9.13.2013

Bactérias que fazem bem

Alguns micro-organismos já são usados para tratar infecções e doenças de pele. E pesquisas mostram que eles podem ajudar a controlar a obesidade, a diabetes e até as enfermidades cardíacas

Monique Oliveira

Um procedimento a princípio inusitado começa a ser testado como uma opção de tratamento para infecção intestinal e obesidade. Trata-se do transplante de bactérias, cujo objetivo é devolver o equilíbrio à flora intestinal, de forma que os problemas sejam corrigidos. No caso da infecção, a técnica já tem sido adotada em vários países – inclusive no Brasil – para tratar pacientes nos quais outros recursos foram ineficazes. Recentemente, um estudo sobre o método, publicado na revista científica “The New England Journal of Medicine”, mostrou que, enquanto os remédios mais usados contra o problema apenas reduzem a frequência das diarreias decorrentes da infecção, o transplante promove sua cura.
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O uso de probióticos ajuda Thiago a não ter mais crises de
dermatite atópica, doença de pele que causa muita coceira
Em relação à obesidade, as pesquisas ocorrem em caráter experimental, mas estão deixando evidente a associação entre o aumento de peso e os micro-organismos. O trabalho mais recente a ser publicado, por exemplo, revelou que o acúmulo de gordura está relacionado à diversidade de espécies presentes no intestino. A pesquisa foi feita por várias universidades europeias e divulgada na última edição da revista científica “Nature”. Os cientistas avaliaram a flora bacteriana de 169 obesos e de 123 não obesos e constataram que aqueles com maior quantidade de espécies eram os mais magros.
Baseados em informações como essas, os pesquisadores estão testando a eficácia do transplante para combater a obesidade. Um dos experimentos foi feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Os cientistas selecionaram as bactérias associadas ao excesso de peso e as transplantaram para cobaias magras. E extraíram os micro-organismos dos animais obesos. Mesmo com quantidade igual de comida, os que eram magros engordaram e os obesos emagreceram. Os pesquisadores também transplantaram bactérias de cobaias obesas para um animal geneticamente protegido da obesidade e, da mesma forma, constatou-se aumento de peso. “O estudo prova que as bactérias possuem uma influência definitiva e específica na obesidade”, explica Mário José Abdalla Saad, diretor da Faculdade de Medicina da Unicamp.
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No transplante de bactérias feito pela equipe de Saad, as cobaias
que receberam bactérias associadas à perda de peso emagreceram
Nos Estados Unidos, estudiosos da Universidade de Washington foram outros a constatar a eficiência do transplante. E verificaram ainda que pelo menos as bactérias associadas à perda de peso podem ser transmissíveis. Ao colocarem cobaias com diferentes floras intestinais para conviver umas com as outras, notaram que os camundongos obesos começavam a desenvolver flora intestinal repleta do gênero de bactérias que emagrece e efetivamente perderam peso.
As investigações sobre obesidade e bactérias forneceram evidências de que elas estão também relacionadas à diabetes. “Constatamos a associação com a resistência à insulina”, disse à ISTOÉ Oluf Pedersen, da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, um dos autores do estudo recém-publicado na “Nature”. O cientista se refere ao processo pelo qual o corpo oferece resistência ao funcionamento da insulina, o hormônio que possibilita a entrada nas células da glicose circulante no sangue. Se não entra nas células, a glicose se acumula, originando a diabetes. Na Unicamp, os pesquisadores constataram que mesmo um rato geneticamente modificado para não desenvolver diabetes pode ter a doença caso ele apresente maior presença de determinada bactéria.
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Os experimentos vêm na esteira de um arcabouço de informações criado recentemente e que indica que as bactérias são muito mais importantes do que se imaginava. Para o bem e para o mal (leia mais no quadro, na pág. 76). No primeiro caso, estão sendo usadas, por exemplo, para tratar a dermatite atópica, doença de pele que causa coceiras e erupções. O carioca Thiago Soares, 7 anos, controla as crises por meio do uso de probióticos (bactérias vivas presentes em iogurtes ou comercializadas em sachês). “Os outros tratamentos não tinham dado certo”, diz a mãe, Tathiana Almeida Soares. A estratégia de repovoar a flora bacteriana também acelera a recuperação de cirurgias, porque fortalece o sistema imunológico. “Sua adoção facilita a entrada de anticorpos no sangue”, diz o pediatra Tadeu Fernandes, da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Na prática, os bons resultados estão impulsionando a popularização dos probióticos. No Brasil, a Invictus é uma das empresas a disponibilizar um produto com alta quantidade de bactérias, para casos mais graves de constipação. É o lactofos, que promete ser útil também para diarreia e manifestações urogenitais. “Vários hospitais adotaram o produto em caráter experimental, com sucesso”, afirma José Olímpio Mattos, diretor da empresa.
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