Novo antibiótico descoberto numa bactéria “impossível” de cultivar
Como possui um modo de ação diferente, o novo composto poderá não
vir a criar resistência por parte de perigosas bactérias contra as
quais os antibióticos convencionais deixaram de funcionar.
Uma equipa internacional descobriu um
composto com propriedades antibióticas que se revelou, ao que tudo
indica, capaz de matar uma série de bactérias causadoras de doenças
humanas resistentes aos antibióticos disponíveis. Os seus resultados são
publicados na revista Nature com data de quinta-feira.
“A resistência aos antibióticos está a
espalhar-se mais depressa do que a introdução de novos compostos na
prática clínica, causando uma crise de saúde pública”, escrevem no seu artigo
Losee Ling, da empresa NovoBiotic Pharmaceuticals (EUA), Tanja
Schneider, da Universidade de Bona (Alemanha), Kim Lewis, da
Universidade Northwestern (EUA) e o seus colegas.
Recorde-se que,
em Abril do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou
para este problema no seu primeiro relatório global sobre resistência
antimicrobiana. “O mundo está a caminhar para uma era pós-antibióticos,
em que as infecções comuns e os pequenos ferimentos, tratáveis há
décadas, podem voltar a matar”, disse na altura Keiji Fukuda,
responsável da OMS.Para descobrir o novo potencial antibiótico, baptizado teixobactina (em grego, “teixos” significa "parede"), os cientistas procuraram, no solo, bactérias que lá vivem mas que, por serem muito difíceis de cultivar no laboratório, nunca tinham sido isoladas até aqui.
“A maioria dos antibióticos [atuais] foram produzidos a partir de microrganismos presentes no solo, mas esta fonte limitada de bactérias cultiváveis esgotou-se nos anos 1960”, escrevem ainda os cientistas. “E as abordagens sintéticas à produção de antibióticos têm-se revelado incapazes de substituir essa plataforma." Ora, as bactérias do solo que ainda não foram cultivadas “representam cerca de 99% das espécies dos habitats externos”.
Para conseguir isolar estas espécies “incultiváveis”, a equipa teve de encontrar maneiras de as fazer crescer, desenvolvendo métodos de cultura no próprio ambiente natural da bactéria ou aplicando factores de crescimento específicos no laboratório.
Foi assim possível isolar 10.000 estirpes bacterianas em quantidades suficientes para obter extratos ricos nos compostos que essas bactérias produziam. E quando os cientistas testaram a capacidade desses inúmeros extratos para inibir o crescimento de estafilococos dourados – incluindo algumas estirpes resistentes a vários antibióticos atuais –, observaram que um deles possuía uma atividade promissora contra aquela bactéria patogénica, fonte de graves infecções hospitalares. Tinham encontrado a teixobactina, produzida por uma bactéria a que deram o nome científico de Elephtheria terrae.
A equipa mostrou também que ratinhos infectados com estafilococo dourado ou com estreptococos causadores de pneumonias viam a sua infecção reduzida sem aparentes efeitos tóxicos.
Mas talvez o resultado mais encorajador do estudo seja o facto de os cientistas não terem conseguido gerar mutantes de estafilococo dourado – nem do bacilo da tuberculose – resistentes à teixobactina. Isto é explicável, sugerem, pelo modo de ação antimicrobiana do composto.
Acontece que os antibióticos costumam ter por alvo determinadas proteínas das bactérias infecciosas. Ora, como o fabrico dessas proteínas é comandado pelos próprios genes das bactérias, o aparecimento de mutações genéticas pode torná-las rapidamente resistentes a esses antibióticos.
Pelo contrário, a teixobactina não se liga a qualquer proteína: atua destruindo a parede celular do estafilococo e de outras bactérias ao ligar-se a substâncias precursoras de dois lípidos (gorduras) da parede celular, cujo fabrico não é comandado pelos genes das bactérias, mas feito por elas a partir de substâncias orgânicas já disponíveis. A parede celular é uma estrutura rígida e flexível que envolve certos tipos de células, tais como bactérias, fungos ou plantas (mas não as células animais).
Ainda em abono desta hipótese, explica por seu lado Gerard Wright, bioquímico da Universidade McMaster (Canadá), num comentário na mesma edição da Nature, o desenvolvimento de resistência contra a vancomicina – um antibiótico de última linha que também tem como alvo lípidos da parede celular – demorou quase quatro décadas a emergir no uso clínico. Talvez a ausência de resistência não seja definitiva, mas segundo este especialista, até poderá ser mais duradoura no caso da teixobactina, devido a especificidades do micróbio que a produz.
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