8.04.2013

COTAS RACIAIS EM SÃO PAULO, SIM!

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 “É passada a hora de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios em que se transformaram as universidades públicas paulistas. Não é possível aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos, permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso estado.”
Douglas Belchior*
DSCF4032Nesta última quinta-feira, dia 1 de agosto, a Frente Pró Cotas Raciais de São Paulo, espaço de articulação que reúne os movimentos negros paulistas, movimentos sociais, estudantis e sindicais comprometidos com o combate ao racismo lançaram oficialmente a Campanha Estadual de Coleta de Assinaturas para o Projeto de Iniciativa Popular de Cotas Raciais e Sociais nas Universidades Públicas Paulistas. A cerimônia, com caráter de ATO político, aconteceu na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco no centro de São Paulo, e reuniu cerca de 150 lideranças, ativistas e estudantes.
A proposta defendida pelos movimentos foi construída após dois meses de longos debates de um grupo de trabalho formado por representantes dos movimentos negros e sociais, incumbido da tarefa de reformular o texto do PL 530/04 que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo – Alesp. De acordo com o novo texto, as universidades públicas devem garantir 55% de Cotas, sendo elas assim divididas: 25% para candidatos autodeclarados negros e indígenas; 25% para candidatos oriundos da rede pública de ensino, sendo que deste percentual, 12,5% reservado para estudantes cuja renda familiar per capta seja igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo; e 5% para candidatos com deficiência, nos termos da legislação em vigor.
A meta inicial da campanha é reunir 200 mil assinaturas até o mês de Novembro deste ano, quando durante as comemorações do Mês da Consciência Negra, pretende-se protocolar junto à Alesp a proposta com a força política e o apoio formal destes 200 mil eleitores paulistas.
Histórico
O atraso em relação a questões sociais e o viés conservador e elitista de seus governos, parece sem dúvida a marca registrada do Estado de São Paulo. Após a participação do Brasil na Conferência Internacional Contra o Racismo em Durban, no ano de 2001, apenas em 2006 uma das universidades públicas paulistas reagiu à necessidade da adesão a políticas de acesso, ainda que timidamente.
Naquele ano a USP aprovou, sob protestos do movimento negro e social, um plano de bonificação para estudantes de escolas públicas em seus vestibulares, batizado como INCLUSP –  Programa de Inclusão da USP, iniciativa insuficiente segundo os movimentos, para garantir o acesso de negros naquele espaço. Com o passar dos anos a tese foi confirmada. Números divulgados em 2011 demonstraram, por exemplo, que entre 2007 e 2011, apenas 12 estudantes pretos haviam acessado o curso de medicina da USP! (1)
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A partir daí, a luta por Cotas Raciais se intensificou no Estado. Unicamp e Unesp, cada qual a sua maneira, iniciaram programas tão tímidos quanto o da USP. O posicionamento das reitorias destas instituições, bem como a dos governos do PSDB, sempre foram radicalmente contrários às Cotas Raciais nestas Universidades, na contramão do que se desenvolveu pelo restante do país.
Com o avanço das políticas de Cotas pelo Brasil afora e seus incontestáveis resultados, e apesar do embate travado pelas elites brasileiras que colocaram seu aparato de comunicação a serviço de combate-las (2), em Abril de 2012 o STF declarou sua constitucionalidade quando já àquela altura cerca de uma centena de universidades públicas brasileiras haviam experimentado algum tipo de iniciativa inclusiva.
Com o ânimo renovado pelo resultado unânime do STF a favor das Cotas Raciais e fortalecidos pela aprovação da Lei que instituiu Cotas Raciais nas Universidades Federais, organizações negras e sociais articularam a formação da FRENTE PRÓ COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO.(3)
Surgiram então iniciativas importantes de pressão aos deputados estaduais no sentido da aprovação do PL 530/2004, a mais antiga e representativa proposta de Cotas que tramita ainda hoje na ALESP. Foram promovidas audiências públicas, dezenas de debates em universidades, escolas e associações, bem como uma infinidade de protestos e Atos.(4)
Ainda em Maio/12, a partir da adesão de professores uspianos à Frente Pró Cotas, com destaque para o Professor de Direito Dr. Marcus Orione, a Faculdade de Direito da USP aprovou, em seu Conselho Geral, a orientação para que a USP aprovasse Cotas Raciais; Em Junho/12 representantes da Frente Pró Cotas Raciais promoveram intervenção e exigiram do Colégio de Líderes da Alesp que aprovassem o PL de Cotas Raciais nas Universidades Públicas de Sao Paulo. (5)(6)
Nas semanas seguintes, em reunião do Conselho Universitário na USP, com a presença de representantes da Frente Pró-Cotas Raciais, fora debatida a necessidade de adoção às Cotas Raciais e encaminhada as intenções daquele conselho em instituir um grupo de estudos com participação da sociedade civil, para a apresentação de uma proposta de Cotas Raciais para a USP.(7)(8)
Setembro, Outubro e Novembro de 2012 foram marcados pela agenda eleitoral e pela onda de violência que assustou São Paulo. Os movimentos negros voltaram suas atenções às chacinas e ao assassinato indiscriminado de jovens negros pelas milícias e, enquanto se promovia protestos e denúncias do governo Alckmin, a popularidade do governador era profundamente abalada.
Como resposta, Alckmin lança no final de Novembro e início de Dezembro uma agenda positiva que reuniu inauguração de postos de alimentação e viagens a cidades do interior. É nesse contexto que surge a proposta do PIMESP – Plano de Inclusão com Mérito para as Universidades Públicas de São Paulo.
Em resumo, esse plano não previa a garantia de acesso, mas apenas um conjunto de ações que incluía os já existentes – e ineficazes – programas de bonificação presentes nas três universidades, somadas à ideia do “College”, esse dirigido apenas aos cotistas de menor média no vestibular. Tal proposta previa a criação de um curso de “fortalecimento pedagógico e acadêmico” à distância, o que na prática reforçaria a discriminação, isolando os alunos da convivência no ambiente universitário. Após dois anos, desde que atingissem metas de notas, aí então teriam chance de acessar algum curso dessas universidades.
481243_461697247192275_326242249_nO Movimento Negro reagiu. A Frente Pró Cotas organizou um Manifesto Contra o Pimesp e a favor de Cotas Raciais, que reuniu centenas de adesões de personalidades e instituições. (9)
Após a realização de intensas mobilizações, fora instituído o grupo de trabalho que reformulou o texto do projeto de lei que voltou a tramitar na Alesp e que, sobretudo, é o objeto da campanha lançada neste 1 de Agosto. (10)(11)(12)
Muito embora a Unesp tenha aderido ao Pimesp e Unicamp até o momento não tenha o confirmado, na USP o PIMESP foi derrotado e substituído por uma reforma no velho Inclusp, com a criação de um bônus de 5% para estudantes negros oriundos de escolas públicas. Mais uma maquiagem inaceitável que em nada garante o acesso de estudantes negros nos bancos universitários. (13)
É passada a hora de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios em que se transformaram as universidades públicas paulistas. Não é possível aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos, permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso estado.
Acesse o site da UNEafro-Brasil, saiba mais detalhes, baixe os documentos e participe da campanha!

*Douglas Belchior é professor de História e integrante da UNEafro Brasil
Links – Fontes:
(1)   NÚMEROS DO INCLUSP
(2)   ELITES BRASILEIRAS CONTRÁRIAS AS COTAS RACIAIS
(3)   FORMAÇÃO DA FRENTE PRÓ COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
(4)   AUDIÊNCIA PÚBLICA ALESP 2012
(5)   FACULDADE DE DIREITO DA USP APOIA APROVA COTAS RACIAIS
(6)   COLÉGIO DE LÍDERES DA ALESP

(7)   CONSELHO UNIVERSITÁRIO USP – 1
(8)   CONSELHO UNIVERSITÁRIO USP – 2
(9)   MANIFESTO CONTRA O PIMESP E A FAVOR DAS COTAS RACIAIS
(10) PLENÁRIA DA FRENTE PRO COTAS: Fonte 1Fonte 2
(11) LANÇAMENTO DO GT PARA REFORMULAÇÃO DO TEXTO DO PL COTAS
(12) GT ENTREGA NO TEXTO DO PL DE COTAS - NOVO PROJETO DE COTAS 
(13) REFORMA NO INCLUSP – 5% DE BÔNUS

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