Não há como emagrecer sem sacrifício. Privações de todo tipo, efeitos colaterais desagradáveis e uma extenuante maratona diária de exercícios viram parte da rotina. Mas as compensações valem tudo isso
por Fernanda Thedim
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O salão do restaurante estava lotado e o único lugar vago era em um banco de madeira. Parecia confortável o suficiente para o almoço de domingo com os amigos na recém-inaugurada galeteria do Jardim Botânico. Pedidas as bebidas e os pratos de entrada, ouve-se de repente um estrondo que atraiu todos os olhares. Na minha direção. As pernas do móvel não suportaram meu peso e se partiram ao meio. O artefato ruiu como se tivesse sido implodido. E lá estava eu estatelada no chão em meio a um silêncio esmagador que tornava a situação ainda mais humilhante. Só conseguia pensar na queda das Torres Gêmeas como se eu mesma fosse um edifício recém-desabado. Quem assistiu à cena tentava disfarçar o constrangimento enquanto outro banco era providenciado. Aos poucos, o burburinho do salão voltou e o papo engatou novamente. Gostaria de dizer que essa foi a primeira vez que passei por isso, mas não foi.
Aos 30 anos, eu estava pesando 127 quilos. Com esse peso, situações corriqueiras, como sair para um simples almoço de domingo com os amigos, podem se transformar em um filme de suspense. Tanto que eu já havia criado algumas táticas de sobrevivência. Da entrada no restaurante até a escolha da mesa, eu tinha segundos preciosos para investigar o terreno. Em instantes, encontrava o lugar mais resistente para me acomodar. Se houvesse um sofá ocupado, pedia para trocar com quem estivesse nele. Se a cadeira fosse de madeira, prestava atenção à espessura das pernas e ao tamanho dos parafusos. Se fosse de plástico, era pura adrenalina. O pânico do ridículo era constante, em todos os lugares. Não sabia se o cinto de segurança do avião ia fechar, se conseguiria passar pela catraca do ônibus sem ficar entalada. Fora as desculpas rotineiras para as vendedoras de lojas como dizer que uma calça não vestiu bem quando na verdade ela nem passou pelo joelho. Ser obeso é muito mais difícil do que as pessoas imaginam.
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A cirurgia de redução de estômago estava se tornando uma opção cada vez mais real. Havia, porém, uma luz no fim do túnel. Dois anos antes de o jogador Ronaldo topar o desafio de perder seus 17 quilos no Fantástico, a ideia de acompanhar a dieta de um repórter durante seis meses já havia sido lançada na reunião semanal de VEJA RIO. O assunto foi trazido à tona semanas a fio sem que ninguém se candidatasse. Revelar meu peso era uma ideia abominável. Seria como expor a minha maior fragilidade, como estar nua no meio de uma multidão. Era algo que me envergonhava profundamente, um segredo bem guardado entre mim e a balança nem meu marido conhecia a combinação de três dígitos. Ironicamente, foi durante um almoço, programa preferido de todo gordo que se preza, que eu tomei a decisão. Uma amiga me disse sem pestanejar: "Não faz diferença quanto você pesa. Qualquer um consegue ver quanto você está gorda". Ela estava certa. A não ser que eu vivesse enclausurada, era impossível esconder a dura realidade. Naquele mesmo dia, marquei consulta com um endocrinologista e avisei a meu editor que ele finalmente havia conseguido uma voluntária. Por mais que a ideia não me agradasse, precisava me dar essa última chance antes do bisturi.
O primeiro encontro com o médico Fabiano Serfaty, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede), foi semelhante a uma sessão de terapia. Durante duas horas, sem que olhasse uma vez sequer para o relógio, ele me ouviu. Relatei tudo o que pudesse ajudá-lo a entender de onde vinha a minha compulsão por comida. Contei que era uma frequentadora assídua de endocrinologistas desde muito cedo. Fui uma adolescente gordinha e sofria bullying no colégio por causa disso. Emagrecia, engordava, emagrecia, engordava. Aos 18 anos, perdi meu único irmão num acidente e o ponteiro da balança disparou até os 125 quilos. Fiz uma dieta longa e fiquei magra durante um tempo. Aí veio meu primeiro emprego. Ironia do destino, virei crítica de gastronomia. Logo eu que amava comer, cozinhar, assistir a programas de TV sobre o assunto. Durante oito anos fiz refeições nababescas sem me preocupar uma única vez com a quantidade de calorias. Era capaz de comer dois, três, quatro potinhos de manteiga com os pãezinhos do couvert na Roberta Sudbrack. Orgulhava-me da marca de quarenta pratos na mesa do chef do Le Pré Catelan. O resultado dessas orgias estava marcado na balança: tinha quase 60 quilos de massa de gordura o máximo para minha altura, 1,75 metro, seriam 21 quilos e meu IMC era de 41,9, o que me qualificava como obesa mórbida de nível 3.
Fui submetida a uma bateria de exames e, por algum milagre genético, minhas taxas se encontravam dentro dos limites. Estava apta a encarar a rígida dieta da proteína (uma versão do bem, com legumes e verduras, do método criado nos anos 60 pelo cardiologista americano Robert Atkins). Meu pãozinho francês com manteiga, o arroz com feijão do almoço e aquele risoto no fim de semana com uma tacinha de vinho estavam proibidos pelos próximos meses. Em compensação, poderia me fartar com ovos, carnes, frios e queijos. De preferência, os magros. "Quando reduzimos a ingestão de carboidratos, o corpo vai buscar energia na gordura estocada nas células em forma de triglicerídeos", Serfaty me explicou. A boa notícia ainda estava por vir. "Você vai sentir que as regiões com mais acúmulo de gordura serão as primeiras a secar." Criamos um calendário de metas, revistas em consultas semanais, que foram fundamentais para me manter concentrada no projeto. Os primeiros dias, porém, não foram fáceis. Um mau humor súbito tomou conta de mim, acompanhado por uma dor de cabeça incontrolável. No segundo e no terceiro dias, idem. As coisas só começaram a melhorar do quarto em diante. Finalmente meu corpo começou a entender que sobreviveria e meu humor se restabeleceu. Foram-se 10 quilos nos primeiros trinta dias. Mais 7 no segundo mês. Mesmo com tantas restrições à mesa, ainda estava animada a persistir depois dos primeiros resultados. Da mesma forma que comer vicia, emagrecer também.
Como não existe milagre para perder peso, além da dieta cumpri uma rígida agenda de atividades físicas sob a orientação do preparador físico Dudu Netto, diretor técnico da Body Tech e um dos maiores especialistas em educação física do Brasil. Em nossa primeira aula, ele me disse: "Se você é daquelas pessoas que esperam acordar com a maior disposição para levar uma vida ativa, infelizmente não tenho boas notícias: esse dia nunca vai chegar". Como assim? E toda aquela gente linda e sarada que eu encontrava na academia logo cedo? Ele fez uma analogia que tinha todo o sentido. "Qualquer criança enrola até o último minuto para escovar os dentes e tomar banho. Nessa época, são tarefas que exigem esforço. Já na vida adulta, elas são incorporadas naturalmente. Com a atividade física, acontece a mesma coisa. Praticar exercício é uma questão de hábito. Depois que você o incorpora à sua vida, ele deixa de ser tão sacrificante." De fato, no início do processo o mais difícil não eram os exercícios, mas tomar a iniciativa de acordar cedo, me vestir e sair de casa. Quando o despertador tocava às 5h30, eu pensava em aceitar a obesidade como condenação perpétua e desistir de tudo. Não foram poucas as vezes em que isso aconteceu. No entanto, a nova rotina matinal estava me deixando mais disposta, bem-humorada e com mais energia para as atividades do trabalho e de casa. Meu dia passou a render.
Como em toda guerra, não existe vitória sem sacrifícios. Para perder 45 quilos em sete meses, é preciso fazer muitos deles. A todo instante fui submetida às mais diferentes provações. Nem sempre resisti. O problema é que, depois dos salgadinhos e brigadeiros roubados às escondidas na festinha de 2 anos do meu filho e de uma promoção completa do McDonalds, com direito a refrigerante e batata grande, eu me sentia um fracasso absoluto um fracasso extralarge, digamos assim. Esse autoflagelo teve efeito positivo: fez com que os deslizes acontecessem cada vez menos. Mas para cumprir as restrições alimentares não teve jeito. Tive de me afastar durante um bom tempo dos maravilhosos almoços e jantares para os quais me convidaram, evitei o barzinho depois do expediente com os colegas de trabalho e saía de cena na hora da sobremesa. Pedia licença e dizia que precisava fazer uma ligação. Em casa, usava toda a minha criatividade para fugir da mesmice da omelete de queijo e do bife com salada, sempre seguidos por gelatina diet. No entanto, estava com receio de que essa overdose de proteína fosse ter impacto em meus exames finais. Foi uma agradável surpresa abrir o envelope com o resultado. Meus triglicerídeos estavam em 80 mg/dl e o colesterol em 176 mg/dl, quando os índices limítrofes são de 200 mg/dl e 239 mg/dl, respectivamente, derrubando a tese de que a dieta da proteína faz, necessariamente, mal à saúde.
Como todo gordo que já foi magro um dia, eu tinha um guarda-roupa inteiro de peças que não cabiam em mim fazia anos. Há algumas semanas, eu me enchi de confiança e abri esse armário esquecido, quase pré-histórico. Como eu não via aquelas peças havia muito tempo, foi como vasculhar vestígios de uma antiga civilização. Deparei com grandes achados, como uma calça jeans tamanho 42. Ela estava lá, me encarando, desafiadora. Éramos só nós duas. Eu me senti em um duelo digno dos westerns de John Ford e Sergio Leone. Ufa, passou pelo joelho. Já era uma vitória. Decidi ir além. Puxei um pouco aqui, um pouco ali e ela subiu até os quadris. Deitei na cama, prendi a respiração, encolhi a barriga e consegui fechar o primeiro botão. E o segundo. E o terceiro. Confesso: ela não entrou com facilidade, não mesmo. Mas entrou. Em mais algum tempo, ficará perfeita novamente. O elogio mais frequente que ouvi desde que comecei a engordar foi: "Você tem um rosto tão bonito!". Longe de me agradar, isso sempre me soava como uma lembrança de que só meu rosto se salvava. Minha silhueta não era elogiável. Quando me olho no espelho agora, fico feliz com o que vejo. E, quando entro em um restaurante, não preciso mais me preocupar com a cadeira em que vou sentar. Nem com o cinto de segurança do avião, ou com a catraca do ônibus. Joguei fora todo o meu armário. Minha coleção de maiôs inclusive. Vou à praia de biquíni neste verão. Ano novo, corpo novo e, principalmente, vida nova.
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