9.21.2010

Quem são e o que querem as mulheres de 20


Uma pesquisa exclusiva revela a rotina, as aspirações e os dilemas de uma geração de brasileiras que está adiando a entrada na vida adulta. Elas têm tudo o que suas mães e avós não tiveram – liberdade, dinheiro e carreira –, mas ainda sonham com filhos e o marido perfeito
Quando fala sobre suas prioridades, a publicitária paulistana Cléia Lourenço, de 24 anos, não hesita. Diz que o investimento na carreira e na educação é seu principal objetivo. Formada há um ano, ela trabalha desde 2008 em uma agência de publicidade, na qual gerencia uma pequena equipe. Sua jornada diária é de dez horas. O excesso de trabalho é o motivo pelo qual está adiando para o ano que vem a pós-graduação e o curso de idiomas. “Quero mais experiência e reconhecimento”, afirma. Mesmo com tanta dedicação à carreira, a vida social da publicitária vai bem. Há um ano e meio sem namorado, ela diz que sai com amigos quase todos os dias e viaja nos fins de semana. O lazer consome 60% de sua renda. O resto ela gasta com a manutenção do carro e com roupas, mas ainda consegue guardar um pouco. Cléia mora com os pais, mas planeja morar sozinha no ano que vem. Quer ter mais liberdade. Quando o assunto são seus planos de longo prazo, porém, as expectativas são outras. “Daqui a uns cinco anos, penso em ter um relacionamento sério, casar e ter filhos”, afirma. “Tudo certinho, como manda o figurino.” Ela diz que depois de casar não pretende abrir mão da profissão, mas que vai trabalhar menos para se dedicar ao marido e aos filhos: “A ideia é trabalhar bastante agora para poder reduzir depois”.

Cléia faz parte de uma geração privilegiada de mulheres brasileiras. Aos 20 e poucos anos, elas têm mais escolaridade, mais renda, mais planos, mais oportunidades, mais independência e muito mais liberdade do que suas mães e avós tiveram na mesma idade.

No entanto, mantêm os mesmos valores em relação à família e à vida conjugal, embora as datas tenham se alterado. O casamento tem de esperar pelo encaminhamento da carreira, mas, depois disso, deve ser feito nos moldes históricos. Os filhos podem vir depois dos 30 anos, mas sua chegada vai colocar a vida profissional em segundo plano. As mulheres de 20 brasileiras são conservadoras num mundo em processo acelerado de mudança. Essa é uma das principais conclusões de um levantamento feito pela Sophia Mind, empresa especializada em comportamento e tendências no universo feminino. A pedido de ÉPOCA, o instituto de pesquisas entrevistou 3.100 mulheres (55% solteiras, 45% casadas), com idade entre 18 e 29 anos, que têm acesso à internet banda larga, em todas as regiões do Brasil. As entrevistas foram feitas por questionário on-line, entre fevereiro e maio de 2010.


as jovens brasileiras de classe média estão alinhadas a um movimento mundial de revisão de valores e adiamento da vida adulta. Em boa parte dos países desenvolvidos, os jovens estão ficando até mais tarde na casa dos pais, atrasam compromissos afetivos e tratam da própria carreira sem pressa aparente. Os cinco passos tradicionais que definiam a formação de um adulto – terminar a escola, sair da casa dos pais, tornar-se independente financeiramente, casar e ter filhos – estão sendo ignorados, subvertidos ou ordenados de forma totalmente diferente. O psicólogo americano Jeffrey Jensen Arnett, professor da Universidade Clark, em Worcester, nos Estados Unidos, cunhou a expressão “adulto emergente” para definir esse grupo dos vintões. Arnett acredita que essa faixa etária tem de começar a ser encarada como um momento específico da existência, com suas próprias características. Ele disse a ÉPOCA que o movimento que está ocorrendo agora é similar ao que teve lugar um século atrás, quando mudanças sociais e econômicas ajudaram a criar o conceito de adolescência. Arnett afirma que, agora, a sociedade precisa reconhecer a existência de um período de pós-adolescência. Os que vivem as confusões desse período não são apenas jovens acomodados ou perdidos, mas “adultos emergentes” que atravessam um período de transição com ritmos e necessidades especiais.



Mas homens e mulheres vivem esse período da mesma forma? Mais ou menos, diz Arnett. “As mulheres experimentam da mesma maneira que os homens esse período de transição antes de entrar na vida adulta”, afirma. “A única diferença é que elas ainda têm um relógio biológico que, aos 30 anos, começa a alertá-las de que seu período de fertilidade está no fim. Portanto, se quiserem ter filhos, precisam crescer logo.” Isso significa que o período de transição é maior nos homens do que nas mulheres? Arnett diz que as estatísticas internacionais mostram que os homens casam e têm filhos em média três anos depois das mulheres – e, mesmo assim, a contragosto. “Apesar de não sentirem a pressão biológica para ser pais, eles cedem à pressão das mulheres”, afirma.

A pesquisa brasileira sugere que aqui as jovens estão mais engajadas no mercado de trabalho do que suas congêneres nos países industrializados. Talvez isso se explique por ser o Brasil um país mais pobre, que coloca as pessoas diante da necessidade de trabalhar mais cedo. Qualquer que seja a razão, o resultado é uma multidão de moças relativamente abastadas, cujas prioridades, até os 25 anos – média de idade em que se casam –, consistem em cuidar da própria carreira e educação. Adiar a saída da casa dos pais facilita o investimento de tempo e dinheiro nesse projeto – e permite aproveitar a vida de solteira. Não é pouca coisa. As jovens ouvidas pela Sophia Mind ganham, em média, R$ 3.200. Elas gastam esse dinheiro na seguinte ordem: roupas, sapatos, acessórios e cosméticos, restaurantes, bares e casas noturnas. Apenas em produtos de beleza torram R$ 69 por mês; 38% delas consideram que ler é essencial; 25% vão ao cinema ou ao teatro uma vez por mês; e 33% fazem exercícios regularmente – mais da metade delas, 56%, frequenta academias de ginástica.

A carioca Juliana Rodrigues, de 28 anos, está entre elas. Como mora com os pais e não precisa participar das despesas domésticas, usa todo o seu salário de tecnóloga com gastos pessoais, que incluem jantares, boates, teatro, cinema, viagens, livros e revistas. Sozinha desde 2002, ela diz não sentir falta de um namorado. “Se aparecer alguém logo, ótimo. Mas, se demorar, não tem problema”, afirma. Ela diz que seria difícil ficar solteira se estivesse desempregada, se não estudasse, se não se divertisse. O que não é o caso. Assim como Juliana, a maioria das mulheres da pesquisa atribui à independência financeira, que lhe permite uma vida social intensa, o fato de não ter pressa para arrumar um companheiro.

Essa atitude sugere um grupo de mulheres poderosas. Elas têm profissão, dinheiro e aspirações. Gostam de se divertir e consomem vorazmente. São independentes e bem informadas. “Elas têm um tipo de poder que eu chamaria de objetivo”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro Toda mulher é meio Leila Diniz. “As mulheres brasileiras nunca tiveram tanto poder. Não só de adquirir coisas, mas de fazer escolhas.” Há, porém, um pedaço do universo feminino em que essas escolhas parecem se restringir. Ele diz respeito aos parceiros. À pesquisa da Sophia Mind, apenas 28% das mulheres disseram fazer sexo casual. Não é um número surpreendente para quem estuda o comportamento das brasileiras. Mirian Goldenberg diz que depois de ouvir 835 mulheres da classe média carioca, descobriu que entre 18 e 60 anos elas tiveram entre três e cinco parceiros sexuais. O ponto fora da curva foi uma jovem de 28 anos que admitiu já ter tido 27 parceiros.

Essas respostas confirmam uma pesquisa nacional com 8.200 participantes, conduzida em 2008 pela psiquiatra Carmita Abdo, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Seus resultados mostram que entre os 18 e os 25 anos a média de parceiros sexuais das brasileiras é de 1,4. Entre 26 e 40 anos, a média sobe para 1,6. Isso mostra que vivemos numa sociedade de jovens conservadoras? Sim, responde Mirian. “As garotas têm mais dinheiro, mais sucesso, se vendem como modernas e avançadas, mas, no fundo, querem manter o que a mãe e as avós tinham”, diz a antropóloga. A nova mulher ainda espera encontrar o homem ideal, casar na igreja, ter filhos e ser feliz para sempre. De preferência ao lado de um marido fiel e dedicado. “A mulher brasileira mudou, mas não abre mão do outro poder, aquele que a mãe e as avós tinham, que é o poder doméstico”, diz Mirian.

Isso pode ser visto de outra forma. Quando 73% de jovens da classe média respondem que desejam se casar na igreja, fica evidente que os valores tradicionais ocupam um espaço importante na mente das brasileiras. Quase a totalidade daquelas ouvidas pela pesquisa – exatos 97% – afirma que seu modo de vida reflete o que foi aprendido em casa. Um número bastante elevado, 73%, responde que vai transmitir aos filhos os valores que recebeu dos pais. “Estamos diante de uma mulher em transição”, afirma a psicóloga Ana Bock, professora de psicologia social da PUC de São Paulo. Essas jovens, diz ela, têm independência financeira e novos projetos profissionais e pessoais. Mas, ao mesmo tempo, mantêm valores conservadores, muitas vezes machistas, segundo os quais deveriam ser apenas boas mães e donas de casa. “Ela precisa provar que consegue fazer as duas coisas, e o resultado disso são mulheres mais estressadas e sobrecarregadas”, diz Ana. “Elas não podem voltar atrás em suas conquistas profissionais, mas têm de conciliá-las com o que se espera dela.”

A estudante de comunicação carioca Juliana Rabello Marinho, de 23 anos, não está preocupada com isso. Estagiária de jornalismo, ela quer se casar na igreja, com direito a todos os rituais tradicionais. É seu grande sonho desde a infância. Depois de namorar alguns rapazes, há um ano e meio conheceu aquele que diz ser o homem de sua vida. Por sorte, ele também faz questão de se casar na igreja. Se não quisesse, não haveria negociação. Juliana diz que só sai da casa dos pais para o altar. “Acho que esse negócio de juntar não é direito. Se é para casar, tem de ser perante Deus e eternamente.” Ela diz que ainda não marcou uma data para a cerimônia, pois está esperando o momento certo. Sem pressa, desde que seja antes dos 27 anos, idade em que pretende ser mãe.

Para essa nova geração de mulheres, a sensação de urgência começa à medida que se aproximam os 30 anos. É o relógio biológico de que fala Jeffrey Arnett. Das mulheres entrevistadas, 53% disseram que pretendem se casar entre os 25 e os 32 anos, quando esperam estar preparadas para assumir as responsabilidades da vida adulta. Seria, para elas, o fim da “idade adulta emergente”. Esse adiamento, diz Arnett, se tornou possível pela necessidade de mais instrução para sobreviver em um sistema econômico baseado na informação. Influi também a ausência de pressão para casar, devido à aceitação do sexo premarital. Mas essa é uma situação que não se repete no Brasil. A pesquisa mostra que apenas 32% das jovens brasileiras não sentem pressão alguma dos pais para casar. As demais percebem algum grau de pressão familiar.

Se a tese de Arnett for aceita, esse tipo de exigência familiar deveria ser atenuada. Entre as características do adulto emergente, homem ou mulher, está a exploração da identidade. Isso significa que os jovens, mesmo quando são independentes financeiramente, ainda não se sentem prontos para assumir responsabilidades típicas da vida adulta, como pagar contas e cuidar da casa. As demais características da transição – instabilidade, egocentrismo, sentimento de despreparo e embriaguez com as possibilidades da vida – também têm relação com a dúvida entre aproveitar a longa adolescência ou cair na vida adulta de vez.

Para as mulheres brasileiras, há um momento em que esse dilema se resolve de forma abrupta: o casamento. Depois da união, elas percebem que seu “senso de possibilidades” – característica dos adultos emergentes definida como “a certeza de que sua vida vai melhorar em todos os aspectos” – estava avariado. A maioria das solteiras ouvidas pela pesquisa acredita que o casamento vai melhorar quase todos os aspectos de sua vida. As entrevistas com as jovens casadas mostram que não é bem assim. Elas ficam menos satisfeitas com a própria aparência, sentem que dobrou a quantidade de tarefas domésticas, seus investimentos pessoais diminuem e o número das que estão endividadas cresce. Em parte, isso se deve à saída da casa dos pais, que tem efeitos sensíveis sobre as finanças e a rotina doméstica. Mas há uma parte que se deve ao casamento. A socióloga Karin Ligia Brondino, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, diz que a má interpretação do significado da palavra “casamento” pode ajudar a explicar esse erro de expectativa. “Na língua portuguesa, usamos a palavra casamento para designar tanto a celebração da união como a vida conjugal que passará a existir”, diz. A maioria das mulheres solteiras se refere ao casamento como a festa. O planejamento sobre a nova vida não é uma questão. “Isso aumenta a chance de frustração quando elas se deparam com a realidade”, diz Karin. É quando o “homem ideal” vira o “homem real”, que não ajuda nos afazeres domésticos e para quem a palavra “divisão” só se aplica ao pagamento das contas.

Foi mais ou menos o que aconteceu com a assistente de importação Danielle da Silva Quadros, de 27 anos. Casada há três anos, ela diz que imaginava a vida a dois diferente. Achava que iria viajar e sair mais com o marido. Mas, depois do casamento, a predileção do parceiro pelo sofá cresceu. “Ele sempre foi mais caseiro do que eu, mas antes me acompanhava. Agora sou eu que fico em casa com ele.” Danielle diz que, quando era solteira, sua rotina se resumia a trabalhar, ir para a academia de ginástica e sair todas as noites para se divertir. Como as tarefas domésticas eram divididas com a amiga com quem morava, não se sentia sobrecarregada. Agora é ela quem faz tudo. “Ele até ajuda, mas é lento. Então acabo fazendo sozinha, pois não aguento esperar”, afirma. Essa falta de paciência implica, segundo ela, jornada de trabalho diária adicional de pelo menos três horas. Ela inclui cozinhar, lavar roupa e cuidar dos quatro cachorros.

A pesquisa mostra que, assim como Danielle, a maioria das brasileiras que dizem “sim” concorda em assumir mais de 80% das tarefas domésticas. Elas são as responsáveis por cuidar dos animais, preparar as refeições, limpar a casa e lavar a roupa. O marido assume as responsabilidades pela manutenção do carro e da casa: consertar chuveiro e trocar lâmpadas, por exemplo. A responsabilidade de pagar as contas, jogar o lixo e ir ao mercado é dividida. Quando nascem os filhos, o peso sobre eles fica inteiramente com a mãe. São elas que levam as crianças à escola, às atividades extraclasse e à consulta médica. Também ajudam no dever de casa, preparam as refeições, organizam a festa de aniversário. A psicóloga Lídia Weber, da Universidade Federal do Paraná, afirma que nem sempre o homem é o culpado por essa divisão injusta. Ela cita estudos que mostram que, sobretudo em relação à maternidade, é a mulher que faz questão de centralizar toda a responsabilidade. Acha que só ela sabe cuidar dos filhos. “Nessa questão, continuam iguais à mãe e às avós. Mas estas não tinham de trabalhar fora”, diz Lídia.

Apenas 28% das mulheres pesquisadas disseram praticar sexo casual
Há outra diferença notável em relação às antigas gerações. Apesar de 81% delas acreditarem na união eterna e esperar por ela, boa parte das entrevistadas (46%) revela-se conformada com a alternativa: se o casamento acabasse, ficariam tristes, mas seguiriam a vida, graças à independência financeira que 98% das solteiras pretendem manter após o casamento. Essa é a principal responsável por outra singularidade dessa geração de mulheres: a valorização e a exigência da fidelidade masculina. Noventa e sete por cento das solteiras não aceitam nada menos. “Hoje elas têm condição de exigir, pois não precisam mais do dinheiro do marido para viver. Elas casam por valores subjetivos”, diz a socióloga Silvia Bandeira, da Universidade de Brasília. Entre esses valores estão companheirismo, possibilidade de formar uma família e equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. São aspirações legítimas que as mulheres de 20 anos têm tempo suficiente – e espaço social – para conquistar.

ÉPOCA

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