o que a lei dos planos de saúde lhe garante. Mas não vai.” Segundo ela, caberia à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) coibir esse tipo de atividade. “Entendo que se a empresa comercializa serviço de assistência à saúde ela é uma operadora e deveria ser regulada pela ANS.”
Procurada, a ANS afirmou em nota que as operadoras registradas estão proibidas de oferecer cartões de desconto, mas “outras empresas não são impedidas de fazê-lo”. Em 2003 a agência divulgou um comunicado desaconselhando a prática.
Paulo Oliver, da Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica da Ordem do Advogados do Brasil (OAB-SP), diz que a prática de intermediar descontos em assistência médica pode ser considerado um “possível estelionato moral”, pois as funerárias não assumem responsabilidade com a saúde dos compradores dos planos.
“Algo que foge à ética e em tom de piada leva-nos a crer que os médicos e outros praticam o crime de concorrência desleal, colocando em dúvida se esses seriam bons profissionais, pois deveriam buscar a vida e a saúde e não trabalharem como parceiros da morte.”
Diretrizes. Já Lourival Panhozzi, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários, afirma que antiético seria “impedir que as pessoas carentes tenham acesso à saúde”. As funerárias, diz ele, descobriram que uma forma de cativar seus clientes é ter essa atuação social. “Assim demonstram que não estão apenas interessada no óbito do cliente. Ilegalidade não existe. Elas não comercializam planos de saúde e deixam isso claro aos associados no contrato.” Panhozzi diz ainda que o setor está disposto a discutir com o Cremesp a criação de diretrizes para o atendimento.
A prática das funerárias foi denunciada no relatório final da CPI dos Planos de Saúde da Câmara dos Deputados, em 2003. Já na Assembleia Legislativa de São Paulo chegou a tramitar um projeto de lei que proibia a comercialização de sistemas de vinculação do consumidor a prestadores de serviços funerários. O projeto foi arquivado.


EXEMPLOS

Grupo Flamboyant
Oferece descontos de até 70% em médicos, clínicas e escolas para associados do Plano Flamboyant. No site há uma rede com médicos de diversas áreas, hospitais e laboratórios. Atende a região de Campinas.

Org. Campo Santo
Atende o Vale do Paraíba e oferece planos funerários com benefícios em vida. Conta com rede de médicos e outros profissionais de saúde.

Família Excel
A cooperativa vende planos funerários e de saúde. O Excel Light é mais barato pois só oferece serviços médicos e odontológicos.

Grupo Athia
A funerária criou em 1997 a Clínica Santa Catarina, empresa de prestação de serviços médicos e odontológicos que atende seus segurados. Tem unidades em Presidente Prudente, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio (SP), e Bataguassu (MS).

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