A cidade aprendeu a viver com a diversidade e usou a criatividade para domar a invasão do mar
Não era dia de show, mas o Museumplein, parque que
contorna o Rijksmuseum, um dos principais museus de Amsterdã, estava
lotado. O único espetáculo era o sol anêmico de fim de verão que
aparecia no céu, motivo suficiente para levar uma multidão de jovens
para o lugar, no centro da cidade. Indiferentes ao friozinho,
universitários de short e camiseta faziam jogging. Hippies, algumas
décadas atrasados em relação à paz e ao amor pregados nos anos de1960,
dividiam um cigarro de palha e o casal gay ao lado se abraçava no
gramado. À frente, duas meninas de cabelos cor de caneta marca-texto
ouviam música em uma caixinha de som, enquanto a terceira cochilava
alheia ao barulho.
Amsterdã é uma vitrine humana. Rostos que parecem
pertencer a diferentes épocas e idiomas que apontam para inúmeros países
se misturam nos parques, nos museus e à beira das ruas ladeadas de
canais da cidade, e ninguém parece achar nada de mais naquela
miscelânea. Na capital holandesa, essa torre de Babel é a normalidade.
Mas, por trás dessa aparência dissonante, existe
unidade. Para os punks e hippies meio anacrônicos, a dona de casa que
leva os cachorros para passear, o executivo e você, a cidade oferece o
mesmo atrativo: liberdade. Sem pretensão, sem olhar ninguém de cima, o
lugar que John Len non e Yoko Ono escolheram, em 1969, como palco para o
protesto de 10 dias sem sair da cama, disse não ao moralismo, refutou a
caretice e esnobou o politicamente correto. Desde 2001, gays podem se
casar e adotar crianças normalmente. A prostituição também não é
encarada como tabu. Aprovada e regulamentada por lei federal, acontece à
luz do dia e a céu aberto nas ruas do Red Light District (Bairro da Luz
Vermelha).
Todas essas liberdades emprestam à cidade um clima
moderno e cosmopolita e fazem seu nome ressoar na memória e no
imaginário de gente de todo o mundo com a mesma força que Paris ou Roma.
Parece até que a cidade é grande.
A cidade que veio do mar
Amsterdã é uma das menores capitais do Velho Mundo: tem 219 km², um décimo do tamanho da cidade de São Paulo. A realidade nacional não é diferente: a Holanda consta no ranking dos menores países do mundo e ocupa uma modesta área de 41,5 mil km², um terreno conquistado palmo a palmo graças à engenharia, que domou o mar com a construção de canais e diques e trouxe para a superfície terras antes cobertas pela água.
Amsterdã é uma das menores capitais do Velho Mundo: tem 219 km², um décimo do tamanho da cidade de São Paulo. A realidade nacional não é diferente: a Holanda consta no ranking dos menores países do mundo e ocupa uma modesta área de 41,5 mil km², um terreno conquistado palmo a palmo graças à engenharia, que domou o mar com a construção de canais e diques e trouxe para a superfície terras antes cobertas pela água.
Foi sobre o terreno encharcado que Amsterdã avançou a
partir do século 17 e criou seu principal cartão-postal por acidente. Os
lindos canais que acompanham o desenho das ruas do centro foram
escavados para drenar a água e preparar o solo para a construção. A
cidade cresceu com plena consciência do espaço limitado que tinha a seu
dispor. A ocupação foi cuidadosamente planejada de forma a aproveitar o
terreno o máximo possível, e a arquitetura é a expressão mais visível
dessa preocupação: cada quarteirão é uma sucessão de casas geminadas,
estreitas e altas. Os jardins são modestos e garagem é um luxo
impensável.
Da falta de espaço para estacionar carros, aliás, nasceu
um dos principais hábitos nacionais: andar de bicicleta. A magrela é o
meio de transporte oficial no terreno plano da capital. Sob sol ou
chuva, é absolutamente corriqueiro ver executivos engravatados, crianças
arrumadas para a escola ou mulheres de vestido e meia calça pedalando
placidamente. Na mesma proporção, pipocam os fiscais que, na falta de
carros para multar, guincham bicicletas estacionadas irregularmente e
advertem quem pedala fora da ciclovia.
O ciclismo é levado tão a sério que houve até uma época
em que o governo comprou uma frota de bicicletas brancas, que qualquer
um – turistas inclusive – podia usar e largar onde quisesse sem custo
algum, mas, com os holandeses pintando e revendendo os veículos
comunitários (bem, nem tudo é tão de primeiro mundo assim...), a mamata
terminou. Mesmo assim, pedalar permanece uma atividade econômica, e a
diária de uma bike, a € 9, permite que mesmo o mochileiro com orçamento
mais espartano explore a região sobre duas rodas.
Se não por terra, vale desbravar Amsterdã, de pedalinho
ou de barco, pela teia de canais que corta a cidade. Teve gente que
gostou tanto da ideia que se mudou para casas-barco (olha a economia de
espaço mais uma vez...), que podem flutuar de um bairro para o outro e
navegar para um novo endereço sem pre que o tédio pintar. Combustível
para a criatividade dos holandeses, a configuração compacta da capital
também é prática para os viajantes, que podem percorrer todo o centro a
pé, com paradas em museus, brechós, parques, restaurantes e, claro,
coffee shops.
Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Europa, edição 142.
Um comentário:
Saiba mais sobre a Holanda aqui:
Ducs Amsterdam
< ducs@ducsamsterdam.net >
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