6.01.2014

Nasce um novo político

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, anuncia aposentadoria em junho e diz que se dedicará apenas a proferir palestras e cuidar da saúde. Mas é inegável que o capital político acumulado por ele nos últimos anos o credencia para voos mais altos

Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)

Como todo bom político, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, fez o possível para criar uma cena de impacto. Na quinta-feira 29, quebrou um suspense – longamente preparado – ao anunciar sua saída da mais alta corte de Justiça do país, onze anos antes do prazo legal de permanência na instituição. Joaquim foi mais ou menos bem sucedido. Ao confirmar a decisão à presidenta Dilma Rousseff, logo pela manhã, Barbosa encontrou uma interlocutora que já fora informada da novidade na segunda-feira 26. Neste mesmo dia, ela transmitiu a informação para os ministros mais próximos, exigindo sigilo absoluto. Depois de uma conversa rápida e amena com a presidenta, na qual anunciou sua maior prioridade nas próximas semanas – “assistir aos jogos da Copa do Mundo” – Joaquim tomou o rumo para o Congresso, onde encontrou interlocutores desprevenidos.
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Sem os limites impostos pela toga, Joaquim Barbosa pode desempenhar
papel relevante na vida política nacional
O ainda presidente do STF entrou no gabinete de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, com ar descontraído. Renan temia uma discussão árida sobre temas espinhosos, como a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral de modificar a distribuição de cadeiras de deputado federal, medida que o Congresso define como um acinte às suas prerrogativas constitucionais. Mas Joaquim logo avisou que a pauta era outra. Diante de um Renan que custava a vencer a própria incredulidade, disse que estava cansado, que trataria melhor da saúde sem se preocupar com compromissos do tribunal e agradeceu a boa convivência entre os Poderes. Perguntado sobre seu futuro, Joaquim reagiu como fazem os políticos. Negou, é claro, que tivesse projetos com atividade partidária. Foi ainda mais explícito na conversa seguinte, quando se encontrou com Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara de Deputados.  
Sem possibilidade legais de entrar  no pleito de 2014, negou ter planos de disputar qualquer eleição em pleitos futuros – o calendário marca 2016, uma eleição municipal, e 2018, quando até a presidência da República estará em jogo nas urnas. Explicou também que pretende aproveitar as horas de folga para cuidar da saúde, voltando a mencionar as célebres dores lombares que tantas polêmicas provocaram nos meses anteriores ao julgamento da AP 470. Também disse que pretende reforçar o orçamento doméstico fazendo conferências e consultorias jurídicas pelo País. Quando falou nas palestras, Joaquim chegou a mencionar que hoje elas fazem parte da agenda do ex-presidente Lula.
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O meio político, no entanto, aguarda os próximos passos de Barbosa com ansiedade. Afinal, ninguém duvida do capital político acumulado pelo presidente do STF nos últimos anos, sobretudo a partir do desempenho demonstrado durante o julgamento do mensalão. Sua popularidade é atestada pelas recentes pesquisas de opinião, nas quais atinge facilmente os dois dígitos em intenções de voto. Nas conversas ao longo da semana, Barbosa nada anunciou que um político sem partido, e sem condições de entrar na corrida por cargos eletivos em 2014, não pudesse fazer.  Nada que possa impedir sua aparição repentina durante a campanha presidencial. Na atual conjuntura política, é certo que Barbosa seria um eleitor e tanto para qualquer candidato. Apesar de o presidente do STF, nos últimos tempos, ter tratado a presidenta com a deferência exigida pelo cargo, Planalto age como gato escaldado. Não por acaso, entre aliados do governo Dilma, Barbosa é chamado como “Ronaldo Fenômeno 2”. Eles se referem ao craque-empresário que, em apenas uma semana, abandonou a postura neutra de membro do Comitê Organizador Local, declarou que sentia vergonha dos preparativos da Copa e depois anunciou que iria votar no candidato tucano Aécio Neves. Fora do Supremo, nada impedirá Joaquim Barbosa, então um cidadão comum com os mesmos direitos que os 200 milhões de brasileiros, de subir no palanque e dizer em quem vai votar.
A grande questão é que, independentemente do que diga o presidente do STF, sua entrada na política é considerada o caminho natural, mesmo que ele não seja efetivamente um candidato. O afastamento do STF previsto para o fim de junho, quando se inicia o recesso do Judiciário, deixará Barbosa livre para declarar suas posições políticas sem o peso da responsabilidade imposto pela toga de ministro. Poderá ser, sem dúvidas, um contraponto importante no xadrez eleitoral e alvo de cobiça dos partidos, especialmente os de oposição. O PSB de Eduardo Campos e o PSDB de Aécio Neves já sonham com sua adesão.
O comportamento pregresso de Joaquim Barbosa reforça as impressões em Brasília de que ele poderá exercer um papel muito mais relevante na vida política nacional e fazer muito mais do que apenas “proferir palestras, prestar consultorias, descansar, assistir à Copa e cuidar da saúde”. Não é de agora que o magistrado demonstra especial cuidado e apreço pela sua imagem pública. Na presidência do Supremo, montou uma equipe para acompanhar a repercussão de suas posições em plenário, confirmando aquilo que era possível perceber por intuição: a disposição para criticar colegas e outras categorias do Judiciário fizeram do ministro referência no ataque a privilégios, como o de advogados que atuam em tribunais superiores como juízes, e os filhos de ministros de Cortes que atuam como advogados.
Celebrizado pelo mensalão e pelo empenho pessoal em atropelar a constituição,  com o propósito  de levar para a cadeia figuras influentes do PT e desafiando as legislação, Joaquim Barbosa também levou ao plenário  outros casos que discutiam a prisão de políticos. Relator do caso do falecido ex-governador Ronaldo Cunha Lima, acusado de assassinar um rival político, que conseguiu levar o caso para tribunais inferiores ao renunciar a um mandato eleitoral de deputado, Barbosa tornou-se adversário duro da tentativa de parlamentares de usar toda sorte de recursos para escapar do julgamento em foro privilegiado, como aconteceu com Cunha Lima.
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Enquanto no meio político a aposentadoria de Joaquim Barbosa alimenta especulações e provoca um misto de expectativa e apreensão sobre o papel que o magistrado desempenhará depois de junho, quando deixar oficialmente o STF, no âmbito jurídico a sensação é outra. Em pouco mais de uma década no Supremo, Joaquim colecionou desafetos entre magistrados, advogados e os próprios colegas. Daí, sua aposentadoria ter sido recebida com certo alívio por muitas carreiras. “A magistratura não sentirá saudades”, disse o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo.  “Ele vai deixar como marca, a arrogância e o destempero”, comentou o advogado Carlos Alberto de Almeida, o Kakay.
 No STF, ministros mais críticos dizem que ao longo dos anos ele trocou a preocupação com o cumprimento das leis pela corte à opinião das ruas. Durante o julgamento do mensalão, Barbosa acusou o revisor da ação penal 470, Ricardo Lewandowski, de atuar em defesa dos réus e trabalhar pela impunidade. Anos antes, Barbosa acusara o ministro Gilmar Mendes de ter capangas, e o então presidente da Corte Cezar Peluso de manipular processos, de ser preconceituoso e caipira. Entre um bate-boca e outro, Barbosa atacou políticos e fez um esforço considerável para que eles sentissem os rigores da lei. Suas declarações ganharam a mídia e as redes sociais. Na maioria dos casos, as respostas da população foram altamente positivas para sua imagem pública. Ou seja, tudo o que um político mais anseia.
Foto: Adriano Machado, RENATO ARAUJO/ABR

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