Ex-traficantes, jovens procuram PMs em UPPs para obter emprego formal
Rio - A implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) está mudando radicalmente a vida de jovens que antes faziam parte do mundo do crime. Com a migração dos chefes do tráfico das comunidades ocupadas para outras áreas, ‘ex-soldados’ têm procurado policiais militares ou presidentes de associações de moradores, com a expectativa de viver longe da clandestinidade. Foram os casos de dois rapazes do Morro do Andaraí, cuja UPP foi inaugurada no dia 28 de julho, que deixaram para trás armas e drogas e agora buscam emprego novo e formal.
Edna pediu ajuda ao tenente Joacir Virgílio para recuperar o filho, que atuou no tráfico no Morro do Andaraí | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
Ainda esta semana, o comandante das UPPs, coronel Robson Rodrigues, e o secretário estadual de Assistência Social, Ricardo Henriques, devem se reunir com o objetivo de elaborar um programa específico para incluir de forma imediata no mercado de trabalho jovens que deixaram o tráfico armado.
“Passei seis anos no tráfico. Perdi as contas de quantas vezes troquei tiros com a polícia, e vi meu primo ser executado do meu lado, na Rua Sá Viana. Agora, quero um emprego, um futuro diferente”, disse Paulinho da Caçapava, 22 anos, como é conhecido na comunidade. “Mesmo sabendo que ganharei bem menos do que os R$ 600 semanais da época do crime, estou disposto a recomeçar para poder sustentar meus dois filhos”.
O tenente Joacir Virgílio, subcomandante da UPP do Andaraí, foi o primeiro a conversar com um outro jovem, R., 20, que tomou a mesma decisão. “Já vínhamos procurando o R. desde a nossa chegada, devido ao alto número de denúncias enviadas pelos próprios moradores. Um dia perguntei sobre o paradeiro a uma senhora, que estava ao lado da mãe dele. Ela, então, foi até em casa e voltou com o R., que pediu a nossa ajuda”, contou.
O caso ocorreu na semana passada. R. foi levado à 20ª DP (Vila Isabel), onde verificou-se que não havia mandado de prisão contra ele. Por isso, acabou liberado e agora procura um emprego. Ontem, inclusive, entregou um currículo num supermercado da região. Pai de um filho de dois anos e com a namorada grávida de dois meses, R. espera que, com o dinheiro conquistado de forma digna, consiga arcar com as despesas familiares. Mesmo assim, o medo de sofrer qualquer tipo de represália dos antigos ‘chefões’ do crime no Morro do Andaraí continua.
“Prefiro não aparecer em fotos. Tem bairros da cidade que não frequento. Tenho medo de morrer”, limitou-se a dizer o rapaz.
A mãe dele, Edna Avelino, 47 anos, afirmou que “foi a última a saber que o filho fazia parte do tráfico de drogas”. Responsável pela criação do filho único, ela revelou que, depois de apresentar R. aos policiais, passou toda aquela noite em claro, ao lado do filho, pensando nas consequências da decisão. “Temia que nada daquilo que nos haviam dito fosse cumprido”.
Agora, o tenente Joacir Virgílio e lideranças comunitárias distribuem currículos dos dois jovens na expectativa de empregá-los o quanto antes. “Já vivenciamos a mesma experiência no Borel, Cantagalo e Ladeira dos Tabajaras”, destacou o coronel Robson Rodrigues. “Todos esses meninos, com alto risco social, estão sendo identificados e serão logo beneficiados com o novo programa. Buscaremos parcerias”, acrescenta.
A Secretaria Estadual de Assistência Social já conta hoje com sete Centros de Referência da Juventude, responsáveis por ministrar cursos de capacitação para quem abandona o tráfico.
Distância, coração apertado e lágrimas
Com lágrimas nos olhos, a mãe de R. se emociona ao falar das dificuldades para criar o filho e da mudança de comportamento dele após ingressar no tráfico. “Ele sempre foi carinhoso. Todas as noites, antes de dormir, me desejava boa noite e me dava um beijo. Isso parou de acontecer de repente”, recordou Edna.
A certeza do envolvimento do filho no tráfico veio na fase de preparação do terreno para a instalação da UPP. A casa da família chegou a ser minuciosamente revistada por policiais, após denúncias anônimas. “Meu coração ficou apertado”.
Diante da presença policial, o filho passou a morar com o pai, no bairro de Vila Valqueire, só retornando para a comunidade semana passada.
AfroReggae: ‘resgate’ em todas as favelas
O coordenador do Grupo AfroReggae, José Júnior, acredita que a retirada de jovens da criminalidade não pode depender exclusivamente das UPPs. Para ele, é preciso que o governo atue da mesma forma em pontos ainda dominados pelo poder paralelo. Ainda segundo ele, o AfroReggae sempre ‘resgatou’ meninos do crime e nunca precisou da presença policial.
Autoridades de segurança de Quênia conheceram projetos do grupo AfroReggae, em Vigário Geral | Foto: Divulgação
“Aprovo essa iniciativa, mas ela não pode ser restrita. Nos próximos dias, estou para fazer o primeiro grande resgate numa favela pacificada”, adianta.
Sexta-feira, policiais subirão o Morro do Salgueiro para a inauguração do policiamento comunitário local. Serão cerca de 140 PMs que passaram por estágio operacional em batalhões da capital e esta semana participam de visitas a outras comunidades ocupadas e de uma reciclagem sobre os conceitos da UPP.
Ontem, os PMs assistiram a uma palestra do atual comandante da UPP do Andaraí, o capitão Victor de Souza. Até o fim do mês, será a vez de o Morro do Turano receber sua UPP. Lá, o efetivo será de cerca de 170 policiais
Quenianos conhecem iniciativas do Rio
Uma delegação de 11 autoridades de Quênia — entre eles três governadores de província e comandantes de polícia — está no Rio para conhecer projetos sociais ligados à segurança pública. Os visitantes africanos vão conferir como é o trabalho de programas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e Delegacias de Dedicação Integral ao Cidadão (Dedic). Eles percorrem hoje o Morro Santa Marta, em Botafogo, e visitam a 13ª DP (Copacabana). Ontem, a comitiva esteve no Centro Cultural Waly Salomão, em Vigário Geral, sede do AfroReggae.
“Eles vieram conhecer programas de prevenção à violência e de apoio à juventude. Vamos mostrar para eles o trabalho das Dedics, UPPs, Proerd e Papo de Responsa, desenvolvido em conjunto com o AfroReggae”, conta Jéssica Oliveira, subsecretária de Ensino e Programa de Prevenção da Secretaria Estadual de Segurança.
No AfroReggae, a comitiva foi recebida pelo policial civil Beto Chaves, um dos coordenadores do projeto Papo de Responsa, que conscientiza jovens sobre problemas como drogas, violência e crimes na Internet.
POR THIAGO FERES
O Dia
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