3.03.2012

Preço da bebida mais tradicional do Brasil

 vc pensou que  era  a cachaça - fala sério

Lobby, trambiques e cafezinho

Um auditor que se diz amigo do secretário da Receita Federal
foi demitido por tráfico de influência. Uma de suas ações pode elevar  o preço da bebida mais tradicional do Brasil

LEONARDO SOUZA E HUDSON CORRÊA
O preço do cafezinho deve subir. E logo. Pouco mais de 3%. Não se trata de aumento de demanda, problemas na safra ou pressão inflacionária. A causa pode estar relacionada a uma das mais resistentes pragas que habitam o poder público brasileiro: o tráfico de influência. Onde? Nada menos que na Receita Federal. Documentos obtidos com exclusividade por ÉPOCA descrevem em detalhes as irregularidades cometidas dentro do órgão responsável pela arrecadação de tributos no país. O autor das irregularidades, Pedro dos Santos Anceles, não está mais nos quadros da Receita. Ex-auditor fiscal, ele foi demitido no final de 2011 por ter repassado a empresas privadas informações restritas do Fisco. Sem apoio interno, Anceles talvez não tivesse conseguido agir com tamanha liberdade. Ele vangloriava-se de ser próximo do próprio secretário do Fisco, Carlos Alberto Barreto. “Nós somos amigos”, disse ele a ÉPOCA. “Ele é uma pessoa bem acessível.”
PREÇO DO CAFEZINHO Máquina de café em ação. Uma amostra de como irregularidades na Receita Federal podem afetar o cotidiano dos brasileiros  (Foto: Gregor Schuster)
A ordem para que Anceles fosse demitido por improbidade administrativa partiu do ministro Guido Mantega (Fazenda), em novembro (leia mais sobre o ministro Guido Mantega). A decisão teve por base um relatório da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que recomendou a exclusão de Anceles do serviço público. O documento descreve um festival de trambi-ques. Anceles deu palestras e cursos a seus clientes particulares – e foi remunerado por isso –, faltou ao trabalho para prestar consul-torias a empresas privadas e participou, como julgador da Receita, do julgamento de um recurso movido por um de seus próprios clientes contra multas do Fisco. O processo contra as práticas de Anceles foi aberto em agosto de 2009 pela Corregedoria da Receita. O período investigado compreende os anos de 2006 e 2007. Nessa época, o superior hierárquico de Anceles era Carlos Alberto Barre-to, que ocupava o cargo de secretário adjunto da Receita. Da abertura do processo contra Anceles até o início da gestão de Barreto como o número um do Fisco, em janeiro de 2011, foi coletado vasto material contra o então auditor. Diante desse quadro, era de esperar que Anceles fosse afastado de suas funções enquanto as investigações não fossem concluídas. Mas ocorreu o contrário: ele foi transferido para uma função mais importante.
AÇÕES PARALELAS Pedro dos Santos Anceles, ex-auditor da Receita. Ele defendia dentro do Fisco interesses dos clientes que mantinha irregularmente   (Foto: Ag. Brasil)
O trabalho dos investigadores do Fisco começou a partir da denúncia de outro órgão federal, a Controladoria-Geral da União (CGU). Em janeiro de 2008, técnicos da CGU identificaram que Anceles constava como sócio-administrador de uma empresa pri-vada chamada A Ensinante Ltda. Ele usava a empresa como uma espécie de biombo para repassar informações restritas do Fisco a seus clientes particulares, de acordo com a Corregedoria da Receita. Um dos casos mais graves ocorreu em 2007 e envolveu um fabricante de refrigerantes do Rio Grande do Sul, a CVI Refrigerante Ltda. A empresa fora autuada pelo Fisco em três processos distintos por sonegação de tributos, incluindo PIS e Cofins – contribuições sociais pagas por quase todas as empresas de médio e grande porte. Se-gundo a corregedoria, Anceles prestou consultoria para a CVI Refrigerante. “Constata-se que a natureza do trabalho prestado é in-compatível com o cargo de auditor fiscal e de delegado de julgamento, haja vista que foi verdadeira consultoria tributária, atividade que configura patente conflito de interesses”, escreveram os procuradores da PGFN. Nessa época, Anceles era delegado de julgamento da Receita no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Num dos processos, em que a CVI Refrigerante recorreu da autuação do Fisco, a raposa foi convocada para cuidar do galinheiro. Na primeira instância administrativa, dentro da própria Receita, o caso foi parar justamente nas mãos de Anceles, como presidente da 1a Turma de Julgamento da Delegacia da Receita em Santa Maria.
Chamado a explicar quem o autorizara a dar cursos e palestras para empresas privadas durante seu expediente, Anceles afirmou que não precisava de autorização. Afirmou apenas que seu superior era o então secretário adjunto Carlos Alberto Barreto. Ele também citou Barreto em sua defesa. “Argumenta o indiciado que a declaração do senhor Carlos Alberto de Freitas Barreto, à época dos fatos secretário adjunto da Receita Federal, no sentido de que a DRJ/SM (delegacia de Santa Maria) sempre foi muito produtiva, seria prova de que suas faltas não prejudicaram o serviço.” Barreto negou à Corregedoria ter dado tal declaração ou conhecer as atividades parale-las de Anceles. Mas é fato que Barreto, a partir desse episódio, tomou conhecimento das acusações contra seu subordinado. Barreto foi ouvido pelos integrantes da comissão de inquérito da Corregedoria em 2010 e assumiu como secretário da Receita em janeiro de 2011. Em maio, cinco meses após o início de sua gestão, Anceles foi designado julgador na delegacia da Receita de São Paulo, a mais impor-tante região fiscal do país, responsável por mais de 50% da arrecadação nacional de tributos.

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