Manifestações populares
A militância de esquerda está perplexa, cada vez mais distante do clamor popular, e corre o risco
de ser engolida pela direita reacionária e golpista
por Ciro Gomes
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publicado
04/08/2013 10:08
Marcelo Camargo/ABr
Ao pensar em nossos
desafios presentes e futuros, tento entender as perplexidades que
fizeram, em pouco mais de uma década, nossa militância progressista e de
esquerda deixar de ser estilingue, baladeira para os cearenses, e
tornar-se vitrine. O moralismo de goela, é indisfarçável, virou-se
contra seus apologistas e desde o assim chamado “mensalão” o grosso da
militância de esquerda apanha no canto do ringue com a denúncia
multifacetada da corrupção, para ficar no exemplo mais malcheiroso.
Não é só isso. Valores
como ordem, segurança pública, austeridade fiscal e comportamental,
eficiência, juntam-se à moralidade como temas que foram ou têm sido
usurpados pela direita reacionária, sem que a nossa militância de
esquerda reaja ou até mesmo se dê conta. Na verdade, ainda estamos sob a
influência de uma geração que viu esses valores serem agitados pelo
pensamento golpista, quando não truculento, para justificar a ruptura da
ordem democrática e do Estado de direito e as violações chocantes das
mínimas liberdades e franquias inerentes ao ser humano. Compreende-se,
portanto. Não se justifica mais, entretanto, sob pena de desertarmos da
agenda popular e cairmos de novo no equívoco de transferir valores
universais e progressistas à militância reacionária. Pior, sob pena de
pautarmos nossa prática pela forma vesga com que o mundo conservador
interpreta esses valores como creio, comovidamente, que fazemos hoje.
Tomemos a forma com que, perplexa e
atabalhoadamente, boa parte de nossas autoridades reagiu à violência
física de pequenos grupos protofascistas infiltrados nas manifestações
populares. Uma forçada tolerância, uma inibição desrespeitosa da
polícia, um descumprimento generalizado da lei que, ao lado de garantir
plena liberdade de manifestação, garante também o direito de ir e vir
nas vias públicas, a incolumidade de seus patrimônios públicos ou
privados, a inviolabilidade do domicílio, mesmo que seja de um político
impopular, a eleição de prioridades por aqueles que têm legitimidade
para tanto controladas pelas instituições da democracia. Crimes de ação
pública cometidos à frente das câmeras de tevê, em vez de resultarem no
devido procedimento legal, trazem integrantes politiqueiros, felizmente
ínfima minoria, do Ministério Público à ribalta com um discurso de
demagogia pura, enquanto pequenos comerciantes choram impotentes a
destruição de suas lojas e ao assalto de suas mercadorias.
Daqui a pouco, e em meio às
manifestações já surgiram os primeiros cartazes, o povo começará a
chamar de volta os militares. Ou nossa demagogia revogará a história
para desconhecer as imensas manifestações populares que antecederam 1964
sob o jargão da Marcha com Deus e a Liberdade? Estamos muito longe
disso, claro, mas minha reflexão é sobre valores. E esses só se afirmam
na militância permanente e no exemplo.
Ao transpor essa mesma
inquietação para a administração pública, de novo encontramos a
perplexidade a nos colocar cada vez mais distantes do clamor popular. Ao
lado da saúde, o desejo generalizado da família brasileira em toda
parte é uma resposta à explosão relativamente recente dos indicadores de
violência, especialmente dos assaltos à mão armada e dos homicídios.
Incrível. Não há uma única iniciativa institucional ou administrativa
que guarde a mais remota coerência ou proporção com a agenda do medo que
se dissemina pelo País afora. No nosso vácuo, ideias toscas ganham
popularidade imensa. A redução da maioridade penal ou a pena de morte
são as respostas da reação. E as nossas?
Na economia não
é diferente. Ao contrário, aqui se pratica o crime perfeito. Ou a
tentativa dele. O mundo reacionário colocou a esquerda quase toda na
defensa e prática de seu modo de interpretar o equilíbrio fiscal,
austeridade monetária e integração internacional. Aqui a tragédia
cobrará um preço histórico. O atual e inexplicável aumento de meio ponto
porcentual na taxa de juros gera uma excedente no gasto corrente do
País de cerca de 8 bilhões de reais por ano.
Valores... Coordenação
estratégica do governo, iniciativa privada e academia para executar um
projeto pactuado de desenvolvimento. Substituição de importações,
compras governamentais, desenvolvimento regional, legislação antitruste,
crítica aos atuais marcos de propriedade intelectual e remessa de
lucros... Heresia pura?
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