Já escrevi aqui que o debate sobre o projeto Mais Médicos tem sido embaralhado por dados falsos e visões preconceituosas.
Nestas horas, o melhor a fazer é procurar informações consolidadas.
Muitos desses dados podem ser encontradosnum levantamento conhecido
como demografia médica, atualizado todos os anos pelo Conselho Federal
de Medicina.
Este link contém dados que se referem a dezembro de 2011. Você pode encontrar o levantamento de 2012 na internet.
Mas o de 2011 é mais instrutivo porque traça um levantamento
completo dos médicos brasileiros. Fala das formaturas, ano após ano.
Fala de sua distribuição, estado por estado.
O levantamento mostra que o número de médicos no setor privado
cresce numa velocidade maior do que no setor público. Você sabe quais
são as implicações disso num país onde a maioria da população se utiliza
de serviços públicos. É matemática traduzida para o comportamento:
filas enormes, mau atendimento, equipamento sucateado.
Em regiões mais pobres, o contraste é ainda maior. O próprio
levantamento do Conselho Federal de Medicina se encarrega de mostrar o
tamanho dessa diferença, comparando Rio de Janeiro e Bahia.
No Rio, o serviço privado oferece 5,9 médicos por 1.000 habitantes.
Já o setor público oferece 3,6 por 1.000. Na Bahia, o setor privado
oferece 15,1 postos por 1.000. Já o setor público oferece 1,2 por
1.000.
Em outra comparação, o Conselho Federal mostra o tamanho dos gastos
públicos nos países com sistemas universais consolidados. No Reino
Unido, os gastos públicos respondem por 83%. Na França, por 76%. Na
Alemanha, 75% e assim por diante.
No Brasil, o serviço público, que precisa cobrir perto de dois
terços da população, recebe 45% do total destinado à saúde. A outra
parcela, destinada àquele um terço que reside no topo da pirâmide,
recebe mais da metade dos recursos de saúde. Os gastos privados com
saúde, como se sabe, são 100% dedutíveis do imposto de renda.
Isso explica – agora é minha opinião -- dois problemas conhecidos: o
estrangulamento progressivo do serviço público e a asfixia do orçamento
da classe media com seus planos de saúde, que vão se tornando
impagáveis na medida em que o cliente necessita deles de verdade.
Quem presta atenção nos dados globais pode concluir que se aplica
ao Brasil uma situação semelhante à que ocorre no debate sobre o plano
de saúde de Barack Obama nos Estados Unidos. Claro que há diferenças
imensas entre os dois casos. Mas, no plano das ideias políticas,
ocorreu, lá, um confronto semelhante ao que se passa aqui.
Comentando o conflito político entre Barack Obama e a oposição
republicana, o jornal US Today afirmou em editorial: “Depois de
envenenar o debate, os republicanos dizem que o plano está doente.”
O jornal se refere ao comportamento republicano de denunciar o
intervencionismo estatal – chamado de fascismo, segundo línguas mais
delirantes – para combater a proposta de Obama. Criaram vários problemas
para impedir o sucesso do plano nas votações no Congresso e, depois,
argumentam que não pode funcionar -- por causa dessas modificações.
O veneno destilado no Brasil teve origem na oposição e também envolvia o papel do Estado.
Começou em 2007, na campanha pelo fim da CPMF, taxa que privou a
saúde pública de algo como R$ 20 bilhões anuais. (A CPMF arrecadava o
dobro disso, mas pelo menos a metade era destinada aos fins devidos).
Mais tarde, quando ficou claro que faltava dinheiro para equipar
hospitais e postos de atendimento, para equipamentos de exame e outras
benfeitorias, os sábios de plantão lançaram a teoria de que o problema
não era falta de dinheiro – mas falta de boa gestão.
Em 2013, seis anos depois do fim da CPMF, quando se verificou que a
gestão até pode produzir resultados mas não faz milagres, o debate
mudou.
Diante da proposta de contratar milhares de médicos, inclusive no
exterior, para levar aos pontos pobres do país, aqueles onde a média da
rede pública é menos que 10% da privada, a oposição reclama: cadê os
equipamentos? Cadê os hospitais?
É muito veneno, vamos combinar.
Por Paulo Moreira Leite
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