- Baixada Fluminense é a região de maior incidência. Agressores costumam ter fácil acesso às crianças e confiança dos pais
Sérgio Ramalho
RIO — O domingo passava da metade quando o garoto, de 8 anos, pediu à
mãe para andar de skate na rua. Mateus é filho único de um casal numa
vizinhança onde as famílias têm, em média, três. Meia hora depois,
voltou sobressaltado, ignorando todos que estavam no quintal. Sandra
estranhou e seguiu o filho ao banheiro. Mateus estava sob o chuveiro.
Envergonhado, ele disse ter sido “agarrado” por um vizinho adolescente. A
violência vivenciada por Mateus, em 28 de julho passado, se repetiu
para, pelo menos, outras 880 famílias fluminenses em 2012, ano em que, a
cada dois dias, cinco estupros envolvendo vítimas do sexo masculino
foram registrados, em média. Um aumento de 23,8% em relação a 2011,
quando foram computados 711 casos.
Mateus foi levado à delegacia. Sandra queria ver logo o agressor do filho apreendido. O adolescente, de 16 anos, vive na vizinhança há pouco tempo. Nasceu do relacionamento de uma usuária de crack com um ex-presidiário. Há alguns meses passou a morar com uma avó. Vítima e agressor vivem nas cercanias de uma favela numa das áreas de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de São João de Meriti. Mas são Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu e Duque de Caxias que ocupam o topo do perverso ranking de violência sexual contra vítimas do sexo masculino: 16% dos casos computados ano passado no estado aconteceram nesses municípios.
Vítima pouco sai de casa
No hospital, Mateus teve uma hemorragia constatada pelos médicos, que acionaram o Conselho Tutelar de São João de Meriti. Apesar das evidências, corroboradas por peritos do Instituto Médico-Legal (IML) num exame de corpo de delito, Sandra ainda não viu o agressor de seu filho ser apreendido. A detenção em flagrante acabou não acontecendo, e agora é Mateus que vive como prisioneiro. Desde o episódio, o comportamento do menino mudou.
— Ele ficou agressivo, nervoso. E não esconde a frustração em ver que seu agressor continua na rua, jogando bola entre os meninos pequenos, enquanto ele vive preso ao medo de ser novamente atacado. Não quer mais ir à escola por vergonha — desabafa Sandra.
A mãe de Mateus também perdeu a tranquilidade e encara os dias à base de calmantes. Sandra e o filho estão recebendo acompanhamento psicológico no Conselho Tutelar. A rotina do menino, que estuda em colégio particular e tem aulas de natação, passou a incorporar visitas frequentes a hospitais, onde recebe medicamentos profiláticos para doenças sexualmente transmissíveis.
Conselheiro responsável pelo acompanhamento do caso, Eduardo Oliveira da Silva diz que a demora na apreensão do jovem agressor não se tornou fator de preocupação apenas para a família.
— Vítima e agressor vivem numa área sob forte influência de traficantes, que inclusive procuraram parentes do menino para saber o que levou a polícia ao local. Nesse cenário, é grande o risco para o adolescente suspeito de ter praticado a violência — alerta.
Baixada não tem delegacia especial
Tanto Eduardo da Silva como o coordenador do Conselho Tutelar da cidade, Luiz Carlos Vicente de Paula, defendem a criação de uma Delegacia de Criança e Adolescente Vítima (Dcav) para os municípios da Baixada Fluminense, onde se concentra a maioria dos casos de estupros de vulneráveis — meninos e meninas de menos de 14 anos.
Conforme O GLOBO noticiou no domingo, 51,4% dos estupros registrados ano passado no estado foram cometidos contra meninas de até 14 anos.
— Só há uma delegacia especializada no estado. Com isso, casos como o de Mateus acabam registrados em delegacias distritais, que acumulam todas as demandas de uma região — criticam os conselheiros.
A análise das estatísticas produzidas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) sobre os casos de vítimas do sexo masculino revela semelhanças com os de meninas e mulheres: 57,9% dos 880 estupros de pessoas do sexo masculino, ano passado, foram praticados contra garotos de 0 a 11 anos. Se somada a faixa etária de 12 a 17 anos, o percentual salta para 78,6% dos casos. O levantamento, feito a pedido do GLOBO, é inédito e mostra que 55,2% das vítimas eram negras e pardas. Brancos representam 32,8%, e em 12% dos registros o campo relacionado à etnia não foi preenchido.
O levantamento não traz dados relacionados ao perfil dos agressores. Contudo, Marcello Maia, delegado da Dcav, diz que geralmente ele convive com a vítima em casa ou na escola. Padrastos e parentes figuram como os principais acusados.
Fora do ambiente familiar, o delegado diz não serem incomuns casos em que o agressor tem contato com a vítima na escola ou no trajeto para ela. A Dcav produziu uma cartilha para orientar os pais sobre como evitar que os filhos, meninos e meninas, não se tornem vítimas desse tipo de crime.
— O mais importante é estar sempre presente e conversar muito com as crianças. Os filhos precisam confiar nos pais e, sobretudo, saber que poderão se abrir com eles sem sofrer represálias. Em geral, o envolvido em estupro de vulnerável aproveita o vácuo deixado pelos pais para se aproximar da vítima, ganhar sua confiança e atacar — diz.
Outro estuprador sem punição
Foi o que aconteceu com Lúcio. O menino, de 5 anos, adorava jogar bola na escola particular em que estudava em Jacarepaguá. Os pais jamais desconfiaram que as partidas organizadas pelo jovem professor de educação física ao final das aulas pudessem representar risco ao filho.
A confiança foi quebrada tempos depois, quando o menino um dia reclamou de dores. A mãe levou o menino a uma emergência. Depois de vários exames, os médicos descobriram que Lúcio estava com sífilis. O caso foi levado à polícia, que, depois de ouvir várias pessoas que se relacionavam com o menino, chegaram ao professor. Um exame comprovou que ele foi o responsável pela contaminação do aluno. Apesar disso, o agressor não teve a prisão decretada.
Mateus e Lúcio são nomes fictícios, mas suas histórias são reais. Para eles e suas famílias, resta a esperança de um dia verem seus agressores punidos.
Mateus foi levado à delegacia. Sandra queria ver logo o agressor do filho apreendido. O adolescente, de 16 anos, vive na vizinhança há pouco tempo. Nasceu do relacionamento de uma usuária de crack com um ex-presidiário. Há alguns meses passou a morar com uma avó. Vítima e agressor vivem nas cercanias de uma favela numa das áreas de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de São João de Meriti. Mas são Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu e Duque de Caxias que ocupam o topo do perverso ranking de violência sexual contra vítimas do sexo masculino: 16% dos casos computados ano passado no estado aconteceram nesses municípios.
Vítima pouco sai de casa
No hospital, Mateus teve uma hemorragia constatada pelos médicos, que acionaram o Conselho Tutelar de São João de Meriti. Apesar das evidências, corroboradas por peritos do Instituto Médico-Legal (IML) num exame de corpo de delito, Sandra ainda não viu o agressor de seu filho ser apreendido. A detenção em flagrante acabou não acontecendo, e agora é Mateus que vive como prisioneiro. Desde o episódio, o comportamento do menino mudou.
— Ele ficou agressivo, nervoso. E não esconde a frustração em ver que seu agressor continua na rua, jogando bola entre os meninos pequenos, enquanto ele vive preso ao medo de ser novamente atacado. Não quer mais ir à escola por vergonha — desabafa Sandra.
A mãe de Mateus também perdeu a tranquilidade e encara os dias à base de calmantes. Sandra e o filho estão recebendo acompanhamento psicológico no Conselho Tutelar. A rotina do menino, que estuda em colégio particular e tem aulas de natação, passou a incorporar visitas frequentes a hospitais, onde recebe medicamentos profiláticos para doenças sexualmente transmissíveis.
Conselheiro responsável pelo acompanhamento do caso, Eduardo Oliveira da Silva diz que a demora na apreensão do jovem agressor não se tornou fator de preocupação apenas para a família.
— Vítima e agressor vivem numa área sob forte influência de traficantes, que inclusive procuraram parentes do menino para saber o que levou a polícia ao local. Nesse cenário, é grande o risco para o adolescente suspeito de ter praticado a violência — alerta.
Baixada não tem delegacia especial
Tanto Eduardo da Silva como o coordenador do Conselho Tutelar da cidade, Luiz Carlos Vicente de Paula, defendem a criação de uma Delegacia de Criança e Adolescente Vítima (Dcav) para os municípios da Baixada Fluminense, onde se concentra a maioria dos casos de estupros de vulneráveis — meninos e meninas de menos de 14 anos.
Conforme O GLOBO noticiou no domingo, 51,4% dos estupros registrados ano passado no estado foram cometidos contra meninas de até 14 anos.
— Só há uma delegacia especializada no estado. Com isso, casos como o de Mateus acabam registrados em delegacias distritais, que acumulam todas as demandas de uma região — criticam os conselheiros.
A análise das estatísticas produzidas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) sobre os casos de vítimas do sexo masculino revela semelhanças com os de meninas e mulheres: 57,9% dos 880 estupros de pessoas do sexo masculino, ano passado, foram praticados contra garotos de 0 a 11 anos. Se somada a faixa etária de 12 a 17 anos, o percentual salta para 78,6% dos casos. O levantamento, feito a pedido do GLOBO, é inédito e mostra que 55,2% das vítimas eram negras e pardas. Brancos representam 32,8%, e em 12% dos registros o campo relacionado à etnia não foi preenchido.
O levantamento não traz dados relacionados ao perfil dos agressores. Contudo, Marcello Maia, delegado da Dcav, diz que geralmente ele convive com a vítima em casa ou na escola. Padrastos e parentes figuram como os principais acusados.
Fora do ambiente familiar, o delegado diz não serem incomuns casos em que o agressor tem contato com a vítima na escola ou no trajeto para ela. A Dcav produziu uma cartilha para orientar os pais sobre como evitar que os filhos, meninos e meninas, não se tornem vítimas desse tipo de crime.
— O mais importante é estar sempre presente e conversar muito com as crianças. Os filhos precisam confiar nos pais e, sobretudo, saber que poderão se abrir com eles sem sofrer represálias. Em geral, o envolvido em estupro de vulnerável aproveita o vácuo deixado pelos pais para se aproximar da vítima, ganhar sua confiança e atacar — diz.
Outro estuprador sem punição
Foi o que aconteceu com Lúcio. O menino, de 5 anos, adorava jogar bola na escola particular em que estudava em Jacarepaguá. Os pais jamais desconfiaram que as partidas organizadas pelo jovem professor de educação física ao final das aulas pudessem representar risco ao filho.
A confiança foi quebrada tempos depois, quando o menino um dia reclamou de dores. A mãe levou o menino a uma emergência. Depois de vários exames, os médicos descobriram que Lúcio estava com sífilis. O caso foi levado à polícia, que, depois de ouvir várias pessoas que se relacionavam com o menino, chegaram ao professor. Um exame comprovou que ele foi o responsável pela contaminação do aluno. Apesar disso, o agressor não teve a prisão decretada.
Mateus e Lúcio são nomes fictícios, mas suas histórias são reais. Para eles e suas famílias, resta a esperança de um dia verem seus agressores punidos.
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