Jornada de trabalho já começa a ser adotada, mas ainda há dúvidas sobre como e quando demais direitos começarão a vigorar
Marcello Corrêa
RIO - O último dia 2 de abril foi considerado histórico para a
legislação trabalhista brasileira. A data marca a aprovação da Emenda
Constitucional nº 72 — a chamada PEC das Domésticas — que propõe
direitos iguais de empregados domésticos aos dos demais trabalhadores.
No entanto, 150 dias após a promulgação da emenda pelo Congresso, poucos
direitos foram assegurados, já que e nova lei ainda precisa ser
regulamentada, o que tem gerado um cenário de incerteza entre
empregadores e empregados.
De abril para cá, apenas a regulação da jornada de trabalho de 44 horas semanais e 8 horas diárias alterou o cotidiano dos domésticos. Ainda faltam ser regulamentados outros direitos que igualam a categoria às outras do mercado de trabalho, como o FGTS e o seguro-desemprego — as regras já foram aprovadas no Senado, mas ainda precisam passar pela Câmara dos Deputados. Para os sindicatos, a conquista já foi um avanço, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
— Já existe um breque naquela história de empregada não ter horário. Já atendi empregada que trabalhava 17 horas por dia. O nosso objetivo é justamente terminar com isso — afirma Eliana Menezes, diretora do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos de São Paulo (Sindomestica).
No Rio, a presidente do sindicato da categoria, Carli Maria, afirma que houve avanços, mas que, na prática, nada mudou:
— Não mudou nada. Só a jornada de trabalho, o que já é um avanço, mas não mudou nada. (A regulamentação) está senda cozida em banho-maria.
Enquanto os outros direitos que igualam completamente os domésticos aos celetistas, pequenos hábitos já começaram a alterar o cotidiano das famílias. A definição da jornada de trabalho introduziu um elemento inédito nos domicílios: o caderno de ponto. Para a minoria dos domésticos com carteira assinada (cerca de 30% dos 6,6 milhões), a rotina de assinar o cartão de ponto começou a ser adotada aos poucos.
Na casa da psicóloga Rosângela Casseano, a necessidade de controlar a carga horária fez com que a família decidisse tornar o ambiente doméstico ainda mais corporativo. Em maio, Rosângela e o marido decidiram importar, da China, um marcador de ponto digital. O aparelho custou US$ 100 e, por enquanto, tem funcionado como apoio ao caderno de ponto. A ideia da psicóloga, que administra o site Aqui em Casa, de agenciamento de empregados domésticos, é oferecer a solução eletrônica aos clientes.
— Nunca tinha feito isso, mas com a proposta de oferecer isso aos clientes, resolvemos fazer um projeto piloto aqui em casa. É um teste. A máquina nacional homologada pelo Ministério do Trabalho que custa na faixa de R$ 1 mil. É muito caro para o mercado brasileiro, por isso importamos de US$ 100, mas não homologada e ainda não disponibilizamos o serviço — explica Rosângela.
Por enquanto, a empregada de Rosângela, Michelle Pires, aprova a ferramenta, apesar da mudança na rotina.
— Achei normal. Incluí (a rotina de marcar o ponto) no meu trabalho, mas às vezes esqueço — conta Michelle, de 33 anos, que já trabalhou na Prefeitura, antes de se tornar doméstica há quatro anos.
Segundo ela, ainda não foi preciso utilizar o esquema de banco de horas. Patroa e empregada fecharam uma carga horária de 10h às 20h, de segunda a sexta, com 1h30m de almoço, que Michelle usa para ir ao banco e resolver problemas pessoais, fora do local de trabalho. O acordo de 42h30m semanais e foi definido entre as duas — Rosângela precisava do serviço até mais tarde e Michelle não podia trabalhar aos sábados.
De março a julho, aumento da formalidade
Para Eliana, do Sindomestica, desde a aprovação do texto em abril, patrões e trabalhadores já tiveram mais tempo para amadurecer e se adaptar às novidades. Em São Paulo, uma convenção coletiva assinada pelo Sindomestica no final de junho ajudou a definir melhor os detalhes da nova legislação, enquanto a regulamentação do Congresso não sai. O acordo prevê regras para pontos polêmicos como o prazo para pagamento do banco de horas e define que, em caso de descumprimento das normas, o empregador deverá pagar multa de 10% do salário mínimo federal.
As regras mais claras da convenção do sindicato, conta Eliana, ajudaram a diminuir uma tendência de demissão que começou a surgir logo após a promulgação da PEC. No começo, o percentual de demissão chegou a 5%, mas o mercado voltou a admitir recentemente.
Ainda é cedo, no entanto, para apontar uma tendência mais sólida de demissões. Cinco meses depois do primeiro passo da nova legislação, números oficiais mostram dados heterogêneos. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, obtidos pelo Instituto Doméstica Legal, entre março e julho deste ano, houve aumento de 1,76% no número de trabalhadores com carteira assinada, que chegou a 1,3 milhão. No entanto, na região Sudeste, houve diminuição da formalidade. No Rio, no mesmo período, a quantidade de trabalhadores com carteira caiu de 161.878 para 159.933, recuo de 1,2%.
— O aumento nacional foi puxado pelo Norte e Nordeste, onde a formalidade era menor. Com essa massificação da questão da PEC, muita gente despertou. No caso da região Sul e Sudeste, onde tem a maior formalidade, houve demissão de trabalhadores. Não é porque aumentou a formalidade nacionalmente que a coisa está uma maravilha — afirma Mario Avelino, presidente do Doméstica Legal.
Para a advogada do escritório Siqueira Castro, Claudia Mothé, o clima está mais calmo para se chegar a consensos entre empregadores e empregados. A especialista aconselha que todos esperem pela regulamentação, que só deve ser definida em 2014, antes de começar a negociar a maioria dos benefícios. No entanto, para a especialista, já é válido se adequar ao esquema de banco de horas, mesmo sem os detalhes definidos por lei.
— A avaliação que eu faço é que o assunto está mais tranquilo. Foi melhor digerido. A temperatura baixou. Muitas partes chegaram a acordos e fizeram um arranjo, especialmente em relação à jornada. Está havendo um respeito, mas muito pactuado caso a caso. Com relação a hora extra, vale a pena se adequar antes mesmo da regulamentação, porque o espírito da emenda é de se aproximar à CLT. O que está para regulamentar é só a questão da compensação. Mas vejo como uma medida que deve ser tomada. É a solução óbvia — orienta a advogada.
De abril para cá, apenas a regulação da jornada de trabalho de 44 horas semanais e 8 horas diárias alterou o cotidiano dos domésticos. Ainda faltam ser regulamentados outros direitos que igualam a categoria às outras do mercado de trabalho, como o FGTS e o seguro-desemprego — as regras já foram aprovadas no Senado, mas ainda precisam passar pela Câmara dos Deputados. Para os sindicatos, a conquista já foi um avanço, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
— Já existe um breque naquela história de empregada não ter horário. Já atendi empregada que trabalhava 17 horas por dia. O nosso objetivo é justamente terminar com isso — afirma Eliana Menezes, diretora do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos de São Paulo (Sindomestica).
No Rio, a presidente do sindicato da categoria, Carli Maria, afirma que houve avanços, mas que, na prática, nada mudou:
— Não mudou nada. Só a jornada de trabalho, o que já é um avanço, mas não mudou nada. (A regulamentação) está senda cozida em banho-maria.
Enquanto os outros direitos que igualam completamente os domésticos aos celetistas, pequenos hábitos já começaram a alterar o cotidiano das famílias. A definição da jornada de trabalho introduziu um elemento inédito nos domicílios: o caderno de ponto. Para a minoria dos domésticos com carteira assinada (cerca de 30% dos 6,6 milhões), a rotina de assinar o cartão de ponto começou a ser adotada aos poucos.
Na casa da psicóloga Rosângela Casseano, a necessidade de controlar a carga horária fez com que a família decidisse tornar o ambiente doméstico ainda mais corporativo. Em maio, Rosângela e o marido decidiram importar, da China, um marcador de ponto digital. O aparelho custou US$ 100 e, por enquanto, tem funcionado como apoio ao caderno de ponto. A ideia da psicóloga, que administra o site Aqui em Casa, de agenciamento de empregados domésticos, é oferecer a solução eletrônica aos clientes.
— Nunca tinha feito isso, mas com a proposta de oferecer isso aos clientes, resolvemos fazer um projeto piloto aqui em casa. É um teste. A máquina nacional homologada pelo Ministério do Trabalho que custa na faixa de R$ 1 mil. É muito caro para o mercado brasileiro, por isso importamos de US$ 100, mas não homologada e ainda não disponibilizamos o serviço — explica Rosângela.
Por enquanto, a empregada de Rosângela, Michelle Pires, aprova a ferramenta, apesar da mudança na rotina.
— Achei normal. Incluí (a rotina de marcar o ponto) no meu trabalho, mas às vezes esqueço — conta Michelle, de 33 anos, que já trabalhou na Prefeitura, antes de se tornar doméstica há quatro anos.
Segundo ela, ainda não foi preciso utilizar o esquema de banco de horas. Patroa e empregada fecharam uma carga horária de 10h às 20h, de segunda a sexta, com 1h30m de almoço, que Michelle usa para ir ao banco e resolver problemas pessoais, fora do local de trabalho. O acordo de 42h30m semanais e foi definido entre as duas — Rosângela precisava do serviço até mais tarde e Michelle não podia trabalhar aos sábados.
De março a julho, aumento da formalidade
Para Eliana, do Sindomestica, desde a aprovação do texto em abril, patrões e trabalhadores já tiveram mais tempo para amadurecer e se adaptar às novidades. Em São Paulo, uma convenção coletiva assinada pelo Sindomestica no final de junho ajudou a definir melhor os detalhes da nova legislação, enquanto a regulamentação do Congresso não sai. O acordo prevê regras para pontos polêmicos como o prazo para pagamento do banco de horas e define que, em caso de descumprimento das normas, o empregador deverá pagar multa de 10% do salário mínimo federal.
As regras mais claras da convenção do sindicato, conta Eliana, ajudaram a diminuir uma tendência de demissão que começou a surgir logo após a promulgação da PEC. No começo, o percentual de demissão chegou a 5%, mas o mercado voltou a admitir recentemente.
Ainda é cedo, no entanto, para apontar uma tendência mais sólida de demissões. Cinco meses depois do primeiro passo da nova legislação, números oficiais mostram dados heterogêneos. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, obtidos pelo Instituto Doméstica Legal, entre março e julho deste ano, houve aumento de 1,76% no número de trabalhadores com carteira assinada, que chegou a 1,3 milhão. No entanto, na região Sudeste, houve diminuição da formalidade. No Rio, no mesmo período, a quantidade de trabalhadores com carteira caiu de 161.878 para 159.933, recuo de 1,2%.
— O aumento nacional foi puxado pelo Norte e Nordeste, onde a formalidade era menor. Com essa massificação da questão da PEC, muita gente despertou. No caso da região Sul e Sudeste, onde tem a maior formalidade, houve demissão de trabalhadores. Não é porque aumentou a formalidade nacionalmente que a coisa está uma maravilha — afirma Mario Avelino, presidente do Doméstica Legal.
Para a advogada do escritório Siqueira Castro, Claudia Mothé, o clima está mais calmo para se chegar a consensos entre empregadores e empregados. A especialista aconselha que todos esperem pela regulamentação, que só deve ser definida em 2014, antes de começar a negociar a maioria dos benefícios. No entanto, para a especialista, já é válido se adequar ao esquema de banco de horas, mesmo sem os detalhes definidos por lei.
— A avaliação que eu faço é que o assunto está mais tranquilo. Foi melhor digerido. A temperatura baixou. Muitas partes chegaram a acordos e fizeram um arranjo, especialmente em relação à jornada. Está havendo um respeito, mas muito pactuado caso a caso. Com relação a hora extra, vale a pena se adequar antes mesmo da regulamentação, porque o espírito da emenda é de se aproximar à CLT. O que está para regulamentar é só a questão da compensação. Mas vejo como uma medida que deve ser tomada. É a solução óbvia — orienta a advogada.
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