Em um ano, 11 agentes da PF tiraram a própria vida. Atualmente, policiais morrem mais por suicídio do que durante combate ao crime. Conheça as possíveis causas desse cenário dramático
Josie Jeronimo e Izabelle Torres
DRAMA
Em 40 anos, 36 policiais federais perderam a vida no cumprimento da função.
Um terço desse total morreu por suicídio apenas entre 2012 e 2013
Em 40 anos, 36 policiais federais perderam a vida no cumprimento da função.
Um terço desse total morreu por suicídio apenas entre 2012 e 2013
Vista do lado de fora, a Polícia Federal é
uma referência no combate à corrupção e ainda representa a elite de uma
categoria cada vez mais imprescindível para a sociedade. Vista por
dentro, a imagem é antagônica. A PF passa por sua maior crise interna já
registrada desde a década de 90, quando começou a ganhar notoriedade.
Os efeitos disso não estão apenas na queda abrupta do número de
inquéritos realizados nos últimos anos, que caiu 26% desde 2009. Estão
especialmente na triste história de quem precisou enterrar familiares
policiais que usaram a arma de trabalho para tirar a própria vida. Nos
últimos dez anos, 22 agentes da Polícia Federal cometeram suicídio,
sendo que 11 deles aconteceram entre março de 2012 e março deste ano:
quase um morto por mês. O desespero que leva o ser humano a tirar a
própria vida mata mais policiais do que as operações de combate ao
crime. Em 40 anos, 36 policiais perderam a vida no cumprimento da
função. Para traçar o cenário de pressões e desespero que levou
policiais ao suicídio, ISTOÉ conversou com parentes e colegas de
trabalho dos mortos. O teor dos depoimentos converge para um ponto comum
de pressão excessiva e ambiente de trabalho sem boas perspectivas de
melhoria.
FALTA DE ESTRUTURA
Agentes trabalham amordaçados em protesto contra condições desumanas de trabalho
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) no ano
passado mostrou que por trás do colete preto, do distintivo, dos óculos
escuros e da mística que transformou a PF no ícone de polícia de elite
existe um quatro grave. Depressão e síndrome do pânico são doenças que
atingem um em cada cinco dos nove mil agentes da Polícia Federal. Em um
dos itens da pesquisa, 73 policiais foram questionados sobre os motivos
das licenças médicas. Nada menos do que 35% dos entrevistados
responderam que os afastamentos foram decorrentes de transtornos mentais
como depressão e ansiedade. “O grande problema é que os agentes
federais se submetem a um regime de trabalho militarizado, sem que
tenham treinamento militar para isso. Acreditamos que o problema está na
estrutura da própria polícia”, diz uma das pesquisadoras da UnB, a
psicóloga Fernanda Duarte.
Agentes trabalham amordaçados em protesto contra condições desumanas de trabalho
O drama dos familiares dos policiais que se suicidaram está distribuído nos quatro cantos do País. A última morte registrada em 2013 ainda causa espanto nas superintendências de Roraima, onde Lúcio Mauro de Oliveira Silva, 38 anos, trabalhou entre dezembro do ano passado e março deste ano. Mauro deixou a noiva no Rio de Janeiro para iniciar sua vida de agente da PF em Pacaraima, cidade a 220 quilômetros de Boa Vista. Nos 60 dias em que trabalhou como agente da PF, usou o salário de R$ 5 mil líquidos para dar entrada em financiamento de uma casa e um carro. O sonho da nova vida acabou com um tiro na boca, na frente da noiva. Cinco meses se passaram desde a morte de Mauro e o coração de sua mãe, Olga Oliveira Silva, permanece confuso e destroçado. “A Federal sabia que ele não tinha condições de trabalhar na fronteira. Meia hora antes de morrer, ele me ligou e disse: Mainha, eu amo a senhora. Perdoa eu ter vindo pra cá sem ter me despedido”.
O drama de quem perdeu um familiar por suicídio não se limita aos jovens na faixa dos 30 anos. Faltavam dois anos para Ênio Seabra Sobrinho, baseado em Belo Horizonte, se aposentar do cargo de agente da Polícia Federal. Com histórico de transtorno psicológico, o policial já havia comunicado à chefia que não se sentia bem. Solicitou, formalmente, ajuda. Em resposta, a PF mandou dois agentes à sua casa para confiscar sua arma. Seabra foi então transferido para o plantão de 24 horas, quando o policial realiza funções semelhantes às de um vigia predial. A missão é considerada um castigo, pois não exige qualquer treinamento. No dia 14 de outubro de 2012, Seabra se matou, aos 49 anos. Apesar de estar perto da aposentadoria, a família recebe pensão proporcional com valor R$ 2 mil menor do que os vencimentos do agente, na ativa.
fotos: Cesar Greco / Foto arena; Adriano Machado
Nenhum comentário:
Postar um comentário