Experimento dá passo fundamental no caminho da aplicação clínica.
Verónica Muskheli / Divulgação
As células-tronco humanas implantadas
aparecem em verde, contendo feixes fibrilares e sarcômeros bem formados.
Já as células do macaco hóspede aparecem em vermelho
As pesquisas em medicina
regenerativa avançaram nesta semana em um ritmo só comparável ao das
eliminatórias da Liga dos Campeões. Se há dois dias conhecíamos as
primeiras células produtoras de insulina derivadas por clonagem de uma
paciente com diabetes, hoje chega a vez do reparo do coração após o
enfarte; o experimento é em macacos, mas as células-tronco que
consertaram o seu músculo cardíaco são humanas: o passo fundamental no
caminho para os testes clínicos. Ambos os avanços se baseiam nas
células-tronco embrionárias, dando razão aos cientistas que perseguem
essa linha de investigação em paralelo às mais modernas — e menos
polêmicas — células iPS (células-tronco pluripotentes induzidas), que
evitam o uso de embriões humanos.
Charles Murry e sua equipe da
Universidade de Washington em Seattle conseguiram regenerar
parcialmente o coração infartado de macacos com cardiomiócitos (células
musculares do coração) derivados de células-tronco embrionárias humanas.
Até agora isso só havia sido obtido em animais menores como ratos —
também pelo laboratório de Murry —, e o novo experimento derruba talvez a
principal barreira que separa as células-tronco embrionárias de sua
aplicação na cardiologia. Embora não seja a única, porque os implantes
produziram arritmias no longo prazo em alguns macacos. Ainda que essas
arritmias não sejam fatais, constituem uma complicação grave que os
pesquisadores deverão resolver antes de sequer pensarem em entrar em um
hospital.
Apesar de toda a ciência e a
tecnologia utilizadas nessas pesquisas, um dos grandes problemas do
"salto" dos ratos para os humanos envolve força bruta. Consertar o
coração de um ratinho requer um milhão de cardiomiócitos; o de uma
ratazana, 10 milhões; o de um porquinho-da-índia, 100 milhões. O do
macaco precisou de 1 bilhão, uma cifra pela primeira vez comparável à
necessária para que os médicos regenerassem o coração de um paciente
humano, pois esse é mais ou menos o número de células que morrem em um
enfarte humano típico. Os cientistas de Washington tiveram de apurar a
técnica para produzir todas essas células cardíacas a partir de cultivos
de células-tronco, incluindo o congelamento por turnos. Os resultados
foram apresentados na ‘Nature’.
Os cardiomiócitos derivados
de células-tronco embrionárias humanas e injetados diretamente no
miocárdio dos macacos conseguem uma revascularização extensiva do
coração infartado; mostram uma progressiva — embora incompleta —
maturação nos três meses seguintes à intervenção; são ‘colonizados’ —
perfundidos, no jargão — pelos vasos sanguíneos do coração hóspede; e
acoplam-se eletromecanicamente com ele, isto é, batem em seu ritmo e em
boa sintonia. Os detalhes mostram que esse acoplamento não é só
aparente, como também possui um fundamento bioquímico normal, baseado em
ondas de liberação de cálcio.
As pesquisas com
células-tronco embrionárias humanas estão restritas nos Estados Unidos:
não contam com financiamento público a não ser que se restrinjam a
algumas linhas autorizadas faz anos. Isso representou um obstáculo para
os cientistas da Universidade de Washington?
“As barreiras legais ao uso
de fundos federais para a pesquisa com células embrionárias nos
atrapalhou”, responde Charles Murry ao EL PAÍS, “e algumas vezes fizeram
que as pessoas do meu laboratório temessem pela perda de seus trabalhos
devido à suspensão de fundos”. Murry dirige o Centro de Biologia
Cardiovascular da Universidade de Washington, e é codiretor de seu
Instituto de Células-Tronco e Medicina Regenerativa.
“Preciso dizer que sou a
favor de Bush”, reconhece, “que nos deixou iniciar os projetos com as
linhas celulares que já estavam estabelecidas nos tempos de sua
Administração, o que foi muito melhor que uma proibição absoluta; a
chegada de Obama (à Casa Branca) piorou as coisas, porque (ele) começou a
anular todas as linhas aprovadas por Bush. Após cerca de seis meses, no
entanto, suas novas regulações sobre células embrionárias entraram em
vigor, e desde então pudemos trabalhar com mais linhas celulares que
antes. A coisa está agora significativamente melhor do que com Bush”.
Fonte: EL País/O Globo
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