O teste do marshmallow
por Alysson Muotri |
O ano novo chegou e agora, algumas semanas já se passaram em janeiro e eu pergunto a quantas andam suas resoluções e promessas de ano novo? Lógico, estou falando daquelas de curto prazo: controlar a alimentação, fazer mais exercícios, começar aprender uma nova língua. É curioso como algumas pessoas conseguem seguir em frente com as resoluções de ano novo, enquanto outras acabam desistindo cedo e voltam ao comportamento anterior. Seria esse poder determinista algo que algumas pessoas nascem com ele ou isso é algo que pode ser ensinado?
Gostaria de tentar responder essa pergunta usando como exemplo o trabalho do psicólogo Walter Mischel, da Universidade Columbia, em Nova York, EUA. Walter tem um trabalho excelente que começou com uma observação curiosa em suas próprias filhas. Na final dos anos 60, Walter tinha três meninas com idades entre 2 e 5 anos. Como muitos pais provavelmente notam, muitas mudanças acontecem no comportamento das crianças por volta dos 4 anos. Quando uma das suas filhas fez 4 anos, ela adquiriu repentinamente a capacidade de retardar a gratificação imediata. Andando no mercado, a menina fazia um escândalo porque queria alguma coisa e tinha que ser na hora. Depois dos 4 anos, passou a entender que se esperasse ao chegar em casa, poderia negociar algo melhor. Walter observou esse tipo de autocontrole acontecer com todas as suas filhas, como se estivessem programadas pra isso.
Na ausência de qualquer literatura cientifica sobre o assunto naquela época, Walter decidiu aplicar uma metodologia cientifica para confirmar essas obervações preliminares. Inventou o teste do marshmallow. Recrutou crianças com diversas idades na escolinha das filhas e as colocou num quarto, sentadas de frente para uma mesa com um prato com um marshmallow. Falou para cada uma delas que poderiam comer o marshmallow na hora, ou esperar um pouco e ai teriam dois marshmallows. Nesse instante, Walter deixava as crianças sozinhas no quarto e registrava a reação de cada uma com uma câmera oculta. Ficavam sozinhas no quarto, de frente para o doce, refletindo sobre o que fazer. Não existia nenhum tipo de distração no quarto, nenhum outro brinquedo, fotos na parede, nada, só a tentação do marshmallow.
O resultado foi pura agonia. As crianças cheiravam o doce, lambiam, colocavam de volta na mesa. Outros, ficavam chutando a pesa, viravam de costas, ficavam cantarolando. Enfim, uma infinidade de comportamentos agonizantes, verdadeira tortura mental, onde uns comiam e outros esperavam. Foram testadas 500 crianças e Walter confirmou a observação inicial, a partir dos 4 anos de idade, as crianças passavam a ter autocontrole e não comiam o doce imediatamente. A variação de tempo que essas crianças conseguiam se controlar foi grande, uns seguravam por 1-2 minutos, outros até 10 minutos, numa média de 7-8 minutos. Mas o mais impressionante foi o que aconteceu em seguida, 5-6 anos depois desse experimento.
Walter estava conversando com suas filhas informalmente e perguntou como estavam os coleguinhas, agora já em idade escolar. A resposta variava, alguns estavam indo muito bem, outros tinham mais dificuldade na escola. Walter notou uma tendência, aqueles que haviam segurado a tentação do marshmallow por mais tempo, estavam se dando melhor nos testes escolares. Decidiu então esperar mais 5 anos, quando os indivíduos estariam prestando o equivalente ao nosso ENEM, um dos testes mais importantes na carreira escolar americana.
Veja bem, a idéia não era encontrar correlação nenhuma entre o ridículo teste do marshmallow e as notas escolares dos adolescentes, mas a conclusão foi oposta. A correlação foi extremamente significativa. Aqueles garotos de 4 anos que esperaram mais tempo antes de comer o doce foram os que tiveram as melhores notas nos testes. Notas muito melhores mesmo, a diferença foi gritante, não marginal apenas. Além disso, outros estudos mostraram que as crianças com tempos maiores no teste do marshmallow entraram em melhores escolas, tinham um comportamento melhor. Em nítido contraste, aqueles com tempo menores eram classificados pelos pais como garotos problemáticos, com mal comportamento na escola, envolvimento com drogas e passagens pela policia, inclusive.
Esses resultados foram tão estranhos que Walter decidiu continuar o estudo. Fez uma análise muito mais profunda dos mesmos indivíduos, 40 anos depois do teste do marshmallow. Tudo era melhor nos garotos que tiveram mais autocontrole as 4 anos: melhores empregos, salários mais altos, até a condição física era melhor. Os dados são tão fortes que fazem pensar: será que esse teste, aos 4 anos de idade, consegue realmente prever como vai ser a vida adulta dessas crianças? Uma interpretação desses dados, que não pode ser descartada, é que o autocontrole é geneticamente programado em cada pessoa, em cada cérebro. Ou você demonstra isso até os 4 anos de idade, ou, está estatisticamente condenado ao fracasso.
Mas, felizmente, existem outras formas de interpretar esses dados. Walter revisitou os vídeos das crianças aos 4 anos e concluiu que, absolutamente, todas as crianças passavam pela agonia do açúcar, mesmo aqueles que seguraram a tentação por mais tempo. Eles não foram modelos de força, também sofreram no teste. A única diferença entre os dois grupos de crianças, foi que as crianças que seguraram por mais tempo simplesmente acharam formas de se distrair da tentação: virando as costas, falando sozinhas, cantando, até brincando com o doce de alguma forma. Pois bem, esses garotos simplesmente tinham uma melhor estratégia para lidar com a situação. E estratégia pode ser ensinada, adquirida.
E isso foi feito, num outro experimento, foi possível transformar garotos com menos autocontrole, apenas sugerindo a eles uma estratégia, como pensar em uma historinha, imaginar que o doce é uma pedra, ou simplesmente olhar para o lado. Ainda não deu tempo de verificar se os garotos que aprenderam a estratégia vão conseguir melhores notas no colégio. Sinceramente, não tenho tanta certeza do resultado. Acho que como quase tudo na vida, a genética faz a diferença, mas a experiência pode alterar isso de forma significativa, ambos fatores interagindo e influenciando ao outro. Além disso, vale lembrar que, mesmo nos estudos do Walter, existem claras exceções. Alguns garotos que não conseguiram segurar o impulso do marshmallow, de alguma forma, estavam entre os que se deram melhor na carreira.
Sempre haverá mágica na vida.
Gostaria de tentar responder essa pergunta usando como exemplo o trabalho do psicólogo Walter Mischel, da Universidade Columbia, em Nova York, EUA. Walter tem um trabalho excelente que começou com uma observação curiosa em suas próprias filhas. Na final dos anos 60, Walter tinha três meninas com idades entre 2 e 5 anos. Como muitos pais provavelmente notam, muitas mudanças acontecem no comportamento das crianças por volta dos 4 anos. Quando uma das suas filhas fez 4 anos, ela adquiriu repentinamente a capacidade de retardar a gratificação imediata. Andando no mercado, a menina fazia um escândalo porque queria alguma coisa e tinha que ser na hora. Depois dos 4 anos, passou a entender que se esperasse ao chegar em casa, poderia negociar algo melhor. Walter observou esse tipo de autocontrole acontecer com todas as suas filhas, como se estivessem programadas pra isso.
Na ausência de qualquer literatura cientifica sobre o assunto naquela época, Walter decidiu aplicar uma metodologia cientifica para confirmar essas obervações preliminares. Inventou o teste do marshmallow. Recrutou crianças com diversas idades na escolinha das filhas e as colocou num quarto, sentadas de frente para uma mesa com um prato com um marshmallow. Falou para cada uma delas que poderiam comer o marshmallow na hora, ou esperar um pouco e ai teriam dois marshmallows. Nesse instante, Walter deixava as crianças sozinhas no quarto e registrava a reação de cada uma com uma câmera oculta. Ficavam sozinhas no quarto, de frente para o doce, refletindo sobre o que fazer. Não existia nenhum tipo de distração no quarto, nenhum outro brinquedo, fotos na parede, nada, só a tentação do marshmallow.
O resultado foi pura agonia. As crianças cheiravam o doce, lambiam, colocavam de volta na mesa. Outros, ficavam chutando a pesa, viravam de costas, ficavam cantarolando. Enfim, uma infinidade de comportamentos agonizantes, verdadeira tortura mental, onde uns comiam e outros esperavam. Foram testadas 500 crianças e Walter confirmou a observação inicial, a partir dos 4 anos de idade, as crianças passavam a ter autocontrole e não comiam o doce imediatamente. A variação de tempo que essas crianças conseguiam se controlar foi grande, uns seguravam por 1-2 minutos, outros até 10 minutos, numa média de 7-8 minutos. Mas o mais impressionante foi o que aconteceu em seguida, 5-6 anos depois desse experimento.
Walter estava conversando com suas filhas informalmente e perguntou como estavam os coleguinhas, agora já em idade escolar. A resposta variava, alguns estavam indo muito bem, outros tinham mais dificuldade na escola. Walter notou uma tendência, aqueles que haviam segurado a tentação do marshmallow por mais tempo, estavam se dando melhor nos testes escolares. Decidiu então esperar mais 5 anos, quando os indivíduos estariam prestando o equivalente ao nosso ENEM, um dos testes mais importantes na carreira escolar americana.
Veja bem, a idéia não era encontrar correlação nenhuma entre o ridículo teste do marshmallow e as notas escolares dos adolescentes, mas a conclusão foi oposta. A correlação foi extremamente significativa. Aqueles garotos de 4 anos que esperaram mais tempo antes de comer o doce foram os que tiveram as melhores notas nos testes. Notas muito melhores mesmo, a diferença foi gritante, não marginal apenas. Além disso, outros estudos mostraram que as crianças com tempos maiores no teste do marshmallow entraram em melhores escolas, tinham um comportamento melhor. Em nítido contraste, aqueles com tempo menores eram classificados pelos pais como garotos problemáticos, com mal comportamento na escola, envolvimento com drogas e passagens pela policia, inclusive.
Esses resultados foram tão estranhos que Walter decidiu continuar o estudo. Fez uma análise muito mais profunda dos mesmos indivíduos, 40 anos depois do teste do marshmallow. Tudo era melhor nos garotos que tiveram mais autocontrole as 4 anos: melhores empregos, salários mais altos, até a condição física era melhor. Os dados são tão fortes que fazem pensar: será que esse teste, aos 4 anos de idade, consegue realmente prever como vai ser a vida adulta dessas crianças? Uma interpretação desses dados, que não pode ser descartada, é que o autocontrole é geneticamente programado em cada pessoa, em cada cérebro. Ou você demonstra isso até os 4 anos de idade, ou, está estatisticamente condenado ao fracasso.
Mas, felizmente, existem outras formas de interpretar esses dados. Walter revisitou os vídeos das crianças aos 4 anos e concluiu que, absolutamente, todas as crianças passavam pela agonia do açúcar, mesmo aqueles que seguraram a tentação por mais tempo. Eles não foram modelos de força, também sofreram no teste. A única diferença entre os dois grupos de crianças, foi que as crianças que seguraram por mais tempo simplesmente acharam formas de se distrair da tentação: virando as costas, falando sozinhas, cantando, até brincando com o doce de alguma forma. Pois bem, esses garotos simplesmente tinham uma melhor estratégia para lidar com a situação. E estratégia pode ser ensinada, adquirida.
E isso foi feito, num outro experimento, foi possível transformar garotos com menos autocontrole, apenas sugerindo a eles uma estratégia, como pensar em uma historinha, imaginar que o doce é uma pedra, ou simplesmente olhar para o lado. Ainda não deu tempo de verificar se os garotos que aprenderam a estratégia vão conseguir melhores notas no colégio. Sinceramente, não tenho tanta certeza do resultado. Acho que como quase tudo na vida, a genética faz a diferença, mas a experiência pode alterar isso de forma significativa, ambos fatores interagindo e influenciando ao outro. Além disso, vale lembrar que, mesmo nos estudos do Walter, existem claras exceções. Alguns garotos que não conseguiram segurar o impulso do marshmallow, de alguma forma, estavam entre os que se deram melhor na carreira.
Sempre haverá mágica na vida.
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