10.09.2014

O que voce não pode dizer para os sogros


Olho de sogra

Ricardo Chapola

Aquele que tudo vê


Tem coisa que não se diz para os sogros. Tipo: eu não disse que quero ser escritor. Disse ser jornalista, o que na prática não muda muita coisa. A vida vai ser foda do mesmo jeito. Mas isso eu também não contei a eles.
Também não falei “foda”. Evito palavrões ao máximo que posso, apesar de isso ser o mais foda, para um boca suja de primeira como eu. Não é omissão de identidade, é identidade seletiva. Falar aquilo que você acha que vão achar que é o melhor de você. É uma aposta, um tiro no escuro.”Muito prazer, seu Antonio! Muito prazer, dona Aurora! Sou Ricardo. Sou jornalista” – e seja o que Deus quiser.

Pelo visto funcionou: ano que vem a gente casa, união aprovada por unanimidade. “Aeee, porra!” – foi o que pensei.”Que maravilha!” – foi no que consegui transformar minha expressão gozada de contentamento na frente do sogrão e da sogrona.
O problema é que deveria funcionar sempre, ou pelo menos até o “eu vos declaro marido e mulher”. Sem dar margens a arrependimentos, ou pior: despertar a desconfiança dos pais da Patrícia. “Esse rapaz tá com cara de escritor. Vigarista!!!”. Há momentos que a filtragem falha e aí, quando você menos imagina, sua identidade está de pernas abertas, arreganhada para o mundo, expondo o seu pior às pessoas menos recomendáveis.
Foi na semana passada, quando fomos assistir a um jogo de futebol no Pacaembu, que minha reputação foi por água abaixo. Se há um conselho bom a ser dado é: não leve os sogros a um estádio, principalmente se você, como eu, é do tipo genro Kinder Ovo, com a surpresinha dentro. O desgosto pela descoberta virá no primeiro impedimento a favor do seu time: “Hey, juiz, vai tomar no c…”. O que não parou por aí. Para se ter uma ideia, não sabia mais do que xingar o centroavante depois que ele perdeu um gol feito, no finzinho do primeiro tempo. Acho que seu Antonio e dona Aurora já nem se importavam mais com a minha profissão naquela altura do jogo.
Essa é a hora em que a vida poderia ser um filminho, com opção de rebobinar. Juro que, se desse, refletindo sobre tudo isso, o juiz poderia voltar a tomar no copo, a mãe do bandeirinha deixaria de ser puta e o centroavante não precisaria introduzir a bola em lugar nenhum.
Se fosse possível voltar a fita, voltaria para a parte da apresentação:
“Olá, seu Antonio, dona Aurora, muito prazer: sou Ricardo. Jornalista, escritor, boca suja. Não sei o que há de bom nisso tudo. O que eu sei é que eu amo a sua filha pra caralho. Tudo bem?”.
Sujo, mas sincero.

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