Debate pautado pela raiva, xingamentos e divisão entre pobres e ricos prejudicam o debate político e afastam ainda mais o eleitor da campanha presidencial
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
É natural que
partidos e candidatos testem os limites da campanha eleitoral antes de
seu início. Explorar o debate em torno de temas que mais cativam o
eleitorado ajuda os marqueteiros a calibrarem a estratégia para a
disputa nas urnas em outubro. Seria razoável, portanto, uma discussão
ampla em torno das tantas demandas sociais reivindicadas pelas ruas
desde junho de 2013. Mas o que se vê até agora é um embate agressivo
apoiado em argumentos rasteiros e pautado pelo ódio, com acusações e
xingamentos mútuos. No equívoco de tomar o desejo geral de mudança pelas
vaias e xingamentos à presidenta Dilma Rousseff na abertura da Copa, PT
e PSDB passaram a jogar literalmente para a torcida. Sequestram o
necessário debate em torno de planos concretos de governo e se arriscam
num jogo que não convence o eleitor.
"A elite brasileira está conseguindo fazer o que nós
nunca conseguimos: despertar o ódio de classes"
Luiz Inácio Lula da Silva
O vale-tudo começou no submundo da
internet, viralizou pelas redes sociais afora até desembarcar nos
estádios... e nos palanques. No fim de semana passado, dois atos
partidários sintetizaram essa campanha do ódio: a convenção nacional do
PSDB, que confirmou Aécio Neves como candidato à Presidência, no sábado
14, e a convenção estadual do PT, no dia seguinte, que oficializou o
nome de Alexandre Padilha na corrida pelo governo de São Paulo. No
evento petista, o ex-presidente Lula aproveitou o clima para apostar em
dividir o País ideologicamente: “A elite brasileira está conseguindo
fazer o que nós nunca conseguimos: despertar o ódio de classes”. Na
convenção tucana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elevou o
tom.“Não queremos mais os corruptos, os ladrões que ficam empulhando o
Estado. Esses nós não queremos”, bradou, para um coro eufórico de cinco
mil militantes. Além de Aécio e FHC, discursaram o ex-governador José
Serra e o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força, que
no dia 1º de maio – Dia do Trabalhador – disse que Dilma deveria estar
no presídio da Papuda em Brasília com os demais condenados do mensalão.
“Vamos enfrentar um governo que o povo nem vaia mais, esculhamba, como
aconteceu no jogo do Brasil”, declarou na convenção tucana.
No domingo, no ato de apoio a Padilha, o
ex-presidente Lula acusou os adversários de semearem o ódio e alegou que
a presidenta Dilma Rousseff é vítima do preconceito de uma elite
conservadora. “Se em 2002 fizemos uma campanha da esperança contra o
medo, agora é a da esperança contra o ódio”, disse, em referência ao
slogan da campanha que o levou ao poder. Para o ex-presidente, essa será
uma campanha perigosa, com “boa dosagem de debate ideológico”. “Não
será uma simples campanha de quem vai fazer mais metrô, mais ponte, mais
médicos”, afirmou. O candidato do PSB, Eduardo Campos, considerado a
terceira via na polarização entre tucanos e petistas, também não poupou o
governo. Chamou os petistas de “raposas que já roubaram o que tinham
para roubar”. O socialista tinha sido uma das primeiras vítimas da
campanha do ódio, ao ser chamado de “playboy mimado” em texto publicado
na página oficial do PT.
Após a troca de ofensas, Aécio pôs panos quentes, mas criticou o PT por resgatar a velha cantilena da luta de classes. “Não vamos cair nessa armadilha do debate que apequena a política, do nós contra eles, da disputa de classes”, disse. E divulgou nota em nome da Executiva Nacional do PSDB conclamando a militância a não responder às ameaças e agressões. Para o presidenciável, os petistas “tentam atribuir a uma ‘elite conservadora’ o desejo de mudança” e ignoram “que cerca de 70% dos brasileiros ouvidos pelas pesquisas de opinião exigem uma nova maneira de governar”. “A perspectiva de perder o poder está levando o PT a aumentar a agressividade e a intolerância no seu discurso, apostando cada vez mais na divisão do País”, concluiu.
Após a troca de ofensas, Aécio pôs panos quentes, mas criticou o PT por resgatar a velha cantilena da luta de classes. “Não vamos cair nessa armadilha do debate que apequena a política, do nós contra eles, da disputa de classes”, disse. E divulgou nota em nome da Executiva Nacional do PSDB conclamando a militância a não responder às ameaças e agressões. Para o presidenciável, os petistas “tentam atribuir a uma ‘elite conservadora’ o desejo de mudança” e ignoram “que cerca de 70% dos brasileiros ouvidos pelas pesquisas de opinião exigem uma nova maneira de governar”. “A perspectiva de perder o poder está levando o PT a aumentar a agressividade e a intolerância no seu discurso, apostando cada vez mais na divisão do País”, concluiu.
"Não queremos mais os corruptos, os ladrões que ficam
empulhando o Estado. Esses nós não queremos" diz
Fernando Henrique Cardoso, como se o PSDB não tivesse também envolvido com a corrupção em São Paulo e o mensalão mineiro.
É de se notar que discursos feitos para a
militância em eventos partidários tendem a alcançar um tom de
agressividade maior do que os dirigidos à população em geral. O governo,
na toada que vem adotando nos últimos meses, culpa a grande mídia por
extravasar o palavrório partidário para o resto da sociedade – como se
fosse possível simplesmente desconhecer as ofensas. Já a oposição acha
que a responsabilidade é da militância virtual, incentivada a propalar o
ódio pelos candidatos e sua entourage. Ao ponderar sobre as vaias à
Dilma no Itaquerão, dizendo que não vieram apenas “da elite branca”, o
ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, reiterou
o argumento petista. Disse que o governo tem sofrido uma “pancadaria
diária” na imprensa. “Essa história de que somos um bando de
aventureiros que veio aqui para se locupletar pegou na classe média, na
elite, e vai descendo, porque não conseguimos fazer contraponto.”
Carvalho ecoou argumentos usados pelo
vice-presidente do PT, Alberto Cantalice. Em texto com pinta de peça
acusatória, publicado no site do partido, chamou colunistas de
diferentes veículos de comunicação de “profetas do apocalipse”, “arautos
do caos” e “pit bulls”. “Suas pregações estimulam setores reacionários e
exclusivistas da sociedade a maldizer os pobres. São contra as cotas
sociais e raciais, as reservas de vagas para negros nos serviços
públicos, as demarcações de terras indígenas, o Bolsa Família, o Prouni e
tudo mais”, acusou. O petista coordena as redes sociais do partido. É
justamente no ambiente da internet que os ataques recíprocos ganham
volume, por meio da circulação de notícias falsas, boatos, vídeos com
paródias e ofensas de ambos os lados, alimentando um ciclo vicioso que
empobrece o debate e decepciona o eleitor.
"No Itaquerão não tinha só elite branca, não. No metrô vi muito
moleque que não tinha nada a ver com elite branca gritando palavrão"
Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência
Na quinta-feira 19, pesquisa CNI/Ibope
indicou nova queda na popularidade de Dilma, de 36% para 31%. A consulta
foi feita entre os dias 13 e 15, depois das vaias e dos xingamentos no
Itaquerão. Dos entrevistados, 39% votariam na presidenta, enquanto 21%
apoiariam Aécio Neves e 10% o pernambucano Eduardo Campos (PSB). A
pesquisa confirmou ainda o grande número de indecisos. Votos brancos e
nulos somados aos que não sabem ou não responderam atingem 21% e 30%, no
primeiro e no segundo turno, respectivamente. Esse índice, porém, pode
aumentar em consequência da campanha do ódio. Especialistas garantem que
a radicalização afasta o eleitor do processo eleitoral. “Essa
disseminação do ódio mútuo e a polarização excessiva entre certo e
errado não colaboram com o debate político e afastam o eleitor”, avalia o
cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP. Concorda com ele o
sociólogo Aldo Fornazieri, ligado ao PT. “O eleitor quer saber quem vai
resolver o seu problema, e não ficar entre as trocas de acusações”,
diz.
O cientista político Gaudêncio Torquato, da
USP, acha que o eleitor não cai mais nas fórmulas batidas pelos
marqueteiros, especialmente no campo petista, que insiste em polarizar
ricos e pobres, nós e eles. “Esse é um discurso do passado”, afirma. Ele
lembra que o mesmo PT que acusa o PSDB de disseminar o ódio, também
incentivou o ódio como arma política ao longo de sua história. “Lula
tenta recuperar o apoio das massas, pois percebe que a oposição,
especialmente os tucanos, tem chances reais de vencer em outubro”,
afirma. David Fleischer, professor da UnB, corrobora a avaliação de
Torquato. “A campanha está se tornando cada vez mais polêmica, porque o
Aécio está estacionado nas pesquisas”, afirma. “Isso vai incrementar ainda
mais o ódio do PT e ao PT.”
Com reportagem de Ludimilla Amaral
Fotos: Juliana Knobel/Frame; Marlene Bergamo/Folhapress
Fotos: Juliana Knobel/Frame; Marlene Bergamo/Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário