Hospital carioca usa ataduras e iniciativa “canguru” para aproximar os pais de recém-nascidos que estiveram na UTI
Depois de nove meses de espera, o momento mais aguardado
para os pais é aquele no qual eles podem conhecer o rosto de seus
filhos, tocar e entrar em contato com aquela criança que esteve
protegida na barriga da mãe durante toda a gestação. Para muitos pais,
esse é o momento no qual começa a se criar o vínculo com o
recém-nascido. Para outros, a experiência acaba sendo adiada.
Algumas crianças precisam de cuidados especiais logo
depois que nascem. Seja por problemas de saúde, no parto, na gestação.
Para se recuperarem e irem bem para casa, alguns bebês precisam passar
um tempo pela UTI do hospital. E nesse momento, não é possível um
contato muito próximo com os pais. Por problemas no parto, o filho de
Carlos Vinícius da Silva, Heitor, precisou ir para a UTI Neonatal do
Hospital Estadual Rocha Faria, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, logo
após o nascimento.
Ainda na incubadora, Carlos foi incentivado pela
enfermeira a ter mais contato com o filho. “Só pude tocá-lo com a
incubadora. Ela dizia que era importante. Eu não acreditava muito que
faria diferença para ele tão pequenininho, mas eu notava que cada dia
que eu passava lá, ele melhorava um pouco”, afirma. Quando o filho foi
transferido para a Unidade Intermediária, Carlos foi convidado a
participar de um projeto especial do hospital: o Pai Canguru. Com isso,
passou a fazer mais visitas ao hospital e ter um contato maior com o
neném.
O Pai Canguru consiste em um contato pele a pele entre o
recém-nascido e o pai. Por pelo menos 15 minutos diários, os dois ficam
próximos, unidos com ataduras, e recuperam o “tempo perdido” pelo
afastamento da UTI. “É muito emocionante, chorei igual criança”,
relembra Carlos sobre o primeiro dia da aproximação. “Não parece que é
muita coisa, mas a criança sente. Ela responde aos estímulos. Eu
acariciava, tocava nele, conversava com ele e falava ‘vai ficar tudo
certo!’ e ele respondia com um sorriso”, completa.
A coordenadora da UTI e UI do Hospital Estadual Rocha
Faria, Angelica Svaiter, diz que um dos objetivos do projeto é “fazer
uma família”. Com um número maior de partos de adolescentes, ela acha
importante aproximar o pai de todo o processo e passar para a mãe o
sentimento de amparo. “O Ministério da Saúde preconiza sempre o vínculo
afetivo entre mãe e filho, e faz um tempo que a gente vem preconizando a
família. Como a cada dia mais temos partos de gestantes adolescentes, e
as meninas ficam sozinhas, a gente conseguiu agregar o pai. A gente faz
uma família”, explica. Mas o processo é importante para as mães de
todas as idades, não apenas para as mais jovens. “A mãe se sente apoiada
e o pai passa a vivenciar o momento. E quando você começa a fazer essa
integração dentro de uma unidade hospitalar, já se cria o vínculo”,
completa. Segundo Svaiter, com o projeto, o bebê apresenta uma evolução
melhor, uma recuperação mais rápida e o ganho de peso é mais notado. Pai
participante da iniciativa, Carlos concorda. “Você vê melhora no seu
filho. Quando você vai pegá-lo de novo, sente que ele está melhor. Ele
te olha com mais confiança, sabe que vai ficar tudo bem”, se emociona.
Para participar do Pai Canguru, os bebês precisam
apresentar boas condições de saúde. Não podem estar em uso de oxigênio
ou punção venosa, apenas com acesso venoso de tratamento. A criança
precisa também estar sendo alimentada pela via oral e sem distúrbios
respiratórios. Inicialmente o contato é feito por 15 minutos, mas esse
tempo pode aumentar para meia hora e ser intercalado com a mãe. É
preciso ver a reação da criança e quanto tempo ela suporta. O trabalho é
realizado e acompanhado de perto pela equipe multidisciplinar do
hospital, e acontece desde o segundo semestre de 2013. Há 15 dias no
projeto, Carlos já fica com o filho inclusive para acalmá-lo antes da
amamentação, com o apoio da mãe, que precisou passar um tempo no CTI
logo após o parto. “É uma gratificação muito grande”, afirma. Segundo a
coordenadora da UTI, o pai se sente acolhido pelo projeto e é um “ganho
familiar”.
Pai de uma menina, Cecília, o paranaense André Freitas
não teve o mesmo contato com a filha após o nascimento. Por alguns
problemas de saúde, Cecília precisou passar um tempo na UTI após o
parto, em um hospital do Paraná, e Freitas reclama da falta de acesso à
filha e informações sobre o estado da criança. “O período que ela ficou
na UTI foi triste, e também pode-se dizer revoltante. Não sabíamos de
quase nada. A aproximação praticamente não existiu. Se não me engano,
podíamos ver ela uma vez por dia, praticamente sem contato”, relembra.
Freitas reclama da falta de informação e de humanização do momento da
filha, e acredita que projetos como o Pai Canguru podem ajudar a
fortalecer o vínculo. “Se tivesse a oportunidade, participaria”, afirma.
Angelica Svaiter aposta no valor que a humanização do
parto e dos momentos que se seguem podem trazer à vida da criança. “Eu
faço UTI há 24 anos, neste mesmo serviço. Você vê diferentes evoluções.
Mas a gente sente que quando essa criança tem o apoio
familiar, o desenvolvimento dela, o metabolismo é acelerado. Não é um
trabalho de literatura, é um trabalho de observação. E nessas
observações você vê que as crianças evoluem”, diz.
O hospital fica em uma área da zona oeste do Rio de
Janeiro que atende famílias com menor poder aquisitivo. Segundo a
profissional, a humanização da gestação e do parto dá mais suporte para
as famílias de baixa renda, que se sentem mais acolhidas. Os pais são
convidados a participarem na hora do parto, quando este é normal, e
podem ficar com as mães no alojamento conjunto. “É um projeto
pequenininho, começando. Mas se cada um de nós fizer um pouquinho, a
população fica mais bem assistida. São muitas doenças por falta de apoio
e carinho”, afirma Svaiter.
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