Saiba como se livrar deles. É mais fácil do que parece
A apresentadora Astrid Fontenelle, do programa Chegadas e partidas, do GNT, é uma apaixonada por TV. A TV não faz parte da vida dela só porque é seu meio de trabalho. Por anos, Astrid só dormia com o aparelho ligado. “Ficava louca no controle remoto. Sabia que isso me deixava mais tempo acordada do que deveria, mas não conseguia mudar”, diz. Em janeiro, Astrid descobriu que tem lúpus, uma doença autoimune que leva o organismo a destruir as células do próprio corpo. Com o diagnóstico, decidiu promover várias mudanças em sua vida. Reduziu a jornada de trabalho de quatro para duas gravações na semana. Perdeu 14 quilos. Postergou os planos de dar um irmão para seu filho, Gabriel, de 3 anos. E encontrou na doença a coragem que faltava para mexer na rotina e não ligar a televisão na hora de dormir. Em vez de ligar o televisor, ela diz que agora entra no quarto, faz suas orações e lê um livro. Conta que passou a dormir melhor e ganhou três horas de sono. “Além de mais tranquila, fico mais culta”, afirma Astrid, em tom de brincadeira.
Hábitos como ler, assistir à TV ou escovar os dentes fazem parte de nossa vida. Quase metade de nosso dia é composta deles – mais precisamente 40%, como mostra uma pesquisa da Universidade Duke, dos Estados Unidos. É como se voássemos no piloto automático por mais de nove horas do dia. Boa parte de nossas virtudes e defeitos está calcada em hábitos. Para nossa sorte, os hábitos são decisões conscientes, que podem ser mudados, por mais arraigados que estejam. Não é à toa que a filosofia, a psicologia, a neurolinguística e, mais recentemente, a neurociência estudam formas de adquirir ou de se livrar de hábitos. Não faltam estudos sobre hábitos alimentares, do sono, de boa forma e até de como mudar o humor ou a dinâmica de uma empresa.
“Quando temos consciência do hábito, o superamos mais facilmente”, diz Duhigg. As universidades Colúmbia, nos EUA, e de Alberta, no Canadá, realizaram estudos para rastrear como o hábito se consolida. Tomaram como foco de seu estudo os exercícios. Num dos projetos, 256 pessoas foram convidadas a assistir a uma apresentação sobre a importância da atividade física. Metade do grupo recebeu uma aula extra sobre a formação e a estrutura do hábito. Os pesquisadores pediram que essas pessoas tentassem identificar o gatilho e a recompensa naquela atividade. Nos quatro meses seguintes, quem conseguira reconhecer o padrão de seus hábitos praticou atividades físicas duas vezes mais que os demais.
Embora pareçam sinônimos, hábitos são diferentes de vícios e manias. Hábitos são atos conscientes ou não, que podem estar sujeitos a nossa vontade. Podemos deixar de fazê-los quando quisermos. Você pode ter o hábito de ligar o rádio sempre que entra no carro. Se, por alguma razão seu mecânico o aconselhar a não fazer isso, você consegue interromper esse costume sem sofrimento. Com as manias, é mais difícil. Elas envolvem uma ideia fixa além do controle do indivíduo. É como se você fosse incapaz de engatar a primeira marcha sem ligar o rádio. No caso do vício, a situação é ainda pior. O indivíduo é dependente daquele ato ou substância, mesmo que cause prejuízos (leia o quadro acima).
A fisioterapeuta Talmai Terra pensou na recompensa para largar um pouco o automóvel. Mãe de Clara, de 1 ano e 4 meses, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, Talmai depende do carro para atravessar os 22 quilômetros até chegar ao trabalho, na capital. A necessidade criou um hábito, e ela passou a dirigir até para ir à padaria, a duas quadras de casa. Talmai tentou atividades a pé, como pegar dinheiro no caixa eletrônico do bairro. Mas desistia por causa da pressa ou por preguiça. Decidiu, então, se organizar para caminhar nos fins de semana, sem precisar correr contra o relógio. O marido, André Terra, veterinário, ajudou no planejamento – e foi junto. “Quando encontrava uma calçada esburacada com o carrinho da bebê, lembrava a comodidade do carro”, afirma Talmai. Ela perseverou ao descobrir que andar a pé era um jeito de passar mais tempo com a família. “As caminhadas viraram uma curtição.”
Uma forma de estimular a mudança é contar com uma rede de apoio, para incentivar e cobrar resultados. Foi o que fez Renata Ceribelli, quando concordou em participar do “Medida certa”, um quadro para reeducação alimentar e atividades físicas do Fantástico, da TV Globo. “Tinha 1,2 milhão de vigias”, diz ela, ao lembrar a audiência do programa. Durante três meses, Renata e o apresentador Zeca Camargo foram acompanhados pelo educador físico Marcio Atalla, colunista de ÉPOCA, e por um time de profissionais. Ela perdeu 9,5 quilos, mas diz que esse não foi o feito mais significativo. O melhor foi abandonar o sedentarismo. “O efeito ansiolítico da atividade física regrada em minha vida foi revolucionário”, afirma. “A ansiedade sempre me atrapalhou bastante. Chegava a ser incapacitante.”
Quem não é apresentador de uma grande emissora, como Renata, pode recorrer às redes sociais ou ao círculo de amigos. Receber uma ligação toda semana para acompanhar o progresso ou uma mensagem de texto diária para saber como foi a corrida ajuda a manter o estímulo. Para tirar o melhor proveito dessas redes, é importante que as pessoas saibam o que você espera delas, e vice-versa. Senão, a cobrança pode se tornar excessiva ou pode faltar estímulo.
Usar o padrão proposto pelos pesquisadores pode ajudar também a criar novos hábitos. Foi o que fez o treinador Larri Passos, ex-técnico do tenista Gustavo Kuerten. Ele sofria de um mau humor matinal incontrolável, capaz de atrapalhar o rendimento e o relacionamento com as pessoas. Sentia-se ansioso e agitado. Por consequência, era reservado e, muitas vezes, ríspido. Em 1994, levou uma equipe de tenistas a Portugal. Em sua primeira manhã no país, acordou com a cabeça latejando com um ataque de sinusite. “Sabia que era tensão. Naquele momento, decidi que não queria mais viver daquela forma.” Larri adotou algumas das técnicas propostas nos livros do neurolinguista americano Anthony Robbins. Descobriu que a tensão da manhã era efeito de sua cobrança excessiva por resultados. Decidiu que planejaria seu dia na noite anterior. Passou a dedicar no mínimo 15 minutos tentando enxergar as atividades do próximo dia “como num filme”. Planejava mentalmente seu dia antes de ir dormir. O objetivo era formar uma imagem mental da rotina. O ritual não deu resultado no início. Mas Larri insistiu. Com o tempo, passou a acordar mais tranquilo. “Já cheguei a ouvir de mais de uma pessoa que estou sempre de bom humor pela manhã.”
Mesmo cercando-se de centenas de cientistas e pesquisas, Duhigg não escapou das críticas. O pesquisador americano Timothy Wilson, professor de psicologia da Universidade de Virgínia, nos EUA, afirma que Duhigg pecou ao subestimar a história particular de cada um, que não pode ser dissociada da formação dos hábitos. Para Wilson, a teoria do livro é superficial ao sugerir que dá para reduzir todos os casos ao esquema gatilho-rotina-recompensa. Em Redirect: the surprising new science of psychological change (Redirecione: a surpreendente mudança da ciência psicológica), ele sugere que a pessoa perceba que todos temos histórias pessoais sobre quem somos. Muitas não são conscientes. “A maioria nos ajuda a ser otimistas. Às vezes ficamos presos a experiências que nos induzem a uma visão derrotista”, diz Wilson. Antes de mudar os hábitos, é preciso investigar essas narrativas e, se for o caso, reeditá-las. “Em casos graves, isso pode exigir psicoterapia”, afirma.
Wilson fez um teste com universitários que enfrentavam dificuldades acadêmicas. Os alunos foram divididos em dois grupos. Um deles assistiu a vídeos sobre o desenvolvimento acadêmico. Tinham mensagens positivas, lembrando que mesmo estudantes com dificuldades no início podem virar bons alunos e conseguir uma carreira frutífera. O objetivo era ajudar os alunos a relativizar a experiência passada e a entender que, mesmo tendo ido mal até então, não estavam condenados a continuar assim. No semestre seguinte, todos desse grupo alcançaram notas melhores. No outro grupo, que não viu o vídeo, alguns melhoraram e outros não, como numa turma comum. Enquanto Duhigg defende a substituição de uma atitude por outra, Wilson é a favor da reprogramação. As propostas não são contraditórias. Para quem quer mudar um hábito, elas podem ser usadas de forma complementar.
Um ponto não abordado por Duhigg é a importância dos primeiros anos na formação de bons hábitos. Nascemos sem hábito algum. A criança os adquire em sua criação. “Depende do tipo de estímulo, dos valores que pais e demais pessoas que cuidam dela oferecem”, afirma a psicanalista Silvana Rabello, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Ensinar bons hábitos é tão importante quanto tê-los. Se os pais não gostam de ler, em quem o filho vai se inspirar? Vários estudos comprovam o efeito do exemplo dos pais para a aquisição dos hábitos da leitura, do sono e da alimentação. Um levantamento da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo mostrou que muitas crianças tinham os mesmos maus hábitos alimentares dos pais.
A designer gráfica Alessandra Oliveira, de Sobradinho, no Distrito Federal, tinha o hábito de cutucar a pele em volta das unhas das mãos. Acontecia à noite, quando ela começava a pensar nos afazeres do dia seguinte. “Era um momento de ansiedade. Não conseguia relaxar”, afirma. Sem perceber, levava os dedos à boca. O marido chamou a sua atenção para algo que acontecia ao lado dela. A filha, Sofia, de 2 anos, imitava a mãe. “Fiquei em choque”, diz Alessandra. No mesmo dia, Sofia mostrou uma pele que insistia em não sair. Alessandra fez com a filha o que não fazia com ela mesma. Foi buscar um alicate, cortou a pele e disse que ela não deveria puxar peles ou comer unha. Desde então, mãe e filha não cutucam mais os dedos. Em vez de esperar a ansiedade chegar, Alessandra aproveita para se ocupar com projetos que lhe dão prazer. “Mando orçamentos, busco ideias e aprendo coisas novas. Agora, minhas noites são proveitosas.”
Mudar não é simples. Em qualquer contexto exige esforço, estratégia e persistência, mas é possível. “Basta entender como funcionam e aceitar o trabalho duro”, diz Charles Duhigg. “Hábitos não são destino.”
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