Programas de reabilitação para
sobreviventes da doença se espalham pelo mundo. Eles previnem efeitos
tardios do tratamento e melhoram a qualidade de vida dessas pessoas
Mônica Tarantino
Um novo modelo de atenção às pessoas que venceram o câncer ou
convivem com a doença está ganhando espaço na medicina. Nos Estados
Unidos, 100 hospitais já implantaram programas destinados aos
sobreviventes do câncer. A diferença em relação ao monitoramento padrão
feito após o tratamento, em que o paciente retorna ao médico em
intervalos de tempo predeterminados, é a criação de equipes treinadas
para reconhecer nesses indivíduos alterações relacionadas ao uso de
quimioterápicos, à radioterapia ou sequelas deixadas por cirurgias que
podem interferir na retomada do cotidiano. São sintomas como colesterol
elevado, fraqueza, dificuldade de concentração, dormência em mãos ou pés
e perda de equilíbrio.
O Hospital John Hopkins é um dos que aderiram a essa abordagem.
“Queremos garantir que os sobreviventes permaneçam tão funcionais quanto
possível”, disse à ISTOÉ Vanessa Wasta, diretora de relações públicas
da instituição. Os pacientes recebem prescrições de exercício
exclusivas, informações de bem-estar e terapias de reabilitação
específicas com base em suas necessidades.
SAÚDE
Mariana concluiu o tratamento do câncer há 16 anos, mas faz
controle do colesterol elevado, efeito dos remédios que tomou
Até pouco tempo, essa preocupação com os sobreviventes não existia. O
movimento ganhou força quando a médica Julie Silver, da Faculdade de
Medicina de Harvard e especialista em medicina de reabilitação, teve
câncer de mama e sentiu a carência de apoio para voltar ao cotidiano
depois do tratamento. “Tinha três filhos pequenos, estava fora do
trabalho e me sentia devastada fisicamente. O médico me disse para
descansar, o que equivale a dizer que eu estava sozinha para me curar.
Foi muito difícil”, disse à ISTOÉ. A partir da experiência, ela criou um
programa para treinar oncologistas, especialistas em reabilitação e
outros profissionais para rastrear nos pacientes os comprometimentos
associados à toxicidade do tratamento. A assistência mudou a vida da
americana Sandra Wade, tratada no Hospital Júpiter, na Flórida. “Minhas
necessidades emocionais e físicas estão sendo atendidas”, diz.
Colabora para a expansão desse tipo de programa o aumento do número
de sobreviventes. Uma estimativa da Associação Americana do Câncer
mostra que em 2022 os Eua terão 18 milhões de pessoas nessa condição. A
mesma preocupação começa a se mostrar na Europa. Recentemente, a
Sociedade Espanhola de Oncologia Médica (Seom) lançou um manifesto no
qual defende a atenção permanente aos sobreviventes. “Cinco por cento da
população espanhola será sobrevivente de câncer em 2015. Deve ter
suporte para se reabilitar”, disse a ISTOÉ o médico Juan Jesús Cruz,
presidente da Seom.
No Brasil, os únicos programas são voltados para pacientes
pediátricos. No Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, a
médica Mônica Cypriano acompanha o crescimento de ex-pacientes com a
ajuda de equipe multidisciplinar. “É preciso ajudar as pessoas a superar
os problemas decorrentes do tratamento”, diz. Outro serviço é o Grupo
de Estudos Pediátricos Tardios dos Efeitos do Tratamento Oncológico, do
Hospital A. C. Camargo, onde são atendidos 1,2 mil pessoas. “Tornou-se
essencial acompanhar esses indivíduos na vida adulta para controlar o
impacto dos efeitos tardios do tratamento”, diz a médica Cecília da
Costa. Uma das sobreviventes acompanhadas é a biomédica Beatriz Nunes,
24 anos, que teve um tumor ósseo e hoje faz pesquisas sobre o câncer.
“Tive apoio psicológico e de fisioterapia”, diz. A professora de
história Mariana Arantes, 26 anos, também recebe auxílio. “O serviço me
ajudou a superar a revolta de ter adoecido e a manter boa qualidade de
vida”, conta.
Para sobreviventes adultos brasileiros, o suporte é obtido em grupos
de apoio, serviços de psicologia dos hospitais, redes sociais e em
portais especializados. Em algumas instituições, especialistas orientam
os ex-pacientes a adotar práticas como meditação e ioga. Há também
centros como o Instituto Espaço de Vida, criado pela sobrevivente
Christine Battistini. “Minha mãe teve mieloma e eu, tumor de mama. Ter
suporte depois nos ajudou muito.”
Fotos: Kelsen Fernandes/Ag. Istoé; Marco Ankosqui
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