Como sabemos, são vários os países em desenvolvimento que adotaram iniciativas semelhantes. Enquanto a Alemanha obriga os países europeus a cortarem até o osso seus orçamentos sociais — deixando como saldo o aumento espantoso do número de suicídios ou das pessoas mortas por falta de assistência médica do Estado e, a cada dia, mais trabalhadores obrigados a buscar, na lata de lixo, o que comer — os bancos continuam acumulando, e de forma criminosa, dinheiro e poder como nunca. O HSBC mundial, que ganhou do governo FHC o Banco Bamerindus, e que tem no Brasil o seu terceiro mercado mais lucrativo do mundo, teve que pagar quase 2 bilhões de dólares de multa, em acordo feito com o governo norte-americano, por ter, comprovadamente, lavado dinheiro do tráfico de drogas. Como se sabe, mesmo depois de ter pedido desculpas públicas pelo crime, o HSBC foi acusado, em março deste ano, de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e remessa ilegal de recursos ao exterior pelas autoridades do governo argentino. Enquanto menos de um por cento dos seres humanos controlar, mediante sua riqueza, toda a população do mundo, a igualdade irá sendo empurrada cada vez mais para o futuro, e serão considerados nutridos os que ganharem cinco reais ao dia.
Em 1973, quando o Muro de Berlim ainda dividia o mundo em dois blocos econômicos e políticos, o então presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, disse que todas as nações deviam esforçar-se para acabar com a pobreza absoluta — que só existia nos países subdesenvolvidos — antes do novo milênio. Naquele momento os países ocidentais ainda davam alguma importância à política de bem-estar social, não só como um alento à esperança de paz dos povos mas, também, como uma espécie de dique de contenção contra o avanço do socialismo nos países do Terceiro Mundo. A Guerra do Vietnã, com seu resultado desastroso para os Estados Unidos, levou Washington a simular sua boa vontade para com os povos pobres. Daí o pronunciamento de McNamara.
O novo milênio não trouxe o fim da miséria absoluta, embora tivesse havido sensível redução — mais em consequência do desenvolvimento tecnológico, com o aumento da produtividade de alimentos e bens de consumo primário, do que pela vontade política dos governos.
Na passagem do século, marcada pelo desabamento das Torres Gêmeas, o FMI, o Banco Mundial — e a própria ONU — reduziram suas expectativas, prevendo, para 2015, a redução da pobreza absoluta à metade dos índices registrados em 1990. Em termos gerais, essa meta foi atingida cinco anos antes, em 2010. A extrema pobreza, que atingia 41,7% da população mundial em 90, caiu para 22% em 2008 — graças à fantástica contribuição da China e da Índia, conforme adverte Francine Mestrum, socióloga belga, em recente estudo sobre o tema.
Por outro lado, o número absoluto de pobres na África Negra dobrou no mesmo período. A China que, pelo número dos beneficiados, puxou o trem contra a desigualdade, já chegou a um ponto de saturação. Com o seu crescimento reduzido, como se espera, a China levará muitos decênios para baixar o número de seus pobres absolutos à metade.
Considera-se alguém absolutamente pobre quando tem a renda per capita inferior a US$ 1,25 por dia: mais ou menos R$ 2,50, ou seja, 75 reais ao mês. Esse critério é, no mínimo, cínico. É possível viver com esse dinheiro? Há quem possa: os trabalhadores das multinacionais nas tecelagens e confecções de Bangladesh e de outros países da Ásia do Sul não chegam a ganhar cinco reais ao dia.
O governo de Bangladesh, em seu portal, declara ser o país “de portas abertas“ (open door), com todas as garantias e vantagens legais aos investidores, principalmente nas zonas especiais de produção para exportação (Export processing zones). Em Bangladesh a privatização de empresas públicas chegou à perfeição, e a miséria dos trabalhadores, também — conforme a meta do neoliberalismo.
Só há uma saída para o impasse: a mobilização política dos cidadãos de cada país do mundo, em uma organização partidária e ideológica nítida em seus princípios e objetivos e em sua ação coerente, a fim de colocar coleiras nos banqueiros. E será sempre salutar ver um banqueiro na cadeia, como está ocorrendo, menos do que é necessário, nos Estados Unidos.
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