9.07.2013

A caminho do cárcere


Próximos de uma condenação cada vez mais provável, mensaleiros já planejam a vida na prisão. Para passar o tempo, levarão na bagagem laptops, DVDs e até livros de poesia. E alguns estão preocupados em como assistirão aos jogos da Copa

Izabelle Torres

O maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter seu desfecho esta semana, com a prisão de 23 condenados por participar do esquema do mensalão. A iminência da cadeia levou grande parte dos réus a replanejar sua existência, depois de uma condenação cada vez mais provável. Na última semana, ISTOÉ conversou com pessoas próximas aos protagonistas do escândalo. A primeira preocupação dos condenados e de seus advogados é saber onde irão cumprir a pena recebida. Os réus querem ficar próximos das famílias, mas ao mesmo tempo num lugar onde sua integridade física possa ser garantida.
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Quando esteve no presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, em razão de delitos com a Receita, o operador do mensalão, Marcos Valério, chegou a exibir marcas de tortura pelo corpo. Embora o próprio Valério jamais tenha esclarecido do que se tratava, as circunstâncias da agressão apontam para um caso clássico de chantagem no interior de uma cadeia, pelo qual um detento é dominado e torturado por bandidos recolhidos no mesmo local, até que seus familiares comprem sua segurança em troca de polpudas somas em dinheiro. Por essa razão, advogados dos condenados acreditam que a melhor opção para o cumprimento da pena seria manter seus clientes no presídio da Papuda, em Brasília. Na penitenciária da capital federal, estão sendo gastos mais de R$ 3 milhões na reforma de uma ala especial. É para lá que pretende ir o deputado Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e os mineiros Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares prefere ficar em São Paulo, perto da esposa. Na mala, vai colocar alguns livros de literatura e ­poesia – o preferido é Cora Coralina – e alguns DVDs de bossa nova.

Na conta de Delúbio, a condenação de oito anos e 11 meses de detenção deve resultar em pouco menos de dois anos em regime fechado. Um tempo que ele diz que vai encarar como mais uma missão do PT. Delúbio já organizou a administração da sua imobiliária online, que será comandada por sua irmã, Delma Soares. A preocupação do ex-tesoureiro é se conseguirá assistir ao futebol, especialmente aos jogos da Copa do Mundo. Também gostaria de se manter informado sobre a vida política e partidária enquanto estiver detido. Quem esteve com ele durante os últimos dias diz que a família tem evitado tratá-lo como vítima e que o próprio Delúbio admite que esperava um resultado desfavorável em razão do que chama de viés politizado do julgamento.
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A mesma postura se exibe na casa de José Dirceu, embora o clima seja mais tenso. Apontado como o chefe da quadrilha pelos ministros do STF, Dirceu reafirma que sua condenação tem caráter político-partidário, e assim explica o motivo de os ministros não terem oferecido respostas mais alongadas para os recursos de sua defesa. Na quinta-feira 5, Dirceu reuniu 100 pessoas no salão de festas do seu apartamento, na Vila Mariana, para assistir no telão ao julgamento dos embargos de declaração. Apesar de se manter calado e apenas ouvir as palavras de apoio dos amigos e das ex-mulheres que estavam presentes, o ex-ministro de Lula temia que sua prisão fosse decretada naquele dia. Dirceu disse aos advogados que gostaria de ficar na penitenciária de Vinhedo, cidade onde mora com sua família, mas quer a garantia de que estará seguro e longe de criminosos perigosos ou de facções. Na conta do advogado de Dirceu, José Luiz de Oliveira, os dez anos e dez meses de condenação devem resultar em apenas um ano e meio de regime fechado, tempo em que Dirceu pretende gastar escrevendo um livro e artigos políticos no seu blog, além de realizar trabalhos voluntários na prisão, como lavar roupa e cozinhar. Para continuar militando da prisão e manter contato com os companheiros petistas, Dirceu planeja levar um l­aptop. A exemplo de Delúbio, Dirceu também quer saber como verá os jogos do Brasil durante a Copa do Mundo. Quando conseguir passar para o regime semiaberto, o ex-ministro da Casa Civil voltará a atuar no PT e tentará recuperar o portfólio de clientes da sua empresa de consultoria.
José Dirceu não tem grandes preocupações financeiras, ao contrário do deputado federal José Genoino (PT-SP), ex-presidente do partido condenado a seis anos e 11 meses de detenção em regime semiaberto. Na última quinta-feira, enquanto os ministros do STF julgavam os últimos embargos de declaração, Genoino entrou com um pedido de aposentadoria por invalidez como deputado federal. Foi a saída pensada pelo advogado Luiz Fernando Pacheco para livrá-lo de uma votação sobre a perda de mandato e garantir salário integral de R$ 26,7 mil. O pedido foi entregue à direção-geral da Câmara e deve ser analisado por uma junta médica da Casa na próxima semana. Técnicos legislativos que trabalham no setor afirmam que o pedido deve ser aceito. Para isso, levarão em conta os argumentos do médico Roberto Kalil, do Hospital Sírio-Libanês, onde o deputado foi operado em julho para correção de dissecção de aorta. Kalil afirma que o deputado sofre de cardiopatia grave, “que o leva a ser atingido pelo risco social de incapacidade total e definitiva para o trabalho”. Para o médico, as tensões em torno da atividade política e as viagens frequentes de São Paulo para a capital podem agravar sua doença.
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Se o pedido for rejeitado, o deputado continuará recebendo R$ 20 mil, referentes à aposentadoria proporcional a 14 anos de serviço como deputado em legislaturas passadas. É com base nesse laudo médico elaborado por Kalil que o advogado de Genoino vai pedir para que ele cumpra prisão domiciliar, alegando a necessidade de cuidados específicos e proximidade com a família. Segundo relatos de quem esteve com o deputado na última semana, seu estado emocional é mais delicado do que o de outros condenados. Até pela saúde fragilizada, ele tem recebido atenção da família e se poupado de discutir o assunto. No PT, o entendimento é de que, enquanto cumprir a pena, Genoino poderá dar consultorias informais para o partido.
A preocupação em não se afastar da política é o que motiva o deputado Valdemar da Costa Neto (PR-SP) a programar sua prisão para Brasília, apesar de ser oficialmente de São Paulo. Em um jogo combinado, o cacique do PR pretende cumprir sua pena na capital para acompanhar de perto as movimentações partidárias. Enquanto estiver preso, viverá do salário de funcionário do partido e pretende dar expediente na sede da legenda durante o dia, já que estará em regime semiaberto. Valdemar tem repetido a amigos que estava havia anos se preparando para a cadeia e considera quase nula a possibilidade de haver um novo julgamento por meio de embargos infringentes. Mas, em tese, essa possibilidade existe, mesmo que remota.
Na terça-feira 10, os advogados dos condenados vão entregar aos ministros um memorando defendendo o uso desse tipo de recurso no julgamento. A ideia é que esses novos argumentos ajudem os ministros a decidir se aceitam ou não esses embargos, uma vez que ele é previsto no Regimento Interno da Corte, mas não na lei 8.038/90, que disciplina os processos no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Três ministros ouvidos por ISTOÉ afirmam que a lei deve sobrepor-se ao regimento e por isso os embargos tendem a ser rejeitados. A expectativa desses ministros é que haja pelo menos seis votos contrários ao uso dos embargos infringentes no julgamento do mensalão.
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A decisão sobre um novo julgamento será tomada pelos ministros na quarta-feira 11, quando continuarão julgando o embargo apresentado por Delúbio Soares. Se for aceito, além de Delúbio, outros dez réus podem apresentar o novo recurso. São eles: João Paulo Cunha, José Dirceu, José Genoino, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, José Salgado, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, estes dois últimos beneficiados com redução de pena na semana passada, porque o STF reconheceu que errou no cálculo das condenações. O pior cenário para os condenados, considerado o mais provável, é a rejeição dos embargos pelo Supremo. Na prática, isso significa que o Ministério Público Federal poderá pedir a prisão imediata dos condenados, alegando não haver mais recursos disponíveis. As prisões, nesse caso, ocorreriam na sexta-feira.
A data é bem posterior ao que pretendia o presidente da corte, Joaquim Barbosa, que pressionou os colegas para concluir o julgamento na semana passada. Nos bastidores, os ministros admitem que não concordaram com a pressa proposta pelo relator do caso por dois motivos. O primeiro, mais técnico, se refere à possibilidade de os advogados alegarem cerceamento de defesa e condenação sem obediência aos prazos legais. O segundo motivo é pessoal. Os ministros entenderam que Barbosa tentava acelerar o fim do julgamento para abrir espaço ao decreto de prisão imediata. Os réus seriam presos às vésperas das comemorações de 7 de setembro, em que ele é convidado do palanque presidencial.

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