Se há uma nova ordem no mundo hoje, muito se deve à publicidade, ao fascínio que ela exerce nos jovens
Quando menino, gostava de ver comerciais de tevê. Depois passava a repeti-los como um papagaio ensinado, copiando as inflexões de atores e locutores. Eu era menino, o mundo era outro, o mundo da propaganda também. Embora a serviço das vendas de um produto, os comerciais de antanho eram algo lúdicos, mesmo ingênuos, não eram tão “agressivos” como são os de hoje. Muitos eram até bem toscos em sua produção ou criação, e isso acabava por torná-los hilários aos olhos (e ouvidos) de uma criança. Desde então acompanho comerciais de tevê com o mesmo entusiasmo com que acompanho o Campeonato Islandês de Futebol, ou seja, nenhum.
Mas propaganda na tevê é um troço que, queira ou não, você vê. Ainda mais porque os comerciais televisivos ganharam vida própria e migraram para cinemas, aeroportos e até aviões. Propaganda existe para impulsionar o consumo. O consumo – e a produção e a venda decorrentes do desejo de consumir – não é algo que aspire à ética e à correção, temos que concordar. Há hoje uma falta de escrúpulos declarada, uma tendência desbragada ao cinismo e, em muitos casos, um discurso indisfarçavelmente arrivista – “só existe quem está no topo”, parecem dizer todos.
De uns tempos para cá, voltei a reparar nos comerciais “em cartaz”. Não com o olhar lúdico e encantado de antes. Mas perplexo. Comerciais de carros parecem ser os mais hiperbólicos. Alguns têm tom épico, apoteótico. O homem moderno tem tara por carros, o brasileiro em especial, e é como se essa tara legitimasse tantos absurdos. Como este: uma mulher chega em casa, o homem cuida das crianças enquanto cozinha. Ela tem um presentinho para ele. Leva-o até a garagem, lá o espera um carro zero. O homem, de avental, fica emocionado, diz não ser merecedor… Um casal de vizinhos os espia, se entreolha. Ao fim da cena, o vizinho se retira, pede um tempo, pois “precisa ficar sozinho”... Rimos. Um riso amarelo, de constrangimento, não de graça.
A inversão de papéis soaria interessante e transgressora, isso se fosse um quadro de programa humorístico, em tom de sátira. Sendo o que é, um mero comercial – algo que existe para promover um produto, para estimular vendas e só –, o que seria crítico soa como um patético mosaico de clichês a serviço do preconceito sexista (não é novidade para ninguém que a propaganda se vale basicamente de clichês, alguns bem reciclados, outros nem tanto. A arte também tem seu repertório de clichês, a diferença é que não serve – ou pelo menos não deveria servir – a empresas ou produtos, mas unicamente ao pensamento de quem a cria – isso quando o artista tem um pensamento).
Outro comercial, veiculado à exaustão tempos atrás, fazia o elogio da diferença, dizendo assim: “Enquanto todo mundo vai a tal lugar, nós vamos a este”; “enquanto todo mundo faz isso, nós fazemos aquilo” – para, no final, convocar todos a comprarem o mesmo carro, o que, caso viesse a se concretizar, inevitavelmente os tornaria todos... iguais.
A respeito de comerciais, não questiono o talento de quem os faz ou a qualidade com que são feitos. A publicidade brasileira é reconhecidamente inventiva e premiada e há bons profissionais aos montes em ação. Mas se há uma nova ordem no mundo hoje, muito se deve à publicidade, ao fascínio que ela exerce nos jovens (não à toa, publicidade e propaganda é hoje o segundo curso mais procurado pelos vestibulandos no Brasil, atrás apenas de medicina), ao glamour que ela propaga aos quatro cantos de um país rico e miserável como o nosso, ao ideal de felicidade associado à riqueza, ao poder, à posse e à ascensão sobre os outros que ela promove. O conto de fadas da hipermodernidade é um comercial. De banco, carro, cartão de crédito, tênis... Não é preciso ser feliz para sempre, basta ser feliz agora. E já.
Zeca Baleiro
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