Escolha dos anti-hipertensivos na hipertensão arterial: meta-análise
Uso de medicações para controle da pressão arterial na prevenção de doença cardiovascular: Meta-análise de 147 estudos randomizados no contexto de expectativas advindas de estudos epidemiológicos.
Use of blood pressure lowering drugs in the prevention of cardiovascular disease: Meta-analysis of 147 randomised trials in the context of expectations from prospective epidemiological studies. BMJ 2009 May 19; 338:b1665. [Link Livre para o Artigo Original]
Fator de impacto da revista (British Medical Journal): 9,723
Contexto clínico
Há atualmente diversas opções de tratamento anti-hipertensivo, sendo as opções consideradas de primeira linha os seguintes grupos de drogas2:
· Diuréticos tiazídicos (p. ex., hidroclorotiazida, clortalidona)
· Beta-bloqueadores (p. ex., propanolol, atenolol)
· Inibidores de enzima conversora de angiotensina – IECA (p.ex., captopril, enalapril)
· Bloqueadores dos receptores de angiotensina II – BRA (p. ex., losartana, ibesartana)
· Bloqueadores de canal de cálcio diidropiridínicos de longa duração (p. ex., anlodipina, nifedipina)
O JNC 72, que é o principal consenso internacional com recomendações para o tratamento da hipertensão, recomenda atualmente os diuréticos tiazídicos como as drogas de 1ª escolha para pacientes que não têm indicações de outras drogas por outro motivo (tabela 1). Esta recomendação se baseia, dentre outros estudos, no estudo ALLHAT3, um grande ensaio clínico randomizado envolvendo mais de 40.000 pacientes que demonstrou que a clortalidona foi tão eficaz quanto anti-hipertensivos mais modernos (lisinopril e anlodipina) na redução da mortalidade e infarto agudo do miocárdio, porém se associou a uma diminuição mais significativa nos eventos cardiovasculares e insuficiência cardíaca.
Tabela 1: exemplos de indicações específicas de algumas drogas no tratamento da hipertensão arterial
Condição clínica associada à hipertensão arterial | Drogas que passam a ser a primeira escolha |
Insuficiência cardíaca | · Inibidor de ECA e, na intolerância a estes, BRAs · Beta-bloqueadores (carvedilol, metoprolol e bisoprolol) |
Enxaqueca, tremor essencial, hipertireoidismo, histórico de infarto agudo do miocárdio ou angina pectoris | · Betabloqueadores |
Controle de freqüência cardíaca em fibrilação ou flutter atrial | · Betabloqueadores ou bloqueadores de canal de cálcio não dihidropiridínicos (verapamil ou diltiazem) |
Fenômeno de Raynaud | · Bloqueadores de canal de cálcio |
Síndrome nefrótica | · Inibidores de ECA ou BRAs |
Destacamos abaixo três outros aspectos que vem sendo comentados na literatura internacional após a publicação do JNC 7 em 2003:
· Não parece haver um efeito protetor específico de nenhum grupo de drogas indicadas para o tratamento da hipertensão arterial4. Os estudos sugerem que o controle pressórico e não a droga utilizada é responsável pela diminuição da mortalidade e eventos cardiovasculares. Pequenas diferenças nos desfechos observadas em alguns estudos (talvez incluindo o próprio estudo ALLHAT) provavelmente ocorreram devido a um melhor controle pressórico com as drogas que mostraram benefícios.
· A clortalidona vem sendo favorecida em relação à hidroclorotiazida, pois é mais potente na redução da pressão arterial, tem a meia vida mais longa e foi a droga utilizada na maioria dos estudos onde foi demonstrada diminuição de eventos cardiovasculares com diuréticos tiazídicos (incluindo o ALLHAT).
· Alguns especialistas têm sugerido que os beta-bloqueadores não devem ser utilizados como terapia de primeira escolha na ausência de indicações específicas para o seu uso (tabela 1). Em alguns estudos estas drogas se associaram a menos benefícios do que outras classes de drogas, o que foi particularmente relevante em pacientes acima de 60 anos5.
O Estudo
Meta-análise de 147 ensaios clínicos randomizados de anti-hipertensivos e sua associação com diminuição de mortalidade, eventos cardiovasculares e acidente vascular cerebral. Cento e oito (108) estudos avaliaram diferenças na pressão arterial (blood pressure difference trials) e 46 compararam drogas (drug comparison trials), totalizando 464.000 participantes, divididos em três categorias mutuamente excludentes: participantes sem história de doença vascular, participantes com história de doença coronariana e participantes com história de acidente vascular cerebral.
Os resultados obtidos na presente meta-análise foram avaliados e interpretados no contexto dos dados da maior meta-análise de estudos de coorte já realizada, que incluiu um total de 958.000 pessoas6, particularmente os resultados dos estudos em que o desfecho era apenas a diferença na pressão arterial obtida com a intervenção terapêutica. Na meta-análise de estudos observacionais, verificou-se que quanto mais baixa a pressão arterial menor a mortalidade e eventos cardiovasculares, sem evidências de que exista um ponto de corte a partir do qual não haveria benefícios em pressões mais baixas pelo menos até níveis pressóricos ao redor de 115/75 mmHg.
Resultados e conclusões dos autores
Resultados da meta-análise
A meta-análise dos 147 ensaios clínicos randomizados chegou aos seguintes resultados:
· Em pacientes com histórico de IAM os betabloqueadores levam a uma diminuição de 29% na recorrência de eventos (IC 95% 22% a 34%), que é mais significativa do que a redução observada com outras drogas, que é ao redor de 15% (IC 95% 11% a 19%). O efeito benéfico adicional se limitou a poucos anos após o evento isquêmico.
· Todas as 5 classes de drogas (tiazídicos, beta-bloqueadores, IECA, BRA e bloqueadores de canal de cálcio) diminuíram de forma similar os eventos cardiovasculares. Os bloqueadores de canal de cálcio foram ligeiramente mais efetivos que as outras drogas na prevenção de AVC, embora todas as drogas tenham sido eficazes.
· “As considerações indicando os beta-bloqueadores como sendo drogas inferiores para o tratamento da hipertensão arterial se basearam em um número menor de estudos do que os considerados aqui; na presente análise apresentaram efeito cardiovascular protetor semelhante ao de outras drogas e um maior efeito protetor após IAM (pelo menos no curto prazo), dando suporte a algumas diretrizes que não desencorajam o seu uso6. Dadas as evidências disponíveis, não há razão para supor que os betabloqueadores em geral ou o atenolol em particular sejam menos efetivos.”
· Para uma redução na pressão sistólica de 10 mmHg ou diastólica de 5 mmHg houve uma redução de 22% (IC 95% 17% - 27%) nos eventos cardiovasculares e de 41% (IC 95% - 33% a 48%) na redução de AVC, além de reduzir a incidência de insuficiência cardíaca em cerca de um quarto.
· A redução percentual de eventos cardiovasculares e AVC foi semelhante em pessoas com e sem doença vascular estabelecida e ocorreu independentemente da pressão arterial antes do tratamento (o que se observou até pressões ao redor de 110 x 70 mmHg). Ou seja, houve benefício independentemente do risco do paciente.
Conclusões e propostas dos autores
Os autores extrapolaram os achados obtidos na metanálise para os achados de outros estudos, realizando algumas associações e conclusões interessantíssimas. As estratégias propostas pelos autores baseadas nestas conclusões são bastante ousadas, e precisam ser confirmadas apropriadamente com ensaios clínicos randomizados antes de serem adotadas na prática clínica.
· A redução na incidência de eventos cardiovasculares e AVC observada na meta-análise com reduções de 10 mmHg na pressão sistólica ou de 5 mmHg na pressão diastólica foi similar as reduções de 25% (eventos cardiovasculares) e 36% (AVC) observadas com as mesmas diferenças pressóricas na meta-análise dos estudos de coorte, indicando que o benefício é explicado pela redução na pressão arterial per se e não devido ao efeito específico de alguma das drogas.
· Combinando os resultados obtidos nesta meta-análise com a meta-análise dos estudos de coorte e com os estudos determinando os efeitos pressóricos das diferentes drogas de acordo com a dose, é estimado que se uma pessoa de 60 a 69 anos com pressão diastólica antes do tratamento de 90 mmHg passasse a utilizar uma combinação de 3 drogas na metade da dose habitual haveria uma redução nos eventos cardiovasculares em 46% e na incidência de AVC em 62%; uma droga isoladamente na dose padrão levaria a metade deste efeito.
· Visto que a redução proporcional nos eventos cardiovasculares foi a mesma independentemente da pressão arterial pré-tratamento ou da presença de doença cardiovascular pré-existente, “as diretrizes para o uso de medicações para redução da pressão arterial podem ser simplificadas de forma que os anti-hipertensivos devem ser oferecidos para pessoas com todos os níveis pressóricos. Os resultados indicam a importância de diminuir a pressão arterial de todas as pessoas após uma certa idade, ao invés de medir a pressão em todas as pessoas e tratar apenas algumas.”
· Os autores sugerem que o tratamento da pressão não deve ser individualizado, e sugerem terapia com combinação de 3 anti-hipertensivos em baixas doses para todas as pessoas acima de uma determinada idade (os autores não especificam que idade seria esta), de forma a maximizar os efeitos anti-hipertensivos com menos efeitos colaterais.
· “Demonstrar o valor de reduzir a pressão arterial em todas as pessoas em uma dada população pode ser visto como uma “medicalização” da população. Nós discordamos desta visão. Identificar pessoas com pressão relativamente alta para a idade e diagnosticá-las como “hipertensas”, e tratar esta “doença” com certeza medicaliza os indivíduos envolvidos. Já oferecer tratamento para reduzir a pressão arterial para todas as pessoas acima de uma determinada idade de forma a prevenir AVC ou IAM com efeitos adversos mínimos, na nossa visão, não medicaliza a população. Uma visão como esta significaria que as pessoas em uso de anticoncepcionais, antimaláricos e vacinas são medicalizadas, o que poucos achariam ser o caso”
Aplicações para a Prática Clínica
· O estudo reforça o conceito de que para diminuir o risco cardiovascular dos pacientes hipertensos o importante é diminuir a pressão arterial, não havendo diferença significativa nos resultados com as 5 classes de anti-hipertensivos. De acordo com os achados, aparentemente, quanto menor for o valor atingido menor será o risco cardiovascular subseqüente. É necessário cautela ao se almejar metas mais baixas de pressão arterial, principalmente nos idosos, e a redução pressórica deve ser lenta para evitar sintomas.
· O estudo, de certa forma, “resgata” o uso dos betabloqueadores como parte do grupo de drogas de primeira escolha, embora isso provavelmente irá continuar como objeto de debate. Em pacientes com histórico recente de evento coronariano é o antihipertensivo de escolha, e a meta-análise reforça este conceito.
· Já em relação a proposta dos autores de se simplificar as diretrizes, tratando todas as pessoas a partir de uma certa idade, independentemente da pressão arterial ou do risco cardiovascular – dado que todos se beneficiam – ainda precisa de confirmação com estudos adicionais, preferencialmente ensaios clínicos randomizados que testem esta estratégia diretamente.
· É importante ressaltar que dois dos três autores da meta-análise têm patentes na formulação da pílula combinada, que eles próprios sugerem que devem ser prescritas para todas as pessoas a partir de certa idade.
· A questão da medicalização deve ser avaliada com cautela, pois existem evidências de outras estratégias populacionais para redução dos níveis pressóricos de toda a população que não levam em conta a prescrição de medicamentos para toda a população, como intervenções para redução do conteúdo de sal nos alimentos industrializados, estímulo e facilitação de atividade física, dieta tipo DASH, moderação no consumo de álcool, etc. Assim, parece-nos apropriado avaliar a questão da pílula combinada de forma mais crítica.
· A meta-análise traz informações importantes para a prática clínica do dia-a-dia, mas peca na defesa da pílula combinada, embora a idéia da associação de baixas doses de dois ou mais anti-hipertensivos numa mesma pílula seja atraente como forma de reduzir efeitos colaterais e melhorar a aderência, melhorando o controle pressórico.
Bibliografia
1. Law MR et al. Use of blood pressure lowering drugs in the prevention of cardiovascular disease: Meta-analysis of 147 randomised trials in the context of expectations from prospective epidemiological studies. BMJ 2009 May 19; 338:b1665. [Link Livre para o Artigo Original]
2. Chobanian, AV, Bakris, GL, Black, HR, Cushman, WC. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: The JNC 7 Report. JAMA 2003; 289:2560. [Link Livre para o Artigo Original]
3. Major outcomes in high-risk hypertensive patients randomized to angiotensin-converting enzyme inhibitor or calcium channel blocker vs diuretic: The Antihypertensive and Lipid-Lowering Treatment to Prevent Heart Attack Trial (ALLHAT). JAMA 2002; 288:2981. [Link Livre para o Artigo Original]
4. Turnbull, F, Neal, B, Ninomiya, T, et al. Effects of different regimens to lower blood pressure on major cardiovascular events in older and younger adults: meta-analysis of randomised trials. BMJ 2008; 36:1121.
5. Khan, N, McAlister, FA. Re-examining the efficacy ofbeta-blockers for the treatment of hypertension: a meta-analysis. CMAJ 2006; 174:1737.
6. Prospective Studies Collaboration. Age-specific relevance of usual blood pressure to vascular mortality: a meta-analysis of individual data for one million adults in 61 prospective studies. Lancet 2002;360:1903-13.
7. Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). 2007 guidelines for the management of arterial hypertension. J Hypertens 2007;25:1105-87.Autores:
Euclides F. de A. CavalcantiMédico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Rodrigo Díaz Olmos
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.
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