9.07.2013

Cardiologia brasileira vai reduzir o nível considerado bom para o colesterol ruim

Pacientes de alto risco deverão ter menos 30% de LDL no sangue que na diretriz anterior

Duilo Victor e Renato Grandelle 

Ilustração mostra como é uma molécula de colesterol. Normas para nível de gordura no sangue serão mais restritas
Foto: Terceiro / Latinstock
Ilustração mostra como é uma molécula de colesterol. Normas para nível de gordura no sangue serão mais restritas Terceiro / Latinstock
RIO- A partir do dia 28 de setembro, mais brasileiros estarão com excesso de colesterol ruim e terão que tomar remédios, no que depender da avaliação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Não significa que abusaremos mais da gordura nos próximos 24 dias, mas esta é a data escolhida pela entidade para apresentar, em seu congresso anual, as novas orientações sobre o limite saudável do LDL no sangue. Antes o normal era de até 100 miligramas por decilitro para pacientes com alto risco de doenças cardiovasculares — aqueles que têm histórico familiar ou que associam tabagismo com hipertensão, por exemplo. Agora a luta deve ser para ficar abaixo de 70 miligramas.
Com a nova diretriz, cardiologistas brasileiros serão orientados a serem mais rigorosos que americanos e europeus são hoje no controle do colesterol do infarto. Segundo Hermes Toros Xavier, presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC e editor da nova diretriz, 30% dos brasileiros adultos estão no sinal vermelho do nível da gordura que gruda nas paredes das artérias e devem procurar o médico para avaliar os riscos de doenças cardiovasculares.
Na linguagem dos cardiologistas, o risco de doenças cardiovasculares é separado em três níveis: o alto, o intermediário e o baixo. Quanto mais comportamentos e histórico genético ruins, mais se avança na escala. Para quem está no risco intermediário, o nível de colesterol deve ficar agora entre 70 e 100 miligramas e não mais entre 100 e 130mg. A diretriz está mais rigorosa com mulheres: um risco superior a 10% já é considerado alto, enquanto que, para homens, chega-se ao pior nível quem tem 20% de risco. Segundo Xavier, o rigor com as mulheres ocorre porque, nas últimas décadas, elas têm ficado mais hipertensas e com mais excesso de peso. Com isso, as doenças cardiovasculares, como infarto e derrame, deixaram de ser um mal masculino e são, cada vez mais, femininos. No país, para cada dez casos de infarto, quatro já são de mulheres.
— O Brasil está à frente da diretriz americana sobre o tema. Estamos entre os pioneiros a adotar metas rigorosas — declara Xavier.
O cardiologista é um defensor do uso de remédios para controlar o colesterol, as estatinas, e concorda que as novas diretrizes vão levar ao maior consumo do medicamento. Também admite que pessoas que hoje não se preocupam com o resultado do LDL no exame de sangue poderão passar a tomar remédio. O uso de estatina pode causar efeitos colaterais como problemas musculares — um caso em 10 mil, segundo Xavier — e um caso de diabetes em 450 pacientes tratados, informa o cardiologista. Mas os benefícios superam em muito os riscos na avaliação do médico.
— Vamos aumentar o consumo de estatina, sim senhor. O custo de um paciente infartado para o sistema de saúde é muito maior do que gastar mais com o medicamento — defende Xavier. — Temos que tomar partido neste momento. Não se pode achar que só porque o gasto será maior que não se deve fazer prevenção. Uma pessoa aparentemente saudável não quer dizer totalmente livre de risco no caso de aterosclerose.
Xavier argumenta que se baseia em dois grandes estudos para atualizar os níveis de colesterol ruim. Um da Universidade de Oxford, que analisou dados de 270 mil pacientes, e outro, da American Heart Association, sobre uso de estatinas publicada em 2008, cujo resultado foi de 44% menos mortes por causas cardiovasculares entre os que tomam o remédio.
Mas não há unanimidade. Professor titular de cardiologia da UFRJ, Nelson Souza e Silva discorda do critério de usar estudos estrangeiros para mudar a tolerância do colesterol entre os brasileiros:
— Remédio só cuida de uma variável da aterosclerose. Há mais de 200 fatores relacionados ao risco cardiovascular. O problema é mais complexo do que a indústria quer passar. Não é uma questão simples e determinista que se resolva com estatina.
Segundo o diretor clínico do Hospital Pró-Cardíaco, Evandro Tinoco, sempre que são feitas atualizações das diretrizes de colesterol o debate é acalorado:
— O momento (de atualização dos níveis) é oportuno sob o ponto de vista da prevenção. Quando o risco não é muito alto, no entanto, deve-se sempre tentar uma adaptação de hábitos nos seis primeiros meses antes de tentar a estatina.
Doutor em Endocrinologia pela UFRJ e médico do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede), Marcus Leitão elogia a iniciativa da SBC, mas avalia que a mudança nos valores de recomendação do LDL não devem interferir significativamente nos diagnósticos.
— É uma boa iniciativa, mas, além do colesterol, outros fatores são considerados no tratamento, como o tabagismo, a prática de atividade física e a obesidade. Se o paciente conseguir mantê-los sob controle, valores do LDL pouco acima de 70 miligramas podem ser mantidos — pondera. — Cada caso tem sua particularidade.
Isabela Bussade, professora de pós-graduação de Endocrinologia da PUC-Rio, também elogia a nova recomendação da SBC.
— Conseguimos, assim, uma prevenção precoce de doenças cardiovasculares — avalia. — E, também, um modo de conscientizar a população sobre os riscos da dieta industrializada, com produtos ricos em colesterol.

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