Linfoma
‘Não se trata ingua como se fosse dor de dente’
De San Diego
Todos os anos, o Brasil deixa de registrar milhares de casos de linfoma em seu banco de dados devido, entre outros fatores, a falta de qualificação dos médicos e a desinformação da população sobre o assunto. Uma situação que, se revertida, poderia ajudar a definir de forma mais adequada políticas públicas de tratamento da doença.
“As pessoas ficam tratando ingua como se fosse um problema de dente e não se dão conta de que quando finalmente há um diagnóstico, a doença já está muito avançada”, diz a CartaCapital, Lucia Silla, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora em Genética e Biologia Molecular, durante o maior congresso de hematologia do mundo, realizado no início de dezembro em San Diego, na Califórnia.
Silla destaca, porém, que o sistema de registros de ocorrências de linfoma, tipo de câncer que atinge o sistema linfático, tem melhorado nos últimos anos. “O problema é como cada hospital descreve um caso.” Segundo ela, o Brasil precisa ainda precisa eliminar a alta incidência de anemia na população, pois este é o sintoma inicial da leucemia e prejudica o diagnóstico.
Leia mais:
Terapia gênica desponta, mas não para o mercado
Solução sem trauma
Os novos paradigmas da saúde
Veja abaixo a entrevista completa:
CartaCapital – O sistema de registros de casos de linfoma no Brasil é deficiente?
Lucia Silla – Nos últimos anos, os registros melhoraram bastante, mas o problema é como cada hospital descreve um caso. Esse avanço ocorreu com as Apacs [Sistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade em Oncologia], que precisam definir qual a doença do paciente para tratá-lo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Se o Inca [Instituto Nacional do Câncer] tiver acesso às Apacs, vai conseguir classificar melhor, em teoria. Porque alguns pacientes no interior do Brasil que não foram tratados corretamente, não receberam um Apac ou não estiveram ligados a um centro de oncologia terciário são perdidos pelo órgão. Às vezes, o hospital também registra mal e não há uma conversa entre os dados do Inca e do Ministério da Saúde, que deveriam ser os mesmos.
CartaCapital – O que mais prejudica a atualização do banco de dados brasileiro sobre os casos de linfoma?
LS – No Brasil, o Código Internacional das Doenças (CID) não acompanha com a mesma velocidade as mudanças de classificação dos tipos de linfoma. Pegam-se os grandes subgrupos apenas e não se consegue definir exatamente os tipos. Então, perdemos casos por não diagnóstico e mal preenchimento de atestado de óbito, geralmente a maneira como os hospitais registram as doenças.
CartaCapital – O linfoma é mal diagnosticado no Brasil?
LS – As pessoas ficam tratando ingua como se fosse um problema de dente e não se dão conta de que quando finalmente há um diagnóstico, a doença já está avançada. E esse engano não ocorre somente no serviço público de saúde. Tive um paciente tratado durante sete meses para uma alergia longe do ganglio e quando fui analizá-lo o linfoma já tinha se espalhado. Sete meses antes, a história teria sido completamente diferente. Precisamos formar melhor as pessoas, que devem ficar atentas a inguas de mais de 1 cm de diâmetro que não desaparecem rapidamente e não estão ligadas à febre e inflamações óbvias. A própria população não sabe disso e precisa ser informada para poder contestar o diagonóstico do médico. As universidades também precisam trabalhar melhor a formação médica para detectar a doença de forma precoce. O diagnostico de leucemia no Brasil, por exemplo, é super atrasado. Isso porque um dos primeiros sinais da doença é a anemia, mas no País esse é um problema que atinge cerca de 20% da população, que é mal nutrida. Com essa alta prevalência, fiicamos sem um instrumento de diagnostico precoce. Precisamos parar de achar que resultados menos ruins na saúde já são suficientes, devemos seguir sempre o caminho da excelência e, para isso, não podemos deixar nosso povo ser anêmico e mal informado.
CartaCapital – O linfoma pode ser causado por algum agente externo, além fatores genéticos?
LS – O linfoma é um tumor que encontra um cenário mais conveniente quando há uma imunosupreção de alguma origem primaria ou segundária, causada por um virus, como o HIV. Pacientes deste e de outros tipos de cânceres costumam ser submetidos a drogas imunosupressoras, e linfomas do tipo T estão associados a interferência de alguns tipos de vírus. Não apenas o mundo está mais populoso e a contaminação por vírus existentes aumentando, como também a terapia moderna para uma serie de doenças acarreta no aparecimento do linfoma. Ser tratado não é o problema, o que precisamos agora é garantir que as drogas sejam menos tóxicas.
CartaCapital – Há algum tratamento promissor para o câncer que seja menos tóxico?
LS – O grande problema é diminuir a toxicidade dos tratamentos. Estamos falando de doenças que matam, então tudo evolui com muita rapidez. Por isso, partimos direto para a parte clínica para investigar e ver se conseguimos curar pacientes com esses medicamentos. O grande avanço são as terapias alvo, que destroem apenas as células cancerígenas, a própria radioterapia gama knife pode ser incluída nessa categoria. Essa técnica erradia apenas a região do tumor. Há também uma terapia específica com um anticorpo específico para matar aquela célula, para linfomas de células do tipo b existem mais de um desses antincorpos. Eles podem ser usados sozinhos, aproveitando as armas do corpo. O anticorpo marca a célula doente e as outras células sadias a destroem. Uma outra técnica é colocar junto do anticorpo uma molécula radioativa, pois há células do câncer que quando ligadas ao anticorpo, o engolem. Usamos isso para que ela engula uma particula radiotiva e morra. Os médicos e cientistas descutem agora qual o tipo de anticorpo mais adequado ou estratégias de tratamento podem ser mais eficientes.
CartaCapital – Os médicos recomendam que para prevenir certos tipos de câncer, as pessoas adotem estilos de vida mais saudáveis. Até que ponto isso pode realmente ser eficaz?
LS – De fato, existem alguns vetores que podemos previnir levando uma vida saudável, sem abusar do álcool e passando longe do cigarro, por exemplo. Mas, existem sempre outras vertentes incontroláveis, como as condições ambientais ou as substâncias que acabam na água consumida pela população. Não temos ainda como quantificar qual a exata quantidade de radiação por dia que seria mais perigosa, ou o número máximo de frutas com agrotóxico liberadas para consumo.
Todos os anos, o Brasil deixa de registrar milhares de casos de linfoma em seu banco de dados devido, entre outros fatores, a falta de qualificação dos médicos e a desinformação da população sobre o assunto. Uma situação que, se revertida, poderia ajudar a definir de forma mais adequada políticas públicas de tratamento da doença.
“As pessoas ficam tratando ingua como se fosse um problema de dente e não se dão conta de que quando finalmente há um diagnóstico, a doença já está muito avançada”, diz a CartaCapital, Lucia Silla, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora em Genética e Biologia Molecular, durante o maior congresso de hematologia do mundo, realizado no início de dezembro em San Diego, na Califórnia.
Silla destaca, porém, que o sistema de registros de ocorrências de linfoma, tipo de câncer que atinge o sistema linfático, tem melhorado nos últimos anos. “O problema é como cada hospital descreve um caso.” Segundo ela, o Brasil precisa ainda precisa eliminar a alta incidência de anemia na população, pois este é o sintoma inicial da leucemia e prejudica o diagnóstico.
Leia mais:
Terapia gênica desponta, mas não para o mercado
Solução sem trauma
Os novos paradigmas da saúde
Veja abaixo a entrevista completa:
CartaCapital – O sistema de registros de casos de linfoma no Brasil é deficiente?
Lucia Silla – Nos últimos anos, os registros melhoraram bastante, mas o problema é como cada hospital descreve um caso. Esse avanço ocorreu com as Apacs [Sistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade em Oncologia], que precisam definir qual a doença do paciente para tratá-lo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Se o Inca [Instituto Nacional do Câncer] tiver acesso às Apacs, vai conseguir classificar melhor, em teoria. Porque alguns pacientes no interior do Brasil que não foram tratados corretamente, não receberam um Apac ou não estiveram ligados a um centro de oncologia terciário são perdidos pelo órgão. Às vezes, o hospital também registra mal e não há uma conversa entre os dados do Inca e do Ministério da Saúde, que deveriam ser os mesmos.
CartaCapital – O que mais prejudica a atualização do banco de dados brasileiro sobre os casos de linfoma?
LS – No Brasil, o Código Internacional das Doenças (CID) não acompanha com a mesma velocidade as mudanças de classificação dos tipos de linfoma. Pegam-se os grandes subgrupos apenas e não se consegue definir exatamente os tipos. Então, perdemos casos por não diagnóstico e mal preenchimento de atestado de óbito, geralmente a maneira como os hospitais registram as doenças.
CartaCapital – O linfoma é mal diagnosticado no Brasil?
LS – As pessoas ficam tratando ingua como se fosse um problema de dente e não se dão conta de que quando finalmente há um diagnóstico, a doença já está avançada. E esse engano não ocorre somente no serviço público de saúde. Tive um paciente tratado durante sete meses para uma alergia longe do ganglio e quando fui analizá-lo o linfoma já tinha se espalhado. Sete meses antes, a história teria sido completamente diferente. Precisamos formar melhor as pessoas, que devem ficar atentas a inguas de mais de 1 cm de diâmetro que não desaparecem rapidamente e não estão ligadas à febre e inflamações óbvias. A própria população não sabe disso e precisa ser informada para poder contestar o diagonóstico do médico. As universidades também precisam trabalhar melhor a formação médica para detectar a doença de forma precoce. O diagnostico de leucemia no Brasil, por exemplo, é super atrasado. Isso porque um dos primeiros sinais da doença é a anemia, mas no País esse é um problema que atinge cerca de 20% da população, que é mal nutrida. Com essa alta prevalência, fiicamos sem um instrumento de diagnostico precoce. Precisamos parar de achar que resultados menos ruins na saúde já são suficientes, devemos seguir sempre o caminho da excelência e, para isso, não podemos deixar nosso povo ser anêmico e mal informado.
CartaCapital – O linfoma pode ser causado por algum agente externo, além fatores genéticos?
LS – O linfoma é um tumor que encontra um cenário mais conveniente quando há uma imunosupreção de alguma origem primaria ou segundária, causada por um virus, como o HIV. Pacientes deste e de outros tipos de cânceres costumam ser submetidos a drogas imunosupressoras, e linfomas do tipo T estão associados a interferência de alguns tipos de vírus. Não apenas o mundo está mais populoso e a contaminação por vírus existentes aumentando, como também a terapia moderna para uma serie de doenças acarreta no aparecimento do linfoma. Ser tratado não é o problema, o que precisamos agora é garantir que as drogas sejam menos tóxicas.
CartaCapital – Há algum tratamento promissor para o câncer que seja menos tóxico?
LS – O grande problema é diminuir a toxicidade dos tratamentos. Estamos falando de doenças que matam, então tudo evolui com muita rapidez. Por isso, partimos direto para a parte clínica para investigar e ver se conseguimos curar pacientes com esses medicamentos. O grande avanço são as terapias alvo, que destroem apenas as células cancerígenas, a própria radioterapia gama knife pode ser incluída nessa categoria. Essa técnica erradia apenas a região do tumor. Há também uma terapia específica com um anticorpo específico para matar aquela célula, para linfomas de células do tipo b existem mais de um desses antincorpos. Eles podem ser usados sozinhos, aproveitando as armas do corpo. O anticorpo marca a célula doente e as outras células sadias a destroem. Uma outra técnica é colocar junto do anticorpo uma molécula radioativa, pois há células do câncer que quando ligadas ao anticorpo, o engolem. Usamos isso para que ela engula uma particula radiotiva e morra. Os médicos e cientistas descutem agora qual o tipo de anticorpo mais adequado ou estratégias de tratamento podem ser mais eficientes.
CartaCapital – Os médicos recomendam que para prevenir certos tipos de câncer, as pessoas adotem estilos de vida mais saudáveis. Até que ponto isso pode realmente ser eficaz?
LS – De fato, existem alguns vetores que podemos previnir levando uma vida saudável, sem abusar do álcool e passando longe do cigarro, por exemplo. Mas, existem sempre outras vertentes incontroláveis, como as condições ambientais ou as substâncias que acabam na água consumida pela população. Não temos ainda como quantificar qual a exata quantidade de radiação por dia que seria mais perigosa, ou o número máximo de frutas com agrotóxico liberadas para consumo.
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