Para conter a escalada de mortes por
problemas cardíacos entre as mulheres, médicos adotarão padrões mais
rigorosos de avaliação de risco
Mônica Tarantino
O coração da brasileira será alvo de
cuidados mais intensos. Neste semestre, a Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC) adotará diretrizes mais rígidas para prevenir na
população feminina a aterosclerose (formação de placas que podem levar à
obstrução da passagem do sangue nas artérias) e os problemas
cardiovasculares a ela associados, como o infarto. “Usaremos métodos
mais sensíveis para diagnosticar com precisão os riscos de infarto,
insuficiência cardíaca e de acidentes vasculares cerebrais na mulher”,
afirma Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade Clínica de Lípides do
Instituto do Coração (InCor), de São Paulo, e um dos autores das novas
regras que serão apresentadas aos médicos no próximo congresso da SBC,
em setembro.
REABILITAÇÃO
Jaine, 52 anos, optou por fazer exercícios monitorados por uma
cardiologista em vez de cirurgia para recuperar o coração
Na origem dessa reformulação estão índices preocupantes. Se na década
de 1960 a cada dez mortes por infarto, nove eram homens, hoje essa
proporção subiu. De cada dez óbitos, quatro são de mulheres. Por uma
associação de fatores que inclui desde a possibilidade de ter sintomas
diferenciados do infarto (dores nas costas e náuseas, por exemplo) até a
busca tardia de atendimento emergencial (por maior tolerância à dor ou
desconhecimento dos riscos e sintomas) e a probabilidade de ser mal
avaliada, as chances de uma mulher morrer de infarto acabam sendo 50%
maiores do que as de um homem da mesma idade. “A mulher é
subdiagnosticada. E uma das causas disso é a incapacidade de os médicos
de detectar os sinais da doença cardiovascular na população feminina na
emergência”, afirma Dias dos Santos. Foi o que aconteceu com Cinara
Albert, 41 anos, de Porto Alegre. Ela tinha 35 anos quando sofreu um
infarto. “Senti uma dor na barriga”, conta. Atendida em um hospital
público, sua pressão foi considerada normal e ela foi liberada.
Preocupada, ligou para um amigo e pediu para ser levada ao Hospital Mãe
de Deus. “Lá constataram que eu havia infartado.”
PREVENÇÃO
Lidia, 41 anos, sofre de arritmia e toma remédios. Como sua mãe também
era cardíaca, ela submete o filho Gabriel, 8 anos, a testes de colesterol
Diante dessa realidade, os novos paradigmas serão mais severos. Hoje,
as mulheres que alcançam 10% de chance de ter um infarto ou acidente
vascular cerebral nos próximos dez anos são enquadradas pela maioria dos
médicos na categoria de risco moderado. Esses riscos são calculados com
a ajuda de uma escala que avalia a presença de fatores de risco como
taxas de colesterol, pressão arterial, peso, idade e histórico familiar.
Até agora, quem não supera 10% nesse escore costuma sair da consulta
com indicações para baixar o colesterol com dieta, fazer atividade
física e parar de fumar se tiver o hábito.
NEGLIGÊNCIA
Cinara, 41 anos, infartou aos 35. Foi a dois hospitais até ser
diagnosticada corretamente e receber tratamento
Pela nova cartilha, esse grupo passará a ser visto como de alto risco
e deverá ser tratado com medidas mais agressivas. Aquelas que convivem
com dois ou mais fatores de risco precisarão reduzir rapidamente as
taxas da fração ruim do colesterol, o LDL, e garantir que não fique além
do limite máximo de 100 mg/dL de sangue. Para quem já teve infarto, o
limite do LDL é de 70 mg/dL de sangue. Antes, pertenciam à categoria de
risco elevado as mulheres que somavam 20% de probabilidade de infartar
ou de ter derrame nos próximos dez anos. Com as alterações, a proporção
de mulheres brasileiras em situação de alto risco para doenças
cardiovasculares passa de 10% para 30%. “As mulheres e os médicos
precisam entender que é um mito que elas não infartam. Necessitam
incorporar a ideia de que devem fazer check-up cardiológico assim como
vão ao ginecologista”, afirma o médico Roberto Kalil Filho, diretor do
Instituto do Coração de São Paulo.
A mudança a ser implantada é baseada nas recomendações adotadas em
2011 pela Associação Americana do Coração. Elas determinam, por exemplo,
que a avaliação do risco de diabetes integre o pacote de testes. Fora
de controle, a doença aumenta a fragilidade dos vasos sanguíneos e o
potencial inflamatório, acelerando a progressão dos problemas cardíacos.
“Estamos melhorando as formas de conferir o risco ao considerar a
diabetes e também um marcador de risco de alta sensibilidade, a proteína
C-reativa, cujo nível é detectado por exames de sangue. Por esse teste,
vimos que muitas mulheres antes identificadas como risco intermediário
deveriam ser classificadas no patamar superior”, disse à ISTOÉ a
cardiologista Nieca Goldberg, da Associação Americana do Coração. A ação
dessa proteína aumenta a oxidação do colesterol e seu efeito ruim sobre
os vasos.
Algumas mulheres já estão atentas aos cuidados com seu coração. “Com
os exercícios supervisionados por uma cardiologista, estou conseguindo
fortalecer o coração e eliminar os sintomas de forte pressão no peito
que sentia”, diz a engenheira Jaine Isensee, 52 anos, do Rio de Janeiro.
Após sentir sintomas no trabalho, ela iniciou uma maratona de exames
que detectou uma artéria totalmente entupida. Teve indicação de cirurgia
ou reabilitação e optou pela segunda. “Bem indicado e monitorado, o
exercício aumenta a circulação colateral do coração e melhora a
irrigação”, atesta a cardiologista do esporte Isa Bragança, da Clínica
Cardiomex, do Rio de Janeiro. A arquiteta Lidia Mie, 40 anos, de São
Paulo, também não se descuida da prevenção. “Minha mãe tinha arritmia.
Tomo remédios. E meu filho Gabriel, 8 anos, já se previne”, afirma.
Fotos: Masao Goto Filho /Ag. Isto É; Gabriel Chiarastelli; Marcos Nagelstein
Nenhum comentário:
Postar um comentário