Por Alberto Villas*
Ninguém! Pelo menos que eu conheça, ninguém mais tem tempo de pegar um envelope verde amarelo, o bloco Aviador papel de seda e a caneta Parker 51 para escrever uma carta. Vivemos a era do skype, da msg pelo cel, do e-mail, do vaptvupt, bateu voltou. Quem hoje teria paciência de escrever uma carta e ficar dias e dias esperando a resposta? Se a resposta do e-mail não vem em um minuto já começa aquele tictic nervoso, não é mesmo?
A primeira notícia que tivemos do Brasil foi através de uma carta, aquela de Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei Dom Manuel, o Venturoso: “Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova…” e por aí ia.
Durante meu auto-exílio em Paris durante a década de 1970, escrevi e recebi centenas e centenas de cartas. Até hoje me emociono ao ver um envelope verde amarelo, daqueles bem antigos onde se lia Par Avion. Acordava cedo e a primeira coisa que fazia era descer quatro andares para buscar a correspondência. Quando tinha envelope verde amarelo era uma festa.
Dentro deles, notícias boas, notícias ruins. Os sobrinhos que nasciam, a luta que aumentava, a censura que apertava. Recortes de jornais, fotografias. Se na primeira carta que mandei de lá reproduzi a carta de Pero Vaz de Caminha, a última começava assim: “São 11 horas da noite e cá estou eu sozinho no único cômodo da casa onde ainda resta um pouco de esperança. São nove baús de alumínio empilhados no canto, esperando o navio chegar. Dentro deles, tudo que restou da nossa vida aqui em Paris nestes anos todos. Estou voltando nas asas do tecoteco da anistia.”
Cartas já inspiraram poetas e compositores. Quem não se lembra do rei cantando “Cartas já não adiantam mais/Quero ouvir a sua voz/Vou telefonar dizendo/Que eu estou quase morrendo/de saudade de você”? Renato Russo, que comandava a Legião cantava: “Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor/Porque veio a saudade visitar meu coração”. Milionário e Zé Rico também já derramaram lágrimas em missivas: “Estou escrevendo esta cara meio aos prantos/Ando meio pelos cantos/Pois não encontrei coragem/De encarar o teu olhar”.
Cartas não eram apenas meras cartas. Havia um ritual para escrevê-las. Muitas delas foram guardadas e acabaram virando livros da maior importância. As cartas de Vincent Van Gogh ao irmão Theo, por exemplo. Outras eram literatura pura. Sempre leio e releio as cartas que Caio Fernando de Abreu escreveu a seus amigos. Quanta ternura! Quanta literatura! Caio era daqueles que gostava de se preparar para escrever uma carta. Papel, caneta, um café, um cigarro. E derramava toda a sua dor e sua felicidade nos papéis de seda dos blocos Aviador.
Nos últimos dias estou aqui mergulhado nas cartas que Otto Lara Resende escreveu ao amigo do peito Fernando Sabino, agora organizadas pelo jornalista e escritor Humberto Werneck. São cartas escritas nas décadas de 50,60 e 70 quando o mundo era outro. Cartas deliciosas que às vezes começavam assim: “Fernando: Tráfego engasgado, nervos à mostra, passei na Embaixada, a porta apertou meu dedo, sangrou, xinguei, me indignei, Helena desencavou a bagagem do Benedito, saí lascado pelos Champs Elysées, Concorde, Madeleine, rumo ao subúrbio (esqueci de comprar o Rinoceronte de Ionesco), estrada – na volta se anda mais depressa, num instante estávamos em Soissons, omeletes de queijo, bomba de chocolate. Café três fff, pé na estrada, tempo nublado, meio frio, mas sem chuva.” Quem hoje escreveria assim num e-mail desses tempos modernos?
Cada carta que Otto escreveu a Fernando é uma viagem. E elas estão todas em cima da mesa num livro chamado “O Rio é tão longe”, editado pela Companhia das Letras, nas boas casas do ramo.
A primeira notícia que tivemos do Brasil foi através de uma carta, aquela de Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei Dom Manuel, o Venturoso: “Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova…” e por aí ia.
Durante meu auto-exílio em Paris durante a década de 1970, escrevi e recebi centenas e centenas de cartas. Até hoje me emociono ao ver um envelope verde amarelo, daqueles bem antigos onde se lia Par Avion. Acordava cedo e a primeira coisa que fazia era descer quatro andares para buscar a correspondência. Quando tinha envelope verde amarelo era uma festa.
Dentro deles, notícias boas, notícias ruins. Os sobrinhos que nasciam, a luta que aumentava, a censura que apertava. Recortes de jornais, fotografias. Se na primeira carta que mandei de lá reproduzi a carta de Pero Vaz de Caminha, a última começava assim: “São 11 horas da noite e cá estou eu sozinho no único cômodo da casa onde ainda resta um pouco de esperança. São nove baús de alumínio empilhados no canto, esperando o navio chegar. Dentro deles, tudo que restou da nossa vida aqui em Paris nestes anos todos. Estou voltando nas asas do tecoteco da anistia.”
Cartas já inspiraram poetas e compositores. Quem não se lembra do rei cantando “Cartas já não adiantam mais/Quero ouvir a sua voz/Vou telefonar dizendo/Que eu estou quase morrendo/de saudade de você”? Renato Russo, que comandava a Legião cantava: “Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor/Porque veio a saudade visitar meu coração”. Milionário e Zé Rico também já derramaram lágrimas em missivas: “Estou escrevendo esta cara meio aos prantos/Ando meio pelos cantos/Pois não encontrei coragem/De encarar o teu olhar”.
Cartas não eram apenas meras cartas. Havia um ritual para escrevê-las. Muitas delas foram guardadas e acabaram virando livros da maior importância. As cartas de Vincent Van Gogh ao irmão Theo, por exemplo. Outras eram literatura pura. Sempre leio e releio as cartas que Caio Fernando de Abreu escreveu a seus amigos. Quanta ternura! Quanta literatura! Caio era daqueles que gostava de se preparar para escrever uma carta. Papel, caneta, um café, um cigarro. E derramava toda a sua dor e sua felicidade nos papéis de seda dos blocos Aviador.
Nos últimos dias estou aqui mergulhado nas cartas que Otto Lara Resende escreveu ao amigo do peito Fernando Sabino, agora organizadas pelo jornalista e escritor Humberto Werneck. São cartas escritas nas décadas de 50,60 e 70 quando o mundo era outro. Cartas deliciosas que às vezes começavam assim: “Fernando: Tráfego engasgado, nervos à mostra, passei na Embaixada, a porta apertou meu dedo, sangrou, xinguei, me indignei, Helena desencavou a bagagem do Benedito, saí lascado pelos Champs Elysées, Concorde, Madeleine, rumo ao subúrbio (esqueci de comprar o Rinoceronte de Ionesco), estrada – na volta se anda mais depressa, num instante estávamos em Soissons, omeletes de queijo, bomba de chocolate. Café três fff, pé na estrada, tempo nublado, meio frio, mas sem chuva.” Quem hoje escreveria assim num e-mail desses tempos modernos?
Cada carta que Otto escreveu a Fernando é uma viagem. E elas estão todas em cima da mesa num livro chamado “O Rio é tão longe”, editado pela Companhia das Letras, nas boas casas do ramo.
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