Apesar de recessão e queda no varejo, organizadores e comerciantes apostam em 'demanda reprimida' por consumo e descontos agressivos para vencer receios da população.
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Criado dos Estados Unidos, o dia de cortes generosos nos preços foi
adotado em outros países, como Reino Unido, Austrália, México, Romênia,
Costa Rica, Alemanha, Áustria e Suíça, e introduzido no Brasil há cinco
anos. Seu volume de vendas vem crescendo rapidamente desde então.Mas como será neste momento de recessão e cenário sombrio no comércio? A ideia do dia de "superdescontos" terá força para para convencer o brasileiro a finalmente ir às compras?
O Dia das Mães não registrava uma queda havia 13 anos. Isso se repetiu no Dia dos Pais – algo inédito desde 2005 – e no Dia dos Namorados – o primeiro recuo em seis anos. No ano, o varejo acumula uma retração de 3,3%, segundo o IBGE.
Mesmo assim, profissionais ligados ao evento e ao mercado ouvidos pela BBC Brasil estão cautelosos, mas otimistas e preveem um crescimento de dois dígitos nas vendas geradas pelo evento em 2015.
"Existe uma demanda de consumo reprimida. Estamos sendo conservadores, mas acreditamos que o público vai estar atento para poder comprar mais com menos dinheiro", afirma Juliano Motta, diretor geral da BuscaDescontos, organizadora da Black Friday no Brasil.
"Se o varejo conseguir entregar boas ofertas, talvez a gente se surpreenda e tenha uma Black Friday muito boa."
Natal antecipado
Em seu primeiro ano, a Black Friday registrou R$ 3 milhões em vendas no país, segundo a ClearSale, empresa especializada em fraudes que monitora o faturamento do evento em parceria com seus organizadores. Em 2014, já eram R$ 871,9 milhões.
Neste ano, a expectativa da ClearSale é de que o valor cresça 12%, para R$ 978 milhões. A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) prevê um aumento ainda maior, de 18%. Tendo como base um universo maior de vendedores, a associação espera R$ 1,31 bilhão em vendas para este ano.
Este otimismo se deve a alguns motivos. Um deles é a expectativa de varejistas de que os consumidores decidam aproveitar as promoções para adiantar a compra dos presentes de Natal. "Isso já aconteceu no ano passado e esperamos que se repita em 2015", afirma Omar Jarouche, gerente de inteligência estatística da ClearSale.
O varejo também vem realizando sondagens de intenção de compra na data – e seus resultados têm sido animadores.
Um levantamento com 1 mil usuários de internet realizado pelo Google em outubro indicou que 82% daqueles que compraram durante a Black Friday do ano passado pretendem participar novamente neste ano – e um em cada três dos que ficaram de fora pretendem comprar desta vez.
Uma segunda pesquisa da empresa, feita em parceria com o Ibope, estima ainda que, em média, o brasileiro pretende gastar R$ 1 mil nesta data, quase o dobro dos R$ 522 registrados na última edição. "Ficamos surpresos com um valor tão alto", diz Cláudia Sciama, diretora de negócios para varejo do Google Brasil.
"Mesmo numa crise, as pessoas não param completamente de comprar, porque têm necessidades. Mas elas estavam com medo por conta da situação econômica e se seguraram. Agora, querem aproveitar, porque passaram o ano economizando à espera de uma boa oportunidade."
Sciama afirma que um indício deste interesse está no aumento notado pela companhia no volume de buscas online por termos relacionados à Black Friday.
Outro pode estar no faturamento registrado pelo comércio eletrônico brasileiro no início do segundo semestre, afirma André Ricardo Dias, diretor executivo da consultoria E-bit, que monitora este mercado. "No último trimestre, notamos que o consumidor reduziu seu ritmo de compras, o que indica que muita gente pode estar esperando esta data."
Ofertas agressivas
Na outra ponta do mercado, os varejistas parecem dispostos a oferecer promoções "agressivas" para atrair o consumidor, o que pode ajudar a Black Friday a obter resultados melhores do que a média do varejo ao longo de 2015.
Rodrigo Bandeira Santos, diretor da ABComm, explica que o comércio eletrônico registra até o momento neste ano um aumento de 16% nas vendas, abaixo da expectativa de crescimento de 25%.
"Muitas empresas estão apostando suas fichas nesta data para se recuperar. Há muito estoque de certos produtos. Então, haverá descontos mais agressivos para alcançar os resultados que elas não obtiveram até agora."
Ao mesmo tempo, a variedade de itens em oferta deve continuar a crescer. Neste ano, empresas que nunca haviam se associado ao evento firmaram parcerias com os organizadores pela primeira vez. Entre elas, estão Nespresso, GM, Ambev, Dafiti, Microsoft e Boticário.
"É uma chance de marcas premium abrirem mão de um pouco da margem de lucro e baixarem os preços sem que isso gere uma depreciação de sua marca", afirma Motta, da BuscaDescontos.
Sciama, do Google, diz que essa diversificação começou no ano passado e tende a se consolidar neste ano. "Por conta do cenário econômico, outras indústrias além do varejo não estão indo bem e veem no evento uma chance de ter uma alta de vendas, por isso estão planejando ser mais agressivas em suas ofertas".
Confiança
Por fim, os organizadores do evento acreditam que estão conseguindo vencer a desconfiança do consumidor em relação à Black Friday.
Após primeiras edições, o dia de descontos ganhou má fama e o apelido de "Black Fraude", em que "tudo é vendido pela metade do dobro". Isso porque foram feitas muitas denúncias de lojas que aumentaram seu preços antes da data para depois conceder "descontos" em que o valor cobrado era igual ou até superior ao preço normal.
Em 2013, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico lançou um selo para coibir esta prática. As lojas virtuais podem se cadastrar no site Black Friday Legal. Assim, comprometem-se com um código de ética que veta a maquiagem de preços, além de ter de participar de palestras sobre boas práticas. No ano passado, 500 lojas aderiram. Neste ano, são 631.
Também haverá sites que disponibilizarão a evolução dos preços para que o consumidor possa saber se um produto está de fato em oferta.
"O varejo tentou em dado momento iludir o consumidor, mas não deu certo. O público não é burro. As pessoas esperam ofertas reais, e vemos as lojas respondendo a isso", afirma Motta, da BuscaDescontos.
Santos, da ABComm, não descarta que a maquiagem de preços possa ocorrer, mas acredita que serão exceções. "Num universo tão grande de varejistas que participam, um ou outro pode maquiar preços, mas isso já melhorou bastante", afirma.
"Agora, estamos trabalhando para não decepcionar o consumidor após a compra e entregar corretamente o produto. As empresas de logística começaram a se preparar desde o ano passado."
Felipe Paniago, diretor de marketing do site Reclame Aqui, diz que a maquiagem de preço permaneceu entre três principais motivos das 12,5 mil reclamações recebidas no portal sobre a Black Friday no ano passado, mas afirma que este problema "vem melhorando".
"Em 2014, algumas empresas aprenderam a lição de que é melhor oferecer um desconto menor do que enganar o público e, assim, aproveitar a data para esvaziar os estoques, que estão cheios. Mas ainda houve maquiagem de preços, mesmo que em menor volume. Ainda há um longo caminho a percorrer para resolver esta questão."
'Otimismo racional'
Santos, da ABComm, diz preferir neste momento manter-se como um "otimista racional" sobre a Black Friday em um ano de crise. "A esta altura do ano, a disposição de comprar pode ser maior. O consumidor pode pensar 'ok, não perdi meu emprego' e ainda tem a primeira parcela do 13º salário para usar", afirma.
"Mas o brasileiro não vai consumir ensandecidamente. Tivemos um ano de incerteza, e as pessoas não querem se endividar ou fazer grandes parcelamentos."
Em uma sondagem do Reclame Aqui com 11.790 pessoas, 35% disseram adiado o plano de comprar um produto de maior valor nesta Black Friday.
O economista Agostinho Celso Pascalic, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que a expectativa em relação a 2016 pode afetar as vendas no dia de descontos.
"Estamos no meio de uma crise prolongada, e as previsões para o próximo ano não são boas. A inflação, os juros e o desemprego em alta e a variação do câmbio afetam não só a renda do consumidor, mas a capacidade do varejista de oferecer grandes descontos", afirma Pascalic.
"Tudo isso pode fazer com que o valor total de vendas deste ano não cresça de forma tão significativa em relação ao ano passado.
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