8.09.2013

Comandante da PM: ‘O policial precisa conversar com o manifestante’

Na nova forma de trabalhar da polícia, os agentes do Batalhão do Choque serão usados somente em casos extremos

Adriana Cruz e João Antonio Barros
Rio - Três bocejos no fim da conversa denunciam o massacre de dois dias seguidos de entrevistas. Vai ser pior. O cargo ‘batata-quente’ para o qual acaba de ser nomeado — o de comandante-geral da PM — exigirá do coronel Luís Castro fôlego, dias sem dormir e remédios de tiro curtíssimo para descascar os abacaxis da Segurança Pública. Iniciativas não faltam.
A primeira vai acalmar os prefeitos e moradores da Região Metropolitana: além de povoar as novas UPPs, uma parte dos praças que vão se formar na Academia da Polícia Militar será enviada para reforçar os batalhões onde há um déficit de agentes e os índices de criminalidade batem no teto. O socorro tem endereço: Niterói e Baixada, além de unidades na capital.
Do centro de treinamento chega o reforço para evitar as badernas nos protestos, alvo de dor de cabeça para o governo. O ‘Alfa Numérica’ — grupo de PMs criado para atuar nos protestos — treina diariamente para lidar com manifestantes. São 100 homens que, além de aprender a usar a força moderadamente, têm lições sistemáticas de negociação. Na nova metodologia de trabalho, os agentes do Batalhão do Choque serão usados em casos extremos.
Novo comandante prega diálogo com a população carioca
Foto:  Carlo Wrede / Agência O Dia
O vespeiro da anistia concedida pelo ex-comandante Erir Ribeiro a policiais punidos administrativamente com penas leves também está na lista de tarefas urgentes. Por ora, está suspensa, até que se criem regras. Não descarta a inclusão de novos policiais na lista de perdão.
O DIA: Qual a orientação à tropa para evitar o abuso de autoridade e a falta de ação nas manifestações?
LUÍS CASTRO : A juventude parecia estar alienada, acordou e começou a reclamar. A manifestação, com conflito, é novidade. Estamos aprendendo para impedir que o manifestante saia machucado e o policial, além do patrimônio privado e público destruídos.
O que está sendo feito?
Deu certo os policiais fardados fazerem abordagens. Queremos é combater os maus intencionados. Tivemos casos no Centro que tinham jovens com machados. Então, procuramos, por exemplo, fogos de artifícios, coquetéis molotovs e outros artefatos.
O senhor faz a mea-culpa de que o Batalhão de Choque não estava bem preparado para enfrentar essas manifestações?
Seria leviano se colocasse a culpa toda no Choque. Também tenho a minha parcela,pois era comandante do policiamento de área e acompanhava as manifestações.

Nos últimos protetos o Batalhão de Choque ficou aquartelado. A ideia é deixá-lo de fora?
O Choque é força de reserva. Se a situação sair do controle, será acionado. Não é o que queremos, mas ser for necessário, será usado.

Há dificuldades nas prisões? Geralmente, os policiais são cercados pelos manifestantes na hora da repressão?
Há sim. Mas os policiais que estão com números nas fardas recebem treinamentos diariamente.

Quando começaram?
Há 20 dias, quando foi criado o grupo que trabalha nas manifestações. Há 100 policiais militares.
Como é o treinamento?
Técnicas de negociação. Não podemos partir para o confronto. O policial precisa conversar com o manifestante. Eles já conseguiram fazer algumas prisões.
O que o senhor acha dos Black Blocks?
Não estudei a fundo. Seria leviano tecer alguma. Respeito a opinião de cada um. Se houver tendência a violência, a gente tem que agir.
Eles reclamam de PMs infiltrados.

PMs vestidos de manifestantes não têm. Os policiais estão todos fardados.

O Serviço de Inteligência tem dado retorno? O senhor sabe quem são os líderes das badernas?
A inteligência está coletando informações. Existe uma comissão formada pelo Ministério Público, com vários setores, também, que vão produzir um relatório. A gente espera que os maus intencionados sejam identificados.
O senhor sabe se nas manifestações há traficantes, ex-PMs e milicianos?
Ainda não temos informações sobre as pessoas que cometem as badernas. Nenhum manifestante preso teve passagem na polícia por tráfico ou por assalto. Não posso afirmar que é uma ação orquestrada pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Não há indícios de tráfico, milícia, ex-PMs ou ex-Bombeiros.
Sobre o caso Amarildo, por que nenhum PM foi afastado da Rocinha?
Cada caso é um caso. No do Amarildo não identificamos motivos que levem ao afastamento dos policiais ou do comandante da UPP da Rocinha. Não tivemos caso de testemunha coagida por PMs. Queremos a elucidação.
Não é evidente que se a pessoa quer denunciar vai se sentir no mínimo constrangida?
Se elas estivessem indo na UPP, poderiam se sentir coagidas. Mas os depoimentos são na Polícia Civil. A gente não teve notícia de pessoas desconfortáveis para prestar depoimento.
Houve problemas frequentes nas UPPs, como Rocinha e Alemão. Erros na seleção e treinamento?

Não. Cada turma que a gente forma juntamos teoria e prática, aperfeiçoando cada vez mais a formação. Problemas servem para ajudar a solidificar a pacificação. Problemas pontuais não colocam em descrédito a formação.

Por que o Amarildo não foi levado à delegacia?

Não tenho maiores informações. A base da PM na Rocinha tem acesso ao Infoseg, um sistema que permite que o policial faça alguns levantamentos e já identifique de imediato aquela pessoa.

E as novas UPPs? Maré?
Vamos fazer análise de cenário e dizer são essas as possibilidades. Podemos fazer uma, duas, três UPPs
Mas falta efetivo?
Há necessidade de efetivo, sim. Mas temos que trabalhar com o recurso que temos, da forma mais racional possível. Não são só ações de UPP, mas ações de polícia. Por isso, estamos sempre estudando a melhor forma de colocar o policiamento nas ruas, sem que haja interrupção no processo de pacificação.
O senhor pensa em repor, com novos policiais, os efetivos de batalhões, além de alocá-los só nas UPPs?
É uma ideia. Existe uma seção do Estado-Maior responsável pelos estudos de pessoal e havendo a sinalização de necessidade de efetivo em algumas unidades e disponibilidade vamos fazer.
Batalhões de Niterói e Baixada têm déficit?
Não vou dizer qual é o mais prioritário. Posso ter um batalhão na Zona Oeste que precise e outro não. Temo s que ter critérios técnicos.
Mas a Baixada tem alto índice de criminalidade.
Os índices de criminalidade sempre vão ser levados em consideração na hora do planejamento. A nossa formação está continua, mas não sei quantos policiais terei formados até o fim do ano. Na Maré, o estudo prévio aponta para 1.500 policiais e será até a Copa do Mundo.
O senhor cancelou a anistia dada pelo coronel Erir Ribeiro. Isso cria uma antipatia com a tropa, não é?
Não, de forma alguma. O que desejamos é tornar mais claro os critérios. Quais casos que merecem.
Então outros policiais poderão ser beneficiados e outros podem perder a anistia?
Exatamente. Vamos estudar, estabelecer critério. A ideia é boa, mas tem que ficar transparente.
Não seria melhor mudar o estatuto para impedir que um PM deixe de ser punido por causa da bota suja ou do corte do cabelo?
Merece estudo. Mas esse assunto não é fácil. Com um efetivo de 45 mil homens, controlar a disciplina é responsabilidade grande. O nosso compromisso é com a sociedade. Por exemplo, o que fazer com o policial que faltou o serviço? Se tenho no batalhão dois policiais que faltaram, tenho menos uma viatura rodando. É um assunto delicado que merece discussão.
Em uma operação no Caju, a PM prendeu inocentes. O senhor foi indiciado pela Polícia Civil por abuso de poder e usurpação de função. Como o senhor avalia a questão?
Houve inquérito na 17ª DP (São Cristovão), arquivado pela Justiça e ponto.
Fica alguma mágoa com a Polícia Civil?
Nenhuma. Cada instituição no estado democrático de direito tem a sua função. Abriram inquérito para apurar. Muito justo. O Ministério Público e a Justiça decidiram arquivar.

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