5.08.2014

‘Brasil viverá com crack o pesadelo que os EUA viveram nos anos 80’

Neurocientista da Universidade de Columbia, Carl Hart critica, em visita ao Rio, a política brasileira contra a droga

Flávia Milhorance 

O neurocientista Carl Hart em evento no Viva Rio, na Glória
Foto: Gustavo Miranda
O neurocientista Carl Hart em evento no Viva Rio, na Glória Gustavo Miranda
RIO - O Brasil está prestes a vivenciar o mesmo pesadelo da epidemia de crack que ocorreu nos Estados Unidos na década de 1980. A declaração é do neurocientista Carl Hart, da Universidade de Columbia, que está pela primeira vez no Rio para um série de conferências.
Apesar do consumo da droga ter subido consideravelmente naquele período no continente norte-americano, o que preocupa Hart é, na verdade, as políticas que surgem para tentar controlar o número de usuários. Segundo o especialista que estuda a questão das drogas desde 1990, a “crise do crack” acaba chancelando o governo para tomar medidas mais repressivas e a polícia para agir violentamente:
- Vendo a experiência brasileira, acho que vocês vão reviver o pesadelo que vivemos nos anos 80. E o pesadelo não é o crack em si, mas as políticas públicas que surgem como resultado do seu uso - alerta Hart. - Quando o crack fica fora de controle e quando a população tem a noção disto, o governo dá permissão à polícia para que ela faça o que for preciso. Algumas das medidas serão pessoas mortas, presas e daí por diante. E isto terá a aprovação da sociedade.
Segundo Hart, a sociedade americana mais tarde acabou mudando essa estratégia:
- Levou algum tempo para aprendermos, mas depois descobrimos que o problema não era exatamente o crack, mas outros fatores, tais como pobreza, desemprego, economia em recessão, falta de educação...
Hart ainda critica que a política de drogas também é, geralmente, discriminatória. De acordo com dados produzidos por ele para o Instituto Nacional de Abuso de Drogas (Nida) dos EUA, em 1991 os usuários eram 75% brancos; 15% negros, e 10% hispânicos. No entanto, em 2009, a Comissão de Penas dos EUA divulgou dados mostrando que dos 5.669 condenados pelo uso de crack, 79% eram negros, 10% hispânicos e apenas 10% brancos.
O especialista diz ainda que há um exagero sobre as ditas consequências negativas das drogas. Ele comandou um estudo na universidade e garante que entre 80% e 90% de usuários não se tornam viciadas. Segundo ele, são usuários esporádicos, geralmente de finais de semana.
- Do álcool à heroína, a maioria das pessoas que usam drogas não são dependentes. Há pessoas que não precisam de tratamento. Nosso presidente (Barack Obama) usou maconha, cocaína, e não se tornou um criminoso. Na verdade, é um membro muito produtivo da sociedade.
Para, portanto, lidar com as drogas ilícitas, ele defende algo como multas, assim como as das infrações de trânsito, além de tratamento para o pequeno grupo que dele precisasse. Ele é contra, por exemplo, a internação compulsória de usuários.
- Pensamos que eles estão fora de si, que não podem tomar decisões racionais, o que é uma suposição falsa - afirma.


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