7.04.2010

'A cocaína quase me matou

Milhem Cortaz, o capitão Fábio de ‘Tropa de Elite’, subiu de patente. Em ‘Tropa 2’, que estreia nos cinemas dia 8 de outubro, ele é coronel. Como o ator define o personagem? “É o meu Macunaíma, um herói politicamente incorreto. Não o vejo como corrupto ou grande vilão. É um brasileiro, que luta para conseguir se sustentar e sustentar a família”, defende.


Milhem Cortaz sobe de patente: de capitão passa a coronel em ‘Tropa de Elite 2’ | Foto: divulgação
Aos 37 anos, trabalhos no teatro, TV e cinema, Milhem ama a profissão: “Nasci pra isso. Sempre digo: podem gostar ou não do meu trabalho, mas dizer que não sou ator, não dá. É a única coisa que sei fazer. E bem”.

Contratado da Record até 2011, o ator está escalado para a minissérie ‘Sansão e Dalila’, mas ainda não sabe qual será o personagem. Casado com a também atriz Ziza Brizola, com que teve Helena, agora com quase 2 anos, garante que não é ciumento: “Nem eu nem ela. Por isso, estamos juntos há 11 anos”.

CAPITÃO FÁBIO: “Graças a Deus, continua aquele cara bacana, gente boa pra chuchu (risos), e conseguiu o que queria: virou coronel, assume um dos batalhões do Rio, mas tem envolvimento com a milícia. Seu grande dilema: lidar com esse impasse, de a milícia chegar em sua vida no momento em que está satisfeito. Enquanto não mexem com o caráter dele, a dignidade, tudo bem”.

‘TROPA 2’: "Estou felizão. É uma experiência única fazer a segunda parte de um filme e uma dificuldade muito grande. É mais difícil do que fazer um filme normal, porque eu tinha muitas coisas a dizer há três anos, agora tenho que achar outras sobre o mesmo assunto e, com o domínio e as informações que você já tem — do que deu certo ou errado — é mais difícil . Foi um trabalho árduo com a Fátima Toledo (preparadora de elenco). Ela fez a gente esquecer o que tinha feito no primeiro filme.”

COBRANÇAS NA TRAMA: Dessa vez, Fábio assume algumas cagadas. Como é o representante dentro da Polícia Militar, como é o corrupto, tudo que dá errado sobra pra ele. Hoje é mais um comandante do que um operacional. Não sobe mais favela, a ligação dele é com a alta cúpula da polícia, que é o Comando Geral e a Secretaria de Segurança.”

POLICIAIS COMO FÁBIO: “Existem milhares. Sinceramente, Fábio não é o corrupto da história. Não atira em ninguém, não pega dinheiro do tráfico. Faz bicos. Hoje você vai a boates da Zona Sul, o cara que está na porta é policial civil. Isso é proibido. Mas, dentro do ambiente onde vive, está tudo bem. O policial militar do Rio é o que pior ganha no Brasil. Quem sobrevive com tão pouco?”

ACREDITA NA POLÍCIA: “Se não acreditar, vou fazer o quê? Minha fé aumentou porque vi tanta cagada. É assustador. A PM do Rio, que é mais ou menos um retrato do Brasil, é um esculacho. O que mais me impressionou foi a falta de respeito com eles próprios. Quando você perde o respeito no que acredita, não tem jeito. O Fábio acreditava na polícia. Saiu do morro, virou militar, passou a ser respeitado. De certa forma é um status. Ele chegou a coronel e ganha R$ 7 mil. Imagina passar 40 anos trabalhando lá e ganhando R$7 mil! Um lixo, né? Mas em vez de fazer reunião nos refeitórios, faz no gabinete do comandante e os amigos são deputados e senadores. Ele acredita nisso, mas não leva a sério porque não tem jeito”.

SITUAÇÃO DIFÍCIL COM A POLÍCIA: “Passei algumas quando menino de bairro. Um ‘baseadinho’ (cigarro de maconha), dirigir sem carteira... Aquelas duras de moleque, de levar para a delegacia, passar a noite, chamarem o pai”.

LEGALIZAÇÃO DA MACONHA: “Sou a favor. É tema delicado, uma faca de dois gumes. Mas vou pelo raciocínio simples. Não sei de ninguém que fumou ‘um’ e que atropelou alguém. Geralmente a bebida causa acidentes. Graças a Deus, não sou eu que vou ter que decidir isso. Mas se o assunto for para o Congresso, me aprofundo e dou minha opinião”.

EXPERIMENTOU DROGAS: “Todas. Quando era adolescente, a maconha não me afetou em nada, mas a cocaína quase me matou. Fui viciado e em uma fase bem crítica, dos 12 aos 17 anos. Tinha muita criatividade na infância e não sabia onde colocar, o que acabou me levando a um caminho estranho. Graças a Deus, foi esse período e nunca mais. Essa é uma droga que deveria matar todo mundo que usa e todo mundo que fornece e fabrica. É horroroso! Zera o caráter da pessoa. Não pode ser legal.”

COMUNIDADE X MILÍCIA: “Fomos impedidos durante os ensaios de ir a comunidades que tivessem milícia. Fátima (Toledo) achou que não era legal. Mas a gente conviveu com pessoas da milícia. É uma distorção de poder. Se a milícia fosse com intuito do que estava querendo fazer, o resultado seria magnífico — as pessoas brincam, saem à noite — mas tem a ditadura envolvida, tudo se cobra, tudo é proibido, tem que andar na linha. E fica um domínio ‘legal’. Para que vai servir a polícia daqui a pouco?”

PERRENGUES: “Fábio agora tem poder. As pessoas não podem mais fazer com ele o que faziam. Antigamente os perrengues eram consequência. Hoje é quase a chave do jogo inteiro, que todo mundo manipula, mas joga a favor dele. Depois que virou coronel, virou ‘bon vivant’. Tem uma frase dele no filme: “Não me traga problemas, me traga soluções”.

EMOÇÕES: “No primeiro dia de filmagem com a farda, com as pessoas que passaram o perrengue dos ensaios e ao ver meu personagem acontecer de novo, as palavras nascerem da minha boca, sem eu pensar. Como a arte é gratificante! Como o glamour da minha profissão é mentiroso. A gente é meio pedreiro das palavras. Quem gosta e leva a sério o que faz, não está aqui a passeio, não quer ser famoso, rala muito. No caso do ator envolve emoção, então se ferra mais, porque entrega a alma todo dia”.

SOLIDÃO: “Artisticamente eu me senti só. Não me envolvi com ninguém. Emocionalmente foi duro”.

BORDÃO NO FILME: “Ele faz biquinho de quem pede um beijo, bate com o indicador e o dedo do lado na boca e fala: “Quer me f... me beija”.

ARREPENDIMENTO: “A gente se arrepende naqueles momentos da dificuldade. Já passei fome, de ficar na m... Mas nunca pensei verdadeiramente: ‘Puxa, podia ser advogado’”.

POR REGINA RITO

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