por Rafael Rodrigues
Infelizmente, em poucas semanas algumas dessas características começaram a cair por terra.
1. Precisão
Em uma decisão bastante questionada, o juiz Moro autorizou a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor à Polícia Federal, realizada no dia 04 de março. A condução coercitiva, para quem não sabe, é utilizada quando o convocado a depor não comparece perante as autoridades (artigo 201 do Código de Processo Penal).
O problema é que o ex-presidente já havia prestado depoimento à PF em três oportunidades, uma delas no início deste ano. Em nenhuma das ocasiões houve necessidade de conduzi-lo coercitivamente. Agendou-se o horário e o ex-presidente compareceu. Em vez do trâmite natural, optou-se pela imposição.
2. Discrição
Durante as manifestações do dia 13 de março, quando milhões de brasileiros foram às ruas pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o juiz Moro, que por diversas vezes afirmou que só se manifesta pelos autos dos processos, divulgou uma nota dizendo-se "tocado" pelo apoio que os manifestantes prestaram a ele e à operação Lava Jato.
Soou estranho. E não somente o teor um tanto "político" da nota - "Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas", mas também o fato de ele a divulgar com tamanha rapidez.
3. Ausência de motivações políticas
O caso mais grave aconteceu no dia 16 de março, quando o juiz levantou o sigilo de gravações feitas, através de grampos autorizados pela justiça, em telefones utilizados pelo ex-presidente Lula.
Nelas, o ex-presidente conversa com diversas pessoas, algumas com foro privilegiado, inclusive a presidente Dilma Rousseff.
Não obstante o teor jocoso e em alguns casos reprováveis de algumas declarações do ex-presidente e de seus interlocutores, a suspensão do sigilo dessas gravações é um fato gravíssimo, porque agentes públicos com foro privilegiado não estão sob a jurisprudência do juiz.
Os diálogos envolvendo pessoas com foro privilegiado deveriam ser remetidos, sob sigilo, ao STF, e a atitude do juiz Moro de divulgar o conteúdo das gravações vem sendo amplamente questionada no meio jurídico.
Em nota divulgada após a polêmica, Moro cita, como argumento, o caso Watergate. Segundo ele, "Nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido".
A ironia é que, no caso norte-americano, foi Richard Nixon quem colocou escutas na Casa Branca. E por ter grampeado diálogos entre ele e diversos interlocutores Nixon foi forçado a renunciar à presidência dos Estados Unidos. Seguindo a lógica em "US v. Nixon, 1974", Moro deveria pedir afastamento da operação Lava Jato.
Há ainda outros agravantes: o fato de uma das conversas ter sido gravada horas depois de o juiz determinar a interrupção das gravações; o fato de essa conversa, justamente entre o ex-presidente e a atual presidente, ter ocorrido poucas horas antes de sua divulgação; e o fato de alguns desses diálogos serem entre o ex-presidente e um de seus advogados. O monitoramento de conversas entre clientes e advogados é ilegal.
Em poucos dias, o juiz Sérgio Moro conseguiu o que parecia impossível: inflamar ainda mais os que são contra e a favor do governo. Além disso, pode ter prejudicado substancialmente a operação Lava Jato.
É desalentador que o incômodo em relação a esses ocorridos não seja generalizado. Pelo contrário, há um grande número de pessoas defendendo tais atitudes do juiz Moro.
O combate à corrupção deve ser feito, pelos motivos óbvios, através dos meios mais corretos possíveis. Somente na ficção se permite fazer justiça com o auxílio de métodos escusos e questionáveis. E não é esse o nosso caso. Vivemos no mundo real.
E, nele, para que a justiça seja realmente justa, os fins não podem justificar os meios.
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