Todas as respostas para a chacina da família de policiais, que estarreceu o País, convergem para as últimas horas de vida do adolescente de 13 anos
Natália Mestre e Monique Oliveira
Pai, mãe,
filho, avó, tia-avó. Todos mortos com tiros na cabeça entre a noite do
domingo 4 e a madrugada da segunda-feira 5, na Vila Brasilândia, zona
norte de São Paulo. Os donos da casa eram policiais experientes, sendo o
pai sargento da Rota, batalhão de elite da Polícia Militar. Nada foi
roubado do local, o que compôs um cenário envolto em mistério. Todas as
respostas para essa tragédia que estarreceu o País na semana passada
convergem para o adolescente Marcelo Pesseghini, de 13 anos, o último a
morrer. Segundo a polícia, ele seria o autor dos quatro crimes
executados com tiros precisos e teria se suicidado após voltar da escola
e cair em si. Para outros, ele foi a quinta vítima dessa chacina que
dizimou uma amorosa família de classe média, que se dividia em duas
casas no número 42 da rua Dom Sebastião – na da esquerda, a maior,
moravam Luís Marcelo Pesseghini, 40 anos, a esposa Andréia Regina Bovo
Pesseghini, 36 anos, cabo do 18º Batalhão, e o filho, Marcelo. Na do
lado, Benedita de Oliveira Bovo, 67 anos e Bernadete Oliveira da Silva,
55, mãe e tia de Andréia, respectivamente – e passava os finais de
semana entre churrascos no quintal e viagens ao sítio de Rio Claro, no
interior paulista.
FAMÍLIA
Andréia e Luís Marcelo com o filho, Marcelo, em 2010: o menino
queria ser policial, como eles, e costumava visitar o batalhão do pai.
Um PM amigo da família disse à polícia que o garoto sabia atirar
Diante dessa tragédia ainda cheia de
interrogações, existem dois cenários. No primeiro deles, de acordo com a
polícia civil, Marcelo matou os parentes entre a noite de domingo e a
madrugada de segunda, pegou o carro da mãe, um Corsa Classic, dirigiu
até a escola e passou a madrugada dentro do veículo. Pela manhã, ele
frequentou as aulas normalmente e voltou de carona para casa com o pai
do seu melhor amigo. Chegando lá, teria se matado. Segundo a perícia,
todos os tiros saíram da mesma arma, a pistola .40 que pertencia a
Andréia e foi encontrada na mão esquerda do garoto, que estava com o
dedo no gatilho. Imagens da câmera de segurança de um prédio que fica na
mesma rua do Stella Rodrigues, colégio particular na Freguesia do Ó,
são fortes indícios para a polícia. Os registros mostraram, por volta da
1h25, um carro estacionando. Depois, em torno das 6h23, um garoto
desce, coloca a mochila nas costas e segue em direção à escola. É
Marcelo, na versão dos investigadores. Um par de luvas foi encontrado no
automóvel. Perícias feitas nas duas casas também encontraram outras
três armas intactas que pertenciam à Andréia e não identificaram
registros de arrombamentos.
Segundo o delegado do Departamento de
Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), Itagiba Franco, responsável
pelas investigações, o fato de os armamentos não terem sido roubados
afasta ainda mais a hipótese de ação do crime organizado, levantada
inicialmente. Também foram encontradas receitas de remédios para dormir
na casa de Benedita e Bernadete, o que ajudaria a entender por que as
duas não ouviram os tiros e ameaçaram alguma reação – de acordo com a
polícia, Luís Marcelo teria sido o primeiro a morrer, seguido da mulher,
da avó e da tia. Familiares confirmaram que Bernadete sofria de
depressão, tomava remédios e, inclusive, estava morando com a irmã por
causa da doença. O depoimento do melhor amigo de Marcelo, também de 13
anos, foi decisivo para reforçar a suspeita de crime familiar. “Ele
tinha o plano de matar os pais durante a noite, quando ninguém soubesse,
fugir com o carro deles, ser matador de aluguel e morar em um lugar
abandonado”, teria dito o amigo à polícia. O pai desse adolescente, que
deu carona para Marcelo, contou, também em depoimento, que antes de
sair, o garoto avistou o carro da mãe. Ele foi até o veículo, pegou um
objeto e o colocou na bolsa. “Pode ser a arma, mas não sabemos”, disse
Itagiba.
DINÂMICA DO CRIME
A casa dos Pesseghini, na Vila Brasilândia, em São Paulo: perícia
irá determinar horário das mortes e se vítimas estavam dopadas
Ainda segundo a polícia, no quarto de
Marcelo havia diversas armas de brinquedo. Na mochila da escola, um
revólver 32, uma faca, rolos de papel higiênico e mudas de roupa. Uma
das professoras afirmou aos investigadores que Marcelo havia perguntado
“se ela sabia dirigir quando era criança” e “se havia atingido de alguma
forma os pais”. Para outra, o menino contou que já tinha dirigido um
buggy. Em depoimento na quinta-feira 8, o policial militar João Batista
da Silva Neto, vizinho da família, afirmou que o menino havia aprendido
a atirar com os próprios pais e frequentava aulas de tiro em um estande
na zona sul da capital paulista. O delegado ainda citou que Marcelo
tinha 1,60 m e não era um garoto franzino, apontando que ele tinha
condição de manipular a arma.
Se a polícia conduz sua investigação na
direção do filho dos policiais, especialistas garantem que, para Marcelo
ser realmente o assassino, ele teria que demonstrar distúrbios de
comportamento e traços de psicopatia muito evidentes. “É muito difícil
que um menino de 13 anos tenha orquestrado uma chacina com esse grau de
refinamento sem um transtorno de conduta”, afirma Priscila Gasparini
Fernandes, psicanalista infantil com especialização em suicídio. Dentro
dessa hipótese, o cenário que se tem é de um menino doente, que tomava
muitos remédios e era cercado de cuidados, portador de fibrose cística,
doença genética grave que afeta o funcionamento de secreções do corpo,
levando a problemas nos pulmões e no sistema digestivo, além de
diabético. Segundo relatos, Marcelinho, como era chamado, era um garoto
tímido e de poucos amigos que passava horas jogando videogame,
especialmente o violento “Assassin’s Creed”. A combinação explosiva
entre jogos violentos (leia à pag. 70) e o convívio em um ambiente
familiar de policiais, onde relatos de mortes, prisões e perseguições
poderiam fazer parte do dia a dia e contribuir para formar uma cultura
de violência, pode ter sido fatal. O adolescente não cansava de falar
que admirava o trabalho de seus pais. A vizinha Elisa Rosa, 84 anos, que
mora em frente à casa da família Pesseghini, garante que os pais
permitiam, inclusive, que o adolescente fizesse pequenos percursos ao
volante e depois estacionasse o carro na garagem. “Ele sabia dirigir e
adorava ficar no portão com uma arma de brinquedo, fingindo que atirava
nas pessoas.”
No segundo cenário, Marcelinho passa de
algoz a vítima. “Esse crime, do jeito que está descrito, crava que o
menino era um manipulador”, afirma Dalka Ferreira, do Centro de
Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae, de São
Paulo. “Para isso, a criança deveria apresentar uma relação conflitante
com os pais e traços de frieza.” Ao contrário, familiares e amigos
descrevem Marcelinho como um garoto amável e ligado à família. Era comum
vê-lo com a avó ou com os animais da casa, um labrador preto e dois
gatos, sempre muito afável e sem motivo algum para cometer tamanha
barbárie – motivo esse que, até agora, a polícia também não encontrou.
“Estamos todos em choque. Eles eram uma família muito feliz, nunca vi
uma briga ou discussão”, diz Edineide Ferreira, balconista de 36 anos e
amiga de Andréia. Os vizinhos são unânimes em classificar a avó, chamada
carinhosamente de dona Benê, como uma mulher muito prestativa,
sorridente e apaixonada pelo neto. “Eu sempre via os dois brincando no
quintal”, afirma Severino José da Silva, 76 anos.
MANHÃ DE 5 DE AGOSTO
Imagem de Marcelo (à esq.) após sair do carro Corsa Classic (acima)
que ficou estacionado perto da escola onde ele estudava
O empresário Sebastião de Oliveira Costa,
tio de Andréia, reforça que Marcelo não tinha nenhum traço de
agressividade, pelo contrário, era um bom garoto, sempre tranquilo.
“Visitava a família a cada 15 dias. Chegava lá, o Marcelinho vinha
correndo, me pedia a bênção, e voltava brincar. Não vou sossegar
enquanto não descobrir o autor dos crimes”, diz. Ele acredita que a
família tenha sido vítima de algum tipo de retaliação, possibilidade que
ganhou força quando o comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar,
coronel Wagner Dimas, afirmou em entrevistas que Andréia Pesseghini
havia colaborado com informações para uma investigação contra colegas
que participavam de roubos de caixas eletrônicos. Em depoimento na
Corregedoria da PM, porém, o coronel voltou atrás. Em nota, a escola em
que o adolescente estudava desde os 5 anos definiu Marcelo como “um
garoto dócil, alegre, com boas relações com os colegas e o corpo docente
do colégio e que sempre alcançou um bom rendimento pedagógico,
apresentando comportamento e atitudes normais”. Uma das professoras que
deu aula para Marcelo no seu último dia, Ana Paula Alegre, publicou seu
lamento em uma rede social. “Dei aula para ele hoje. Conversei,
brinquei, dei risada. Dei um abraço tão gostoso, e agora acabou.”
O derradeiro domingo em família começou
normal. Segundo a vizinha Rosemari, no domingo 4, por volta de meio-dia,
o adolescente saiu de carro com os pais para almoçar no shopping. Já
durante a tarde, a família recebeu a visita do tenente da Polícia
Militar César Bovo, irmão de Andréia. O que aconteceu depois ainda está
envolto em mistério. Fundamentais para elucidar os fatos, os laudos do
IML, que determinam a hora das mortes, de balística e toxicológicos só
devem sair no início de setembro.
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