O presidente do STF, Joaquim Barbosa, anuncia aposentadoria em junho e diz que se dedicará apenas a proferir palestras e cuidar da saúde. Mas é inegável que o capital político acumulado por ele nos últimos anos o credencia para voos mais altos
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Como todo bom
político, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, fez
o possível para criar uma cena de impacto. Na quinta-feira 29, quebrou
um suspense – longamente preparado – ao anunciar sua saída da mais alta
corte de Justiça do país, onze anos antes do prazo legal de permanência
na instituição. Joaquim foi mais ou menos bem sucedido. Ao confirmar a
decisão à presidenta Dilma Rousseff, logo pela manhã, Barbosa encontrou
uma interlocutora que já fora informada da novidade na segunda-feira 26.
Neste mesmo dia, ela transmitiu a informação para os ministros mais
próximos, exigindo sigilo absoluto. Depois de uma conversa rápida e
amena com a presidenta, na qual anunciou sua maior prioridade nas
próximas semanas – “assistir aos jogos da Copa do Mundo” – Joaquim tomou
o rumo para o Congresso, onde encontrou interlocutores desprevenidos.
TENTAÇÃO DAS URNAS
Sem os limites impostos pela toga, Joaquim Barbosa pode desempenhar
papel relevante na vida política nacional
Sem os limites impostos pela toga, Joaquim Barbosa pode desempenhar
papel relevante na vida política nacional
O ainda presidente do STF entrou no
gabinete de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, com ar
descontraído. Renan temia uma discussão árida sobre temas espinhosos,
como a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral de modificar a
distribuição de cadeiras de deputado federal, medida que o Congresso
define como um acinte às suas prerrogativas constitucionais. Mas Joaquim
logo avisou que a pauta era outra. Diante de um Renan que custava a
vencer a própria incredulidade, disse que estava cansado, que trataria
melhor da saúde sem se preocupar com compromissos do tribunal e
agradeceu a boa convivência entre os Poderes. Perguntado sobre seu
futuro, Joaquim reagiu como fazem os políticos. Negou, é claro, que
tivesse projetos com atividade partidária. Foi ainda mais explícito na
conversa seguinte, quando se encontrou com Henrique Eduardo Alves,
presidente da Câmara de Deputados.
Sem possibilidade legais de entrar no
pleito de 2014, negou ter planos de disputar qualquer eleição em pleitos
futuros – o calendário marca 2016, uma eleição municipal, e 2018,
quando até a presidência da República estará em jogo nas urnas. Explicou
também que pretende aproveitar as horas de folga para cuidar da saúde,
voltando a mencionar as célebres dores lombares que tantas polêmicas
provocaram nos meses anteriores ao julgamento da AP 470. Também disse
que pretende reforçar o orçamento doméstico fazendo conferências e
consultorias jurídicas pelo País. Quando falou nas palestras, Joaquim
chegou a mencionar que hoje elas fazem parte da agenda do ex-presidente
Lula.
O meio político, no entanto, aguarda os
próximos passos de Barbosa com ansiedade. Afinal, ninguém duvida do
capital político acumulado pelo presidente do STF nos últimos anos,
sobretudo a partir do desempenho demonstrado durante o julgamento do
mensalão. Sua popularidade é atestada pelas recentes pesquisas de
opinião, nas quais atinge facilmente os dois dígitos em intenções de
voto. Nas conversas ao longo da semana, Barbosa nada anunciou que um
político sem partido, e sem condições de entrar na corrida por cargos
eletivos em 2014, não pudesse fazer. Nada que possa impedir sua
aparição repentina durante a campanha presidencial. Na atual conjuntura
política, é certo que Barbosa seria um eleitor e tanto para qualquer
candidato. Apesar de o presidente do STF, nos últimos tempos, ter
tratado a presidenta com a deferência exigida pelo cargo, Planalto age
como gato escaldado. Não por acaso, entre aliados do governo Dilma,
Barbosa é chamado como “Ronaldo Fenômeno 2”. Eles se referem ao
craque-empresário que, em apenas uma semana, abandonou a postura neutra
de membro do Comitê Organizador Local, declarou que sentia vergonha dos
preparativos da Copa e depois anunciou que iria votar no candidato
tucano Aécio Neves. Fora do Supremo, nada impedirá Joaquim Barbosa,
então um cidadão comum com os mesmos direitos que os 200 milhões de
brasileiros, de subir no palanque e dizer em quem vai votar.
A grande questão é que, independentemente
do que diga o presidente do STF, sua entrada na política é considerada o
caminho natural, mesmo que ele não seja efetivamente um candidato. O
afastamento do STF previsto para o fim de junho, quando se inicia o
recesso do Judiciário, deixará Barbosa livre para declarar suas posições
políticas sem o peso da responsabilidade imposto pela toga de ministro.
Poderá ser, sem dúvidas, um contraponto importante no xadrez eleitoral e
alvo de cobiça dos partidos, especialmente os de oposição. O PSB de
Eduardo Campos e o PSDB de Aécio Neves já sonham com sua adesão.
O comportamento pregresso de Joaquim
Barbosa reforça as impressões em Brasília de que ele poderá exercer um
papel muito mais relevante na vida política nacional e fazer muito mais
do que apenas “proferir palestras, prestar consultorias, descansar,
assistir à Copa e cuidar da saúde”. Não é de agora que o magistrado
demonstra especial cuidado e apreço pela sua imagem pública. Na
presidência do Supremo, montou uma equipe para acompanhar a repercussão
de suas posições em plenário, confirmando aquilo que era possível
perceber por intuição: a disposição para criticar colegas e outras
categorias do Judiciário fizeram do ministro referência no ataque a
privilégios, como o de advogados que atuam em tribunais superiores como
juízes, e os filhos de ministros de Cortes que atuam como advogados.
Celebrizado pelo mensalão e pelo empenho pessoal em atropelar a constituição, com o propósito de
levar para a cadeia figuras influentes do PT e desafiando as legislação,
Joaquim Barbosa também levou ao plenário outros casos que discutiam a
prisão de políticos. Relator do caso do falecido ex-governador Ronaldo
Cunha Lima, acusado de assassinar um rival político, que conseguiu levar
o caso para tribunais inferiores ao renunciar a um mandato eleitoral de
deputado, Barbosa tornou-se adversário duro da tentativa de
parlamentares de usar toda sorte de recursos para escapar do julgamento
em foro privilegiado, como aconteceu com Cunha Lima.
Enquanto no meio político a aposentadoria
de Joaquim Barbosa alimenta especulações e provoca um misto de
expectativa e apreensão sobre o papel que o magistrado desempenhará
depois de junho, quando deixar oficialmente o STF, no âmbito jurídico a
sensação é outra. Em pouco mais de uma década no Supremo, Joaquim
colecionou desafetos entre magistrados, advogados e os próprios colegas.
Daí, sua aposentadoria ter sido recebida com certo alívio por muitas
carreiras. “A magistratura não sentirá saudades”, disse o presidente da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo. “Ele vai
deixar como marca, a arrogância e o destempero”, comentou o advogado
Carlos Alberto de Almeida, o Kakay.
No STF, ministros mais críticos dizem que
ao longo dos anos ele trocou a preocupação com o cumprimento das leis
pela corte à opinião das ruas. Durante o julgamento do mensalão, Barbosa
acusou o revisor da ação penal 470, Ricardo Lewandowski, de atuar em
defesa dos réus e trabalhar pela impunidade. Anos antes, Barbosa acusara
o ministro Gilmar Mendes de ter capangas, e o então presidente da Corte
Cezar Peluso de manipular processos, de ser preconceituoso e caipira.
Entre um bate-boca e outro, Barbosa atacou políticos e fez um esforço
considerável para que eles sentissem os rigores da lei. Suas declarações
ganharam a mídia e as redes sociais. Na maioria dos casos, as respostas
da população foram altamente positivas para sua imagem pública. Ou
seja, tudo o que um político mais anseia.
Foto: Adriano Machado, RENATO ARAUJO/ABR
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