Estilo neocon, política e negócios
O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja.Gradativamente,
o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem
compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores
contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras
comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e
colunas do mais puro esgoto jornalístico.
Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.
O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.
O
segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política
brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos
banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última
década..
A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.
O estilo neocon
De
um lado há fenômenos gerais que modificaram profundamente a imprensa
mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons”
americanos, foi adotada por parte da imprensa brasileira como se fosse a
última moda.
Durante todos os anos 90, Veja
havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a
defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte.
Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à
revista radicalizar seu próprio estilo.
Um
segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda
antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula,
fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos
petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de
classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo
estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo
Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.
O jornalismo e os negócios
Outro
fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 -- foi o da terceirização
das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas
empresariais e jurídicas.
A
marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a
reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês
preparados por lobistas.
Ao
longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade
perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que
afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a
cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres
policiais: os chamados repórteres de dossiês.
Consistia no seguinte:
O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.
O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia ganhava status profissional.
Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.
O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).
Durante
muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a
Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda
com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na
própria Veja em 24 de janeiro de 2001 (clique aqui)
em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de
tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e
o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.
Na
edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os
episódios mencionados. Foram publicadas sem que fossem contestadas.
O
que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o
nome de uma editora da revista - a mesma que publicara as maiores
denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do
Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo
Leopoldo.
A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.Antes disso, em 27 de junho de 2001(clique aqui) Veja publicou uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos “grampeados” era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar de não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.
Graças
ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio
profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos
depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a
ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente
jornalísticos.
Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário. O boxe refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas.
Próximo capítulo: "A mudança de comando"
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