Recentes estudos provam que a melatonina faz muito mais do que ajudar a dormir. Entre outros benefícios, ela auxilia no emagrecimento, combate a diabetes, controla a enxaqueca e protege contra os danos do mal de Alzheimer
Cilene Pereira e Monique OliveiraAinda não se sabe ao certo quais são os mecanismos que levam a esse espectro tão grande de atuação. O que se descobriu recentemente e que ajuda a entender parte desse fenômeno foi que existem receptores sensíveis à ação do hormônio em todo o organismo. Produzida pela glândula pineal – localizada no cérebro – na ausência da luz, até pouco tempo acreditava-se que a substância agisse basicamente sobre os centros cerebrais envolvidos no controle do relógio biológico, estimulando o sono. Por essa razão, suas indicações mais conhecidas eram contra a insônia e outros distúrbios associados ao sono, como o jet lag.
HERANÇA
Regina constatou que o hormônio passa
de mãe para filho pelo leite materno
A descoberta de suas outras funções foi gradativa. Hoje, uma das
áreas nas quais é possível encontrar conhecimento mais sólido a esse
respeito é a do câncer. A relação entre a melatonina e a doença começou a
ser mais investigada quando surgiram indicações de uma associação entre
o risco aumentado para a enfermidade e o trabalho noturno. A última
delas foi divulgada há poucas semanas na edição online do “British
Medical Journal”, uma das mais importantes publicações científicas do
mundo. Realizado no Queen’s University, no Canadá, um levantamento
mostrou que mulheres que trabalharam em turnos noturnos por mais de 30
anos apresentaram duas vezes mais chances de desenvolver tumor de mama.
Outra, divulgada no “American Journal of Epidemiology”, indicou a
associação entre homens trabalhadores noturnos a risco elevado para
câncer de próstata, pulmão, bexiga, reto, pâncreas e linfoma não
Hodgkin. Os resultados levantaram a hipótese de que a ligação entre as
duas coisas – trabalho noturno e câncer – fosse a baixa produção de
melatonina. “A exposição à luz, mesmo à noite, pode induzir a um
desequilíbrio na regulação biológica que propicia o desenvolvimento de
tumores”, disse à ISTOÉ a cientista Marie-Élise Parent, que comandou o
estudo com os homens.Regina constatou que o hormônio passa
de mãe para filho pelo leite materno
Mecanismos como esses contribuem para explicar, por exemplo, o resultado obtido pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP) em relação aos efeitos do composto sobre o câncer de mama. Em animais, a substância reduziu pela metade a forma mais comum da doença. Além disso, o hormônio atenua efeitos colaterais da quimioterapia. Na Universidade de Granada, os cientistas criaram um gel à base de melatonina para proteger as mucosas do aparelho gastrointestinal da inflamação decorrente do uso de quimioterápicos.
Dos EUA vieram informações sobre efeitos de proteção aos neurônios, algo importante, por exemplo, para impedir mais danos após acidentes vasculares cerebrais. Uma pesquisa da Universidade do Sul da Flórida revelou de que maneira a substância ajuda nessa tarefa. Uma de suas ações é estimular que células-tronco se especializem em neurônios, auxiliando, indiretamente, a repovoar áreas nas quais houve morte neuronal. “A melatonina protege contra danos cerebrais e déficits de comportamento resultantes do acidente vascular cerebral. Por esses motivos, vislumbramos seu uso clínico contra o problema”, disse à ISTOÉ Cesario Borlongan, coordenador do trabalho. Benefícios semelhantes foram observados contra o mal de Alzheimer. Pesquisa da Universidade de Barcelona, feita em cobaias, mostrou que uma dose diária do hormônio, combinada a exercício físico, retardou a progressão da enfermidade. “Os resultados foram extraordinários. O hormônio aumenta a capacidade de o neurônio se defender de danos”, disse à ISTOÉ o fisiologista Dario Acuña Castroviejo, líder do estudo. “Como sua produção natural costuma cair depois dos 40 anos, recomendo a suplementação a partir dessa idade.”
SEM DOR
Pesquisa do neurologista Peres mostrou que a melatonina
diminui a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca
Na Itália, há pesquisas em curso a respeito do papel do hormônio
sobre a depressão. Sabe-se que, na presença da doença, o ritmo
circadiano, mediado pela substância, encontra-se alterado. Um novo tipo
de antidepressivo – a agomelatina – entrou no mercado com o objetivo de
atuar sobre a melatonina e ajudar a regular o relógio biológico. No
Instituto Nacional de Saúde italiano, cientistas buscam entender como o
remédio atua. “Há interações que o tornam eficiente. E acredito que os
suplementos de melatonina devem ser usados com os antidepressivos, para
melhorar a qualidade do sono dos pacientes”, ponderou à ISTOÉ Domenico
De Berardis, coordenador do trabalho.Pesquisa do neurologista Peres mostrou que a melatonina
diminui a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca
Por se tratar de um hormônio envolvido em operações básicas do organismo, a melatonina também tem ação sobre o metabolismo – propriedade que a torna eficaz para a perda de peso, segundo várias pesquisas. Uma delas foi feita na Universidade de Granada, com animais, e revelou perdas consideráveis entre as cobaias submetidas à suplementação. “O resultado dá suporte à proposta da administração do hormônio para tratar o excesso de peso em humanos”, escreveram os pesquisadores.
Seus colegas italianos identificaram mecanismos pelos quais ocorre o emagrecimento. Segundo experimento da Università Politecnica delle Marche, entre outros efeitos, o hormônio reduz a ingestão de comida porque estimula a atividade de moléculas envolvidas na supressão do apetite. Além disso, outro trabalho, feito também na Itália, demonstrou que a melatonina auxilia no controle da compulsão por comer à noite. Experiência feita com um paciente tratado com a medicação agomelatina terminou com uma perda de 5,5 quilos após três meses de uso. Os desdobramentos desse tipo de estudo ajudarão a entender, por exemplo, por que os obesos têm menos melatonina do que as pessoas com peso normal.
Já no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, os estudos pretendem elucidar como a melatonina influencia o metabolismo energético e repercute na manifestação da diabetes. “Ela potencializa a ação da insulina”, diz o pesquisador José Cipolla. A insulina é o hormônio que possibilita a entrada, nas células, da glicose circulante na corrente sanguínea. Quando sua produção é baixa ou sua atuação é prejudicada, acumula-se açúcar no sangue, caracterizando a diabetes. “A redução da melatonina intensifica o quadro diabético”, completa o cientista brasileiro. Estudo da Universidade de Harvard (EUA), confirma a relação. Foram selecionadas 370 mulheres com diabetes tipo 2 e outras 370 saudáveis. Nas portadoras da enfermidade, os níveis do hormônio eram significativamente menores.
Motivados por evidências como essas, pesquisadores de cinco laboratórios internacionais criaram a rede MELABETES. Uma das metas é aprofundar as investigações, principalmente sobre o que leva alguns pacientes diabéticos a apresentarem menor concentração de melatonina. “Podemos ajudar essas pessoas dando a elas suplementos do hormônio”, explicou à ISTOÉ Ralf Jockers, da Université Paris Descartes, na França, organizador da iniciativa. “Mas isso deve ser feito em conjunto com o médico.”
No Brasil, o hormônio não possui registro de comercialização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mas não é proibido, o paciente pode importá-lo. No entanto, os cientistas defendem sua maior disponibilidade por aqui. “Temos todas as evidências para que ela seja utilizada e vendida no País”, diz Regina Markus. “Ela deveria ser comercializada ao menos como remédio”, diz Mario Peres. “É necessário que seja suplementada no idoso, já que sua produção diminui com a idade”, diz José Cipolla.
ACESSO
O cientista Cipolla defende que seja feita uma
suplementação para as pessoas mais velhas
Por enquanto, não é o que pensa o Conselho Federal de Medicina. A
entidade faz uma restrição ao seu uso como recurso antienvelhecimento.
Publicou uma resolução na qual determina que “são vedados no exercício
da medicina” alguns recursos antienvelhecimento usados “com a finalidade
de triagem, diagnóstico ou acompanhamento de doenças relacionadas ao
envelhecimento”. Entre eles está a melatonina. O médico que desobedecer a
norma pode ser advertido ou até perder o registro profissional. “Não
há evidência científica do efeito antienvelhecimento da melatonina. Os
estudos são experimentais”, diz Rubens França, membro do CFM.O cientista Cipolla defende que seja feita uma
suplementação para as pessoas mais velhas
Na opinião de médicos atualizados, que acompanham de perto os avanços sobre o tema, isso não é verdade. “É o momento de se repensar o potencial terapêutico da melatonina. Ele é muito grande. É hora de reabilitá-la no arsenal de tratamento”, afirma o psiquiatra e psicofarmacologista Sergio Klepacz, de São Paulo, autor do livro Equilíbrio Hormonal e Qualidade de Vida. Na Europa e nos EUA, esse poder já foi reconhecido há algum tempo. No continente europeu, o hormônio é vendido como remédio e, nos Estados Unidos, como suplemento alimentar.
Fotos: Kelsen Fernandes; Gabriel Chiarastelli; PEDRO DIAS/Ag. Istoé; Anderson Christian; Masao Goto Filho /Ag. IstoÉ; Rafael Hupsel/Agência Istoé
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