5.07.2014

Células-tronco humanas regeneram coração infartado dos macacos


Experimento dá passo fundamental no caminho da aplicação clínica.
Verónica Muskheli / Divulgação
As células-tronco humanas implantadas aparecem em verde, contendo feixes fibrilares e sarcômeros bem formados. Já as células do macaco hóspede aparecem em vermelho
As células-tronco humanas implantadas aparecem em verde, contendo feixes fibrilares e sarcômeros bem formados. Já as células do macaco hóspede aparecem em vermelho
As pesquisas em medicina regenerativa avançaram nesta semana em um ritmo só comparável ao das eliminatórias da Liga dos Campeões. Se há dois dias conhecíamos as primeiras células produtoras de insulina derivadas por clonagem de uma paciente com diabetes, hoje chega a vez do reparo do coração após o enfarte; o experimento é em macacos, mas as células-tronco que consertaram o seu músculo cardíaco são humanas: o passo fundamental no caminho para os testes clínicos. Ambos os avanços se baseiam nas células-tronco embrionárias, dando razão aos cientistas que perseguem essa linha de investigação em paralelo às mais modernas — e menos polêmicas — células iPS (células-tronco pluripotentes induzidas), que evitam o uso de embriões humanos.
Charles Murry e sua equipe da Universidade de Washington em Seattle conseguiram regenerar parcialmente o coração infartado de macacos com cardiomiócitos (células musculares do coração) derivados de células-tronco embrionárias humanas. Até agora isso só havia sido obtido em animais menores como ratos — também pelo laboratório de Murry —, e o novo experimento derruba talvez a principal barreira que separa as células-tronco embrionárias de sua aplicação na cardiologia. Embora não seja a única, porque os implantes produziram arritmias no longo prazo em alguns macacos. Ainda que essas arritmias não sejam fatais, constituem uma complicação grave que os pesquisadores deverão resolver antes de sequer pensarem em entrar em um hospital.
Apesar de toda a ciência e a tecnologia utilizadas nessas pesquisas, um dos grandes problemas do "salto" dos ratos para os humanos envolve força bruta. Consertar o coração de um ratinho requer um milhão de cardiomiócitos; o de uma ratazana, 10 milhões; o de um porquinho-da-índia, 100 milhões. O do macaco precisou de 1 bilhão, uma cifra pela primeira vez comparável à necessária para que os médicos regenerassem o coração de um paciente humano, pois esse é mais ou menos o número de células que morrem em um enfarte humano típico. Os cientistas de Washington tiveram de apurar a técnica para produzir todas essas células cardíacas a partir de cultivos de células-tronco, incluindo o congelamento por turnos. Os resultados foram apresentados na ‘Nature’.
Os cardiomiócitos derivados de células-tronco embrionárias humanas e injetados diretamente no miocárdio dos macacos conseguem uma revascularização extensiva do coração infartado; mostram uma progressiva — embora incompleta — maturação nos três meses seguintes à intervenção; são ‘colonizados’ — perfundidos, no jargão — pelos vasos sanguíneos do coração hóspede; e acoplam-se eletromecanicamente com ele, isto é, batem em seu ritmo e em boa sintonia. Os detalhes mostram que esse acoplamento não é só aparente, como também possui um fundamento bioquímico normal, baseado em ondas de liberação de cálcio.
As pesquisas com células-tronco embrionárias humanas estão restritas nos Estados Unidos: não contam com financiamento público a não ser que se restrinjam a algumas linhas autorizadas faz anos. Isso representou um obstáculo para os cientistas da Universidade de Washington?
“As barreiras legais ao uso de fundos federais para a pesquisa com células embrionárias nos atrapalhou”, responde Charles Murry ao EL PAÍS, “e algumas vezes fizeram que as pessoas do meu laboratório temessem pela perda de seus trabalhos devido à suspensão de fundos”. Murry dirige o Centro de Biologia Cardiovascular da Universidade de Washington, e é codiretor de seu Instituto de Células-Tronco e Medicina Regenerativa.
“Preciso dizer que sou a favor de Bush”, reconhece, “que nos deixou iniciar os projetos com as linhas celulares que já estavam estabelecidas nos tempos de sua Administração, o que foi muito melhor que uma proibição absoluta; a chegada de Obama (à Casa Branca) piorou as coisas, porque (ele) começou a anular todas as linhas aprovadas por Bush. Após cerca de seis meses, no entanto, suas novas regulações sobre células embrionárias entraram em vigor, e desde então pudemos trabalhar com mais linhas celulares que antes. A coisa está agora significativamente melhor do que com Bush”.
Fonte: EL País/O Globo

Nenhum comentário: