O Brasil amargou um quarto lugar na Copa do Mundo após a derrota de 3
a 0 para a Holanda, no sábado, no Mané Garrincha, mas a marca indelével
da campanha continuará sendo a derrota de 7 a 1 para a Alemanha, na
semifinal. Ainda que jogadores e comissão técnica sigam em estado de
negação, e falem sobre o “inexplicável”, a humilhação teve um efeito
catártico sobre torcedores e crítica. Há consenso de que precisamos
realizar uma reforma do futebol brasileiro. A chance de isso ocorrer,
entretanto, é ínfima.
Dentro do campo do Mineirão, parece óbvio o que houve. O Brasil tomou um baile tático da Alemanha – explicado com detalhes por Eduardo Cecconi no Impedimento. Mas o vexame foi tão grande que suplantou a questão tática, e os 7 a 1 expuseram outras chagas do futebol brasileiro. Em primeiro lugar, ficou claro que o Brasil tem graves problemas na formação de técnicos – Felipão e Parreira parecem ultrapassados, assim como são todos os seus colegas, o que explica a falta de um nome óbvio para substituí-los. Em segundo lugar, há problemas na formação de jogadores – talvez 85% dos convocados seriam repetidos por muitos brasileiros, indicando a precariedade do material humano.
Quase sempre foi assim, mas a falta de organização foi superada ao longo do tempo pela grande quantidade de craques brasileiros. Sem eles, sobrou o que o Fabio Chiorino chamou de “sebastianismo”, o que o Douglas Ceconello, do Impedimento, chamou de “Complexo de Cachorro Grande”, e o que eu chamei de “fórmulas mágicas”: é a crença de que somos grandes e, na base da mística da amarelinha, vamos continuar ganhando do mesmo jeito.
A revolução do futebol na Alemanha
A catarse produzida pelo Mineiraço fez surgir como exemplo do caminho a seguir a revolução produzida no futebol alemão desde o início dos anos 2000. A ótima matéria de Renato Ribeiro, levada ao ar pela TV Globo em 8 de junho, exatamente um mês antes do massacre de Belo Horizonte, e os comentários de Paul Breitner, feitos em entrevista à ESPN Brasil em 2013, mostram em detalhes do que se trata.
Em resumo: ultrapassada por outros países no futebol, a federação alemã passou a educar futuros jogadores e técnicos, em um trabalho espalhado pelo país, que conta com 366 centros de treinamento, campeonatos nacionais ao longo do ano para garotos dos 15 aos 21 anos, uma filosofia única em todas as categorias de base e na seleção principal. Os clubes são parte integral do projeto e atuam em parceria com a federação e escolas para formar as crianças. O objetivo final é jogar bem e cuidar do futebol, não ganhar títulos.
Brasil, Irreformável Futebol Clube
Diante da crise brasileira e do exemplo alemão, é fácil chegar aos focos do problema do futebol nacional. Eles estão em dois pontos: a Confederação Brasileira de Futebol e os clubes.
Se a CBF passasse a agir como a DFB (a federação alemã) poderia produzir uma mudança de cima para baixo, obrigando os clubes a seguir determinadas diretrizes. Se os clubes mudassem sua filosofia, poderiam trazer novas exigências à mesa e exercer uma mudança de baixo para cima.
Nada disso vai acontecer, e é fácil entender os motivos.
A CBF
O colégio eleitoral que escolhe o presidente da CBF tem apenas 47 votos, sendo 20 dos clubes da Série A e 27 das federações. Só. Jogadores, técnicos, árbitros, clubes amadores e das Séries B, C e D não têm direito a opinar. Na última eleição, em abril, Marco Polo Del Nero foi eleito com 44 votos, uma quase unanimidade explicada pelo fato de que tanto clubes quanto federações são obrigados a ser situacionistas diante do domínio exercido pelo complexo CBF-Globo no futebol brasileiro.
O esquema é fácil de entender. Por um lado, a CBF obtém os votos das federações ao conservar um calendário que permite aos dirigentes dessas entidades manter intacto seu poder paroquial dentro dos estados. Ajuda nesta missão a mesada repassada pela confederação. O nefasto resultado disso é um fortalecimento dos campeonatos estaduais que, como mostram os números, está matando o futebol brasileiro.
Os clubes da Série A, por sua vez, votam na situação no pleito da CBF pois são reféns da TV Globo. Após décadas de gestões catastróficas, os clubes acumulam enormes dívidas e, para sobreviver, dependem em grande parte do dinheiro das cotas de televisão. Seja com os pagamentos regulares ou com adiantamentos, como o recebido pelo São Paulo recentemente, a Globo mantém os clubes sob seu controle. Em troca, a emissora preserva os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro e seus privilégios com a seleção brasileira.
Nos preparativos para a Copa do Mundo, a atuação conjunta da Globo e da CBF ficou clara. Diante da possibilidade de o Clube dos 13 vender os direitos do Brasileirão para outras emissoras, a entidade que congregava os maiores clubes do país foi implodida. Alguns clubes se venderam pelo reconhecimento de títulos antigos, enquanto o Corinthians ganhou de presente o Itaquerão, substituto do Morumbi na Copa do Mundo. Não por coincidência, o São Paulo, dono do Morumbi, era um dos líderes da tentativa de vender os direitos do Campeonato Brasileiro para outras emissoras. A Globo também foi obrigada a colocar a mão no bolso: aumentou as cotas dos clubes e teve um “prejuízo” calculado em R$ 2 bilhões por ela própria.
Parece claro, então, que da CBF não partirá qualquer tipo de ato capaz de melhorar o futebol brasileiro. Seus dirigentes não estão lá para fazer do futebol um produto melhor, capaz de se inserir na sociedade com qualidade, como ocorre na Alemanha, mas para manter o status quo que beneficia exclusivamente uma emissora de tevê e os presidentes de federações. Nem mesmo uma intervenção estatal pode mudar o futebol, como expliquei neste texto.
Os clubes
A situação não é muito melhor entre os clubes. É verdade que muitos são reféns do complexo CBF-Globo, mas eles pouco fazem para mudar a situação atual.
Em geral, os clubes funcionam de forma parecida com a CBF. O interesse é no poder imediato do dirigente da vez, não em tornar o clube mais forte a longo prazo. O sinal mais óbvio disso é o tratamento dado aos torcedores comuns. Em vez de cultuar o sujeito que vai consumir seus produtos e perpetuar a paixão pelo clube, o dirigente brasileiro o pretere em detrimento dos torcedores organizados, em grande parte criminosos usados politicamente nas eleições dos clubes.
Não é surpresa, assim, que as categorias de base, de onde deveriam sair os atletas que um dia brilharão na seleção brasileira, tenham tratamento sofrível. Em vez de formar cidadãos e atletas, os clubes fazem, ou aceitam que se faça, de seus centros de treinamento um viveiro de revelações a serem vendidas o mais rápido possível para dirigentes e empresários realizarem rapidamente seus lucros. Não há preocupação em ensinar os preceitos técnicos, táticos, físicos e mentais do futebol.
O exemplo claro disso vem do Santos, que tem a categoria de base mais elogiada do futebol brasileiro hoje em dia. “Quando estive na base, aprendi os fundamentos do futebol, mas acabei fazendo coisas que eu não fazia no treino, ou aprendia de maneira errada, em casa. Aprendi com um cara que, vocês não conhecem como treinador, mas que foi um dos mais importantes da minha vida, até melhor que muitos treinadores. Aprendi mais com ele em casa do que com qualquer treinador. A gente acaba aprendendo de forma errada. Eu via meus companheiros fazendo de forma errada.” As frases são de Neymar, e assustam. Afinal, se o melhor jogador do futebol brasileiro na atualidade não aprendeu seus fundamentos nas categorias de base, o que espera os outros?
Há quem defenda, como Fernando Rodrigues, na Folha, que para mudar os clubes é necessário executar as dívidas e levá-los à falência. Essa solução, de cunho neoliberal, acabará por matar os clubes e, com eles, o futebol. A solução seria, então, um saneamento. O Flamengo agora faz campanha pela Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que tramita no Congresso. Combinada com a ameaça de punições para quem descumpri-la, a lei poderia provocar mudanças no esporte, mas é improvável que isso gere grandes repercussões na forma como os clubes são administrados. Cada um deles funciona como uma pequena ditadura, ou uma “democracia controlada”, em que só votam conselheiros. Sem democratização genuína e participação dos torcedores, nada vai mudar. E não há perspectiva para os clubes se democratizarem.
O jornalismo e os torcedores
Mais dois fatores, que se entrelaçam, explicam a impossibilidade de reformar o futebol brasileiro: o jornalismo esportivo e a expectativa do torcedor.
No caso do complexo CBF-Globo, o assunto é um verdadeiro tabu, graças ao domínio que as Organizações Globo exercem sobre o jornalismo esportivo brasileiro. Por óbvio, quem trabalha em veículos ligados à emissora não pode tratar deste assunto. Quem atua em outras empresas jornalísticas também se sente intimidado, uma vez que criticar um dos produtos mais rentáveis da emissora é fechar as portas para futuros trabalhos em qualquer veículo ligado à empresa. Noticiar os detalhes desta quase simbiose entre a confederação e a emissora, assim, se torna uma aventura.
No caso dos clubes, o problema também é grave. Quase não há cobertura a respeito da política esportiva, seja ela interna das agremiações ou das relações mantidas entre elas. Os torcedores, assim, ficam mal informados a respeito de como os dirigentes chegam a seus cargos e das (poucas) possibilidades que têm para participar e exigir transparência e democratização dos clubes.
Este problema, no entanto, é um caso semelhante à clássica dúvida a respeito da origem do ovo e da galinha: os torcedores não ficam sabendo porque os jornalistas não noticiam? Ou os jornalistas não noticiam porque os torcedores não querem saber?
Isso leva a uma reflexão sobre o foco do jornalismo esportivo nacional, iniciada na ESPN Brasil por Paulo Calçade. O jornalista aponta a pobreza intelectual que vigora no ambiente futebolístico brasileiro e lembra que ela chegou ao jornalismo, em parte por meio de alguns ex-jogadores alçados a comentaristas (mas também por jornalistas, acrescento eu), que rejeitam o conhecimento e perpetuam as “fórmulas mágicas” e “sebastianismos” citados no início deste texto. Durante a Copa, essa situação teve uma leve piora, com a entrada na cobertura de atrizes e jornalistas de outras áreas que pouco ou nada têm a contribuir para o debate.
Esse tipo de comentário não se popularizou à toa, no entanto. Ele dá audiência, seja em forma de cliques, vendas em banca ou pontos no Ibope, muito mais do que reflexões sobre como o futebol deve ser gerido ou sobre as eleições internas de um clube ou da CBF. Assim, parte do jornalismo esportivo parece sofrer de uma obsolescência tão intensa quanto a dos cartolas e treinadores brasileiros. Ocorre que muito disso se deve também às preferências do público.
Há que se considerar, também, que o comportamento dos dirigentes reflete diversos traços da sociedade. Como bem disse o amigo Thomas Visani, a incapacidade de se pensar no bem coletivo é um problema endêmico brasileiro. Da mesma forma, é a incapacidade de aprender com os outros, quanto mais copiar a altamente complexa revolução alemã do futebol. Por fim, o imediatismo dos cartolas reflete a cultura nacional na qual fica claro, como afirmou o Rodrigo Borges há cinco anos, que o brasileiro não gosta de esporte, mas de vencedores.
Um país é o que as pessoas fazem dele. O futebol, também. A humilhação diante da Alemanha escancarou o atraso tático e a deficiência técnica do futebol brasileiro. Elas são geradas por um sistema podre, protegido pelo status quo da CBF, das federações e dos clubes. Talvez, como afirmou o Victor Martins no Grande Prêmio, aqueles 90 minutos tenham sido uma metáfora da sociedade brasileira. Agora, seria necessário que os jornalistas, e a sociedade, estivessem prontos para discutir isso, exigir mudanças no futebol e privilegiar este debate “chato” em detrimento do noticiário sobre os resultados dos clubes e da seleção. Não há sinal de que isso vai ocorrer. No Mineirão, a humilhação só começou.
Dentro do campo do Mineirão, parece óbvio o que houve. O Brasil tomou um baile tático da Alemanha – explicado com detalhes por Eduardo Cecconi no Impedimento. Mas o vexame foi tão grande que suplantou a questão tática, e os 7 a 1 expuseram outras chagas do futebol brasileiro. Em primeiro lugar, ficou claro que o Brasil tem graves problemas na formação de técnicos – Felipão e Parreira parecem ultrapassados, assim como são todos os seus colegas, o que explica a falta de um nome óbvio para substituí-los. Em segundo lugar, há problemas na formação de jogadores – talvez 85% dos convocados seriam repetidos por muitos brasileiros, indicando a precariedade do material humano.
Quase sempre foi assim, mas a falta de organização foi superada ao longo do tempo pela grande quantidade de craques brasileiros. Sem eles, sobrou o que o Fabio Chiorino chamou de “sebastianismo”, o que o Douglas Ceconello, do Impedimento, chamou de “Complexo de Cachorro Grande”, e o que eu chamei de “fórmulas mágicas”: é a crença de que somos grandes e, na base da mística da amarelinha, vamos continuar ganhando do mesmo jeito.
A revolução do futebol na Alemanha
A catarse produzida pelo Mineiraço fez surgir como exemplo do caminho a seguir a revolução produzida no futebol alemão desde o início dos anos 2000. A ótima matéria de Renato Ribeiro, levada ao ar pela TV Globo em 8 de junho, exatamente um mês antes do massacre de Belo Horizonte, e os comentários de Paul Breitner, feitos em entrevista à ESPN Brasil em 2013, mostram em detalhes do que se trata.
Em resumo: ultrapassada por outros países no futebol, a federação alemã passou a educar futuros jogadores e técnicos, em um trabalho espalhado pelo país, que conta com 366 centros de treinamento, campeonatos nacionais ao longo do ano para garotos dos 15 aos 21 anos, uma filosofia única em todas as categorias de base e na seleção principal. Os clubes são parte integral do projeto e atuam em parceria com a federação e escolas para formar as crianças. O objetivo final é jogar bem e cuidar do futebol, não ganhar títulos.
Brasil, Irreformável Futebol Clube
Diante da crise brasileira e do exemplo alemão, é fácil chegar aos focos do problema do futebol nacional. Eles estão em dois pontos: a Confederação Brasileira de Futebol e os clubes.
Se a CBF passasse a agir como a DFB (a federação alemã) poderia produzir uma mudança de cima para baixo, obrigando os clubes a seguir determinadas diretrizes. Se os clubes mudassem sua filosofia, poderiam trazer novas exigências à mesa e exercer uma mudança de baixo para cima.
Nada disso vai acontecer, e é fácil entender os motivos.
A CBF
O colégio eleitoral que escolhe o presidente da CBF tem apenas 47 votos, sendo 20 dos clubes da Série A e 27 das federações. Só. Jogadores, técnicos, árbitros, clubes amadores e das Séries B, C e D não têm direito a opinar. Na última eleição, em abril, Marco Polo Del Nero foi eleito com 44 votos, uma quase unanimidade explicada pelo fato de que tanto clubes quanto federações são obrigados a ser situacionistas diante do domínio exercido pelo complexo CBF-Globo no futebol brasileiro.
O esquema é fácil de entender. Por um lado, a CBF obtém os votos das federações ao conservar um calendário que permite aos dirigentes dessas entidades manter intacto seu poder paroquial dentro dos estados. Ajuda nesta missão a mesada repassada pela confederação. O nefasto resultado disso é um fortalecimento dos campeonatos estaduais que, como mostram os números, está matando o futebol brasileiro.
Os clubes da Série A, por sua vez, votam na situação no pleito da CBF pois são reféns da TV Globo. Após décadas de gestões catastróficas, os clubes acumulam enormes dívidas e, para sobreviver, dependem em grande parte do dinheiro das cotas de televisão. Seja com os pagamentos regulares ou com adiantamentos, como o recebido pelo São Paulo recentemente, a Globo mantém os clubes sob seu controle. Em troca, a emissora preserva os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro e seus privilégios com a seleção brasileira.
Nos preparativos para a Copa do Mundo, a atuação conjunta da Globo e da CBF ficou clara. Diante da possibilidade de o Clube dos 13 vender os direitos do Brasileirão para outras emissoras, a entidade que congregava os maiores clubes do país foi implodida. Alguns clubes se venderam pelo reconhecimento de títulos antigos, enquanto o Corinthians ganhou de presente o Itaquerão, substituto do Morumbi na Copa do Mundo. Não por coincidência, o São Paulo, dono do Morumbi, era um dos líderes da tentativa de vender os direitos do Campeonato Brasileiro para outras emissoras. A Globo também foi obrigada a colocar a mão no bolso: aumentou as cotas dos clubes e teve um “prejuízo” calculado em R$ 2 bilhões por ela própria.
Parece claro, então, que da CBF não partirá qualquer tipo de ato capaz de melhorar o futebol brasileiro. Seus dirigentes não estão lá para fazer do futebol um produto melhor, capaz de se inserir na sociedade com qualidade, como ocorre na Alemanha, mas para manter o status quo que beneficia exclusivamente uma emissora de tevê e os presidentes de federações. Nem mesmo uma intervenção estatal pode mudar o futebol, como expliquei neste texto.
Os clubes
A situação não é muito melhor entre os clubes. É verdade que muitos são reféns do complexo CBF-Globo, mas eles pouco fazem para mudar a situação atual.
Em geral, os clubes funcionam de forma parecida com a CBF. O interesse é no poder imediato do dirigente da vez, não em tornar o clube mais forte a longo prazo. O sinal mais óbvio disso é o tratamento dado aos torcedores comuns. Em vez de cultuar o sujeito que vai consumir seus produtos e perpetuar a paixão pelo clube, o dirigente brasileiro o pretere em detrimento dos torcedores organizados, em grande parte criminosos usados politicamente nas eleições dos clubes.
Não é surpresa, assim, que as categorias de base, de onde deveriam sair os atletas que um dia brilharão na seleção brasileira, tenham tratamento sofrível. Em vez de formar cidadãos e atletas, os clubes fazem, ou aceitam que se faça, de seus centros de treinamento um viveiro de revelações a serem vendidas o mais rápido possível para dirigentes e empresários realizarem rapidamente seus lucros. Não há preocupação em ensinar os preceitos técnicos, táticos, físicos e mentais do futebol.
O exemplo claro disso vem do Santos, que tem a categoria de base mais elogiada do futebol brasileiro hoje em dia. “Quando estive na base, aprendi os fundamentos do futebol, mas acabei fazendo coisas que eu não fazia no treino, ou aprendia de maneira errada, em casa. Aprendi com um cara que, vocês não conhecem como treinador, mas que foi um dos mais importantes da minha vida, até melhor que muitos treinadores. Aprendi mais com ele em casa do que com qualquer treinador. A gente acaba aprendendo de forma errada. Eu via meus companheiros fazendo de forma errada.” As frases são de Neymar, e assustam. Afinal, se o melhor jogador do futebol brasileiro na atualidade não aprendeu seus fundamentos nas categorias de base, o que espera os outros?
Há quem defenda, como Fernando Rodrigues, na Folha, que para mudar os clubes é necessário executar as dívidas e levá-los à falência. Essa solução, de cunho neoliberal, acabará por matar os clubes e, com eles, o futebol. A solução seria, então, um saneamento. O Flamengo agora faz campanha pela Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que tramita no Congresso. Combinada com a ameaça de punições para quem descumpri-la, a lei poderia provocar mudanças no esporte, mas é improvável que isso gere grandes repercussões na forma como os clubes são administrados. Cada um deles funciona como uma pequena ditadura, ou uma “democracia controlada”, em que só votam conselheiros. Sem democratização genuína e participação dos torcedores, nada vai mudar. E não há perspectiva para os clubes se democratizarem.
O jornalismo e os torcedores
Mais dois fatores, que se entrelaçam, explicam a impossibilidade de reformar o futebol brasileiro: o jornalismo esportivo e a expectativa do torcedor.
No caso do complexo CBF-Globo, o assunto é um verdadeiro tabu, graças ao domínio que as Organizações Globo exercem sobre o jornalismo esportivo brasileiro. Por óbvio, quem trabalha em veículos ligados à emissora não pode tratar deste assunto. Quem atua em outras empresas jornalísticas também se sente intimidado, uma vez que criticar um dos produtos mais rentáveis da emissora é fechar as portas para futuros trabalhos em qualquer veículo ligado à empresa. Noticiar os detalhes desta quase simbiose entre a confederação e a emissora, assim, se torna uma aventura.
No caso dos clubes, o problema também é grave. Quase não há cobertura a respeito da política esportiva, seja ela interna das agremiações ou das relações mantidas entre elas. Os torcedores, assim, ficam mal informados a respeito de como os dirigentes chegam a seus cargos e das (poucas) possibilidades que têm para participar e exigir transparência e democratização dos clubes.
Este problema, no entanto, é um caso semelhante à clássica dúvida a respeito da origem do ovo e da galinha: os torcedores não ficam sabendo porque os jornalistas não noticiam? Ou os jornalistas não noticiam porque os torcedores não querem saber?
Isso leva a uma reflexão sobre o foco do jornalismo esportivo nacional, iniciada na ESPN Brasil por Paulo Calçade. O jornalista aponta a pobreza intelectual que vigora no ambiente futebolístico brasileiro e lembra que ela chegou ao jornalismo, em parte por meio de alguns ex-jogadores alçados a comentaristas (mas também por jornalistas, acrescento eu), que rejeitam o conhecimento e perpetuam as “fórmulas mágicas” e “sebastianismos” citados no início deste texto. Durante a Copa, essa situação teve uma leve piora, com a entrada na cobertura de atrizes e jornalistas de outras áreas que pouco ou nada têm a contribuir para o debate.
Esse tipo de comentário não se popularizou à toa, no entanto. Ele dá audiência, seja em forma de cliques, vendas em banca ou pontos no Ibope, muito mais do que reflexões sobre como o futebol deve ser gerido ou sobre as eleições internas de um clube ou da CBF. Assim, parte do jornalismo esportivo parece sofrer de uma obsolescência tão intensa quanto a dos cartolas e treinadores brasileiros. Ocorre que muito disso se deve também às preferências do público.
Há que se considerar, também, que o comportamento dos dirigentes reflete diversos traços da sociedade. Como bem disse o amigo Thomas Visani, a incapacidade de se pensar no bem coletivo é um problema endêmico brasileiro. Da mesma forma, é a incapacidade de aprender com os outros, quanto mais copiar a altamente complexa revolução alemã do futebol. Por fim, o imediatismo dos cartolas reflete a cultura nacional na qual fica claro, como afirmou o Rodrigo Borges há cinco anos, que o brasileiro não gosta de esporte, mas de vencedores.
Um país é o que as pessoas fazem dele. O futebol, também. A humilhação diante da Alemanha escancarou o atraso tático e a deficiência técnica do futebol brasileiro. Elas são geradas por um sistema podre, protegido pelo status quo da CBF, das federações e dos clubes. Talvez, como afirmou o Victor Martins no Grande Prêmio, aqueles 90 minutos tenham sido uma metáfora da sociedade brasileira. Agora, seria necessário que os jornalistas, e a sociedade, estivessem prontos para discutir isso, exigir mudanças no futebol e privilegiar este debate “chato” em detrimento do noticiário sobre os resultados dos clubes e da seleção. Não há sinal de que isso vai ocorrer. No Mineirão, a humilhação só começou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário