Soluções individuais focadas nos adultos gordos não resolverão a epidemia de obesidade
Uma pergunta desse tipo foi feita pela Ipsos (sob encomenda da Phillips) em vários países, e a resposta em cada um deles foi diferente. No Brasil, de acordo com a pesquisa, as pessoas se sentem menos responsáveis pela própria saúde do que os americanos e os chineses. De que fatores será que os brasileiros acreditam que sua saúde depende? Será que é do SUS? Dos laboratórios farmacêuticos? Do salário? Da sorte? Dos pais?
Eu gostaria de perguntar se o brasileiro se sente responsável por seu aumento de peso. Essa é uma questão importante para a prevenção e o tratamento da obesidade. A ciência está atrás de diversas hipóteses para as causas e estratégias de combate, e nem todas elas põem a responsabilidade toda em cima de quem engordou. Em geral, a maior parte das evidências científicas mostra que não engordar depende em grandíssima parte da vontade do sujeito. Afinal, as pessoas adultas costumam comer o que querem, não o que mandaram comer. Fazer exercícios ou não também é, grande parte das vezes, uma questão de vontade. Mas há suspeitas – e algumas evidências – de que as pessoas não estão no controle de todos os fatores que levam ao aumento de peso. Especialmente quando essas pessoas ainda são crianças e ainda não tomam decisões por si mesmas.
No mês passado aconteceu a décima primeira edição do congresso internacional de obesidade em Estocolmo, Suécia. Centenas de estudos foram apresentados, vindos de universidades de vários países, inclusive o Brasil, todos em busca de respostas para combater essa epidemia que traz mais doenças e mortes. Eu não estive lá, mas tive acesso à revista com os resumos de todos os estudos. Selecionei dentre eles três revisões científicas, com hipóteses sobre os determinantes precoces da obesidade, para compartilhar com vocês.
A primeira se debruça sobre os possíveis efeitos dos disruptores endócrinos, substâncias encontradas numa infinidade de produtos que usamos cotidianamente e que, segundo estudos, alteram o sistema hormonal do nosso corpo e podem ter efeitos nefastos sobre nossa saúde. Uma reportagem de ÉPOCA publicada em maio abordou os perigos dessas substâncias. Uma delas é o bisfenol, que está até em mamadeiras de plástico. Parece assustador, não? A dinamarquesa Tina Kold Jensen, que estava no congresso em Estocolmo, lembra que evidências crescentes indicam que a exposição a esses poluentes ambientais pode ter um papel no crescimento da obesidade. Ela diz que “químicos disruptores endócrinos são largamente detectados em alimentos devido à contaminação por materiais usados no processamento e na embalagem, ou por biocacumulação na cadeia alimentar.” O bisfenol das mamadeiras já foi detectado no leite artificial das crianças após o aquecimento. Jensen aumenta o medo quando diz que esses contaminantes se acumulam nos tecidos gordurosos do corpo, “o que é muito preocupante agora que se sabe que a gordura corporal não é um mero estoque de triglicérides, mas uma glândula crucialmente envolvida na regulação de energia”. Jensen diz ainda que “estudos com animais sugerem que a exposição a pequenas doses dessas substâncias por meio da dieta durante períodos de vulnerabilidade (como os fetos na gestação) pode aumentar o risco de obesidade na vida adulta”. Será que ter contato diário com substâncias presentes em certos plásticos é suficiente para nós, mulheres, produzirmos filhos que serão obesos? Pena que os estudos com humanos ainda são poucos para comprovar essa tese.
O segundo artigo que selecionei aborda o papel do aleitamento materno na prevenção da obesidade, em oposição ao uso de fórmulas infantis (de novo a mamadeira atrapalhando). Aliás, eu já tinha abordado esse tema aqui na coluna. A pesquisadora A. Palou, da Espanha, investigou a participação do hormônio leptina (que modula o apetite) nos benefícios do leite do peito, usando ratos e humanos. Em ratos, Palou observou o efeito da suplementação oral de leptina no apetite dos filhotes em idade de mamar: a leptina extra diminuiu a quantidade de leite ingerido e melhorou os fatores protetores da obesidade, como sensibilidade à insulina e a própria produção de leptina. Já nos estudos com humanos essa relação não foi tão direta. A tese de Palou é que, sendo a leptina “um nutriente essencial durante o período pós-natal, uma maior predisposição à obesidade será impressa no organismo quando a dieta for relativamente deficiente (no caso de fórmulas infantis substituírem o leite materno), elevando o risco de desenvolver a obesidade e complicações relacionadas na vida adulta”. Será que posso entender isso como uma redução da culpa para filhos de mães que não conseguiram ou não quiseram amamentar muito?
A responsabilidade materna é que parece crescer com essas evidências científicas que trazem para cada vez mais cedo o início do problema. O terceiro artigo sobre os determinantes precoces da obesidade fala da programação intrauterina da formação de gordura corporal. O especialista em diabetes C.S. Yajnik, da Índia, diz que tem crescido a noção de que a qualidade do desenvolvimento do feto tem implicações importantes para a saúde da pessoa na vida adulta. Ou seja, não apenas a genética dos pais, mas também as condições de vida e os hábitos da mãe durante a gestação são determinantes da saúde do filho. Tanto a subnutrição quanto o excesso de calorias na dieta materna podem programar o organismo do filho para acumular mais gordura. O único jeito é ter uma dieta perfeita? Segundo Yajnik, melhorar a nutrição e a saúde das garotas (futuras mães) poderá ser uma solução intergeracional mais significativa contra a epidemia de obesidade-diabetes do que as intervenções no estilo de vida dos adultos que já são pais, como tem sido feito mais corriqueiramente. Quer dizer, a prevenção eficaz começa pelo menos uma geração antes.
Está me parecendo que a obesidade hoje é fruto de um ciclo vicioso que envolve muitas responsabilidades. Jogar toda a responsabilidade nas costas de quem já engordou e já não consegue, sozinho, perder todo o peso extra que ganhou, não vai resolver o problema das gerações futuras. Eu arriscaria dizer que esse ciclo só será quebrado quando todos os envolvidos pegarem de volta para si a responsabilidade que lhes cabe – e tomar providências para reverter o quadro. Para que as próximas gerações cresçam mais magras e saudáveis, será necessário que os governantes e legisladores, os produtores de alimentos, os urbanistas, os comunicadores, os educadores, os psicólogos, os médicos e os empresários de todo os setores também queiram promover a saúde das populações. E então poderemos perguntar o quanto cada um se sente responsável pela saúde dos outros.
Francine Lima
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