8.23.2013

PRECONCEITO AO NORDESTINO

 


É praticamente unânime a idéia de que existe preconceito contra nordestinos no Brasil, principalmente nas regiões Sudeste e Sul do país. Digo praticamente unânime, porque algumas pessoas ainda tentam negar a existência de tal preconceito. Sempre existem aqueles que dizem: "ah! Isso é besteira, não existe", tentando ocultar aquilo que é evidente. Muitas vezes de evita debater o preconceito contra nordestinos. Alguns se abstêm a discutir o tema por receio de expor ou até desvendar preconceitos internalizados.

Mas, o fato é que existe preconceito contra os nordestinos por parte da maioria da população do Sul e do Sudeste do Brasil, principalmente contra aqueles que saem do seu lugar de origem em busca de uma vida melhor para si e para sua família no Sudeste e Sul do país ? os migrantes. Quem nunca ouviu expressões do tipo "coisa de baiano" quando se quer depreciar o serviço de alguém? O "pessoal de cabeça chata" ou "paraibas" são termos pejorativos utilizados para designar os nordestinos no Rio de Janeiro; em São Paulo, quando alguém quer se referir a um nordestino utiliza a expressão "baiano".

Nos últimos anos, com advento da Rede Mundial de Computadores (WEB), o preconceito tem se intensificado mais ainda, ultrapassando as fronteiras das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, permitindo assim um contato intenso entre as pessoas que compartilham desse tipo de preconceito. Mais adiante trataremos do preconceito contra os nordestinos através dos sites de relacionamentos, como, por exemplo, o Orkut.

A imagem que os sudestinos e sulistas têm do Nordeste passa pelo seguinte imaginário coletivo: analfabetismo, a miséria, a seca, o flagelado, homem rude e a mulher caipira, o nordestino é sinônimo de pobreza, baixa estatura, feio, moreno, sempre inferior e sempre aquela pessoa que tenta ir pra São Paulo ou para o Rio de Janeiro em busca de uma oportunidade de trabalho.

Entretanto, de onde vêm todas essas imagens geradas sobre a região Nordeste? Foram produzidas aqui (no Nordeste) ou no Sul e Sudeste do país? Por que da existência de tanto preconceito? Durval Muniz de Albuquerque Júnior em seu texto "O preconceito contra o nordestino" nos alerta para uma questão interessante que não pode e não deve ser descarta para que se possa entender a existência de tal preconceito:
"Para compreendermos porque as populações do Nordeste são objeto destes preconceitos é necessário que se faça uma abordagem que leve em conta dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar, a história da construção da própria idéia de Nordeste e, em conseqüência, da idéia de ser nordestino, já que, como veremos, nem esta divisão, nem esta identidade regionais existiram desde sempre, elas têm uma história, que precisa ser conhecida, se quisermos compreender de onde vieram muitas das imagens e falas negativas que marcam a região e seu habitante; e em segundo lugar, é necessário abordarmos o papel desempenhado pelas elites nordestinas e por suas camadas populares na história do país no século XX." (Albuquerque Júnior, 2007, pág. 89)


Durval Muniz coloca que o Nordeste, como recorte regional, como uma identidade regional à parte, nem sempre existiu, como faz crer quase toda a produção artística, literária e acadêmica contemporâneas, que normalmente se referem ao Nordeste como este tendo existido desde o período colonial. Esta denominação Nordeste para nomear uma região específica do país, tendo pretensamente uma história particular, uma cultura singular, só vai surgir, no entanto, muito recentemente, na década de 10 do século XX. Antes, a divisão regional do Brasil se fazia apenas entre o Norte, que abrangia todo o atual Nordeste e toda a atual Amazônia e o Sul que abarcava toda a parte do Brasil que ficava abaixo do estado da Bahia. A criação da idéia de Nordeste e, consequêntemente, da idéia de ser nordestino, surgiram nesta própria área, foram produzidas pelas elites políticas e pelos intelectuais deste próprio espaço, não foi uma criação feita de fora, por membros das elites de outras regiões. O sentimento, as práticas e os discursos regionalistas que irão dar origem à região que conhecemos, hoje, como Nordeste, emergiram entre as elites ligadas às atividades agrícolas e agrárias tradicionais, como à produção do açúcar, do algodão ou ligadas à pecuária. O regionalismo nortista, embrião do regionalismo nordestino, nasce com o crescente descontentamento das elites da área açucareira e das áreas a elas ligadas, com a pouca assistência recebida por parte da União, no que tange a crise econômica vivida por este espaço, desde que seus principais produtos de exportação, o açúcar e o algodão, perdem espaço no mercado internacional e vêem seus preços se reduzirem. Por conta de tal crise econômica, os representantes das províncias do Norte (as elites), vão se congregar em torno de determinadas reivindicações, em torno das quais se articula um discurso político de cunho regionalista.
Segundo Durval, um dos primeiros episódios que marcarão a emergência desta identidade regional em formação será a chamada grande seca de 1877-1879. Este fenômeno terá repercussões políticas e será objeto de uma mobilização por parte das elites deste espaço, como nunca antes ocorrera. Enquanto a seca não atingia os interesses das elites deste espaço, tudo bem, mas esta seca ocorre num momento de crise e de declínio político dos grupos dominantes desta área do país. A própria existência de uma imprensa mais organizada e com capacidade de repercutir o fenômeno a nível nacional, dá uma repercussão a esta seca como não fora dada a nenhum outra anterior. Alguns acontecimentos tornam a seca um tema central no discurso regionalista no Norte: o impacto causado pela divulgação das primeiras fotografias feitas do que se começa a chamar de flagelados, na imprensa do Sul do país, os discursos inflamados dos representantes do Norte no Parlamento nacional, que também ganham as páginas dos jornais e a publicação da obra Os retirantes, de José do Patrocínio em 1879, primeiro romance escrito sobre o tema. Outras obras foram publicadas sobre o tema da seca, produzidas pelos letrados pertencentes à chamada geração de 1870. São elas: A fome, de Rodolfo Teófilo, O Cabeleira, de Franklin Távora, Luzia-Homem, de Domingos Olímpio e Aves de arribação, de Antônio Sales. Estes autores, influenciados pelas teorias cientificistas, evolucionistas e social-darwinistas, vão ser responsáveis pela elaboração de imagens e falas em torno do homem do Norte, notadamente deste homem vitimado pela seca, quando deixar de ser aquele sertanejo com todas as virtudes morais e a força física idealizada pelo romance clássico de José de Alencar, O sertanejo, para se tornar o retirante ou o flagelado, um sertanejo degradado física e moralmente, um homem em farrapos, doente, um esqueleto andante.

Durval argumenta que as elites deste espaço descobrem a força da arma que têm nas mãos, como este fenômeno e o cortejo de misérias que acarretava tornavam este tema um argumento quase irresistível na hora de se pedir recursos, em nome de socorrer as vítimas do flagelo, em nome de empregá-los em trabalho regular, em nome de organizar e promover a distribuição dos socorros. O nordestino sofrerá muitos dos preconceitos de que é vítima por estar associado a estas imagens e a estes tipos: o nordestino será visto, quase sempre, como sendo um retirante, um flagelado ou um cangaceiro em potencial.

Agora, voltemos a falar um pouco sobre o preconceito sofrido pelos nordestinos no Sul e Sudeste do país. Em um site de relacionamentos da WEB conhecido mundialmente, chamado Orkut, existe o que eles chamam de comunidade . Abaixo citaremos, descreveremos e analisaremos algumas delas:

? odeio vizinho paraiba/baiano ? descrição da comunidade: "Geral que tem raiva do VIZINHO NORDESTINO, que escuta CALYPSO (ou outra merda do genêro), o dia todo e enche o saco, aqui é seu lugar. A comunidade não odeia os nordestinos que no NORDESTE RESIDEM, só não gostamos dos que invadem nossa terra para atrapalhar a vida alheia com FALTA DE EDUCAÇÃO. Não gosto de tê-los como vizinhos, acho que lugar de NORDESTINO É NO NORDESTE, assim como lugar de SUDESTINO É NO SUDESTE, SULISTA NO SUL OU EUROPEU NA EUROPA. É um direito nosso EXPRESSAR o que sentimos..."

?eu odeio o nordeste ? descrição da comunidade: "Essa comunidade é para quem odeia o nordeste, uma região fudida que só tem vagabundo, corno, puta, e que não da nada pro Brasil além de políticos corruptos e mais um montão de coisas. Se você odeia o nordeste participe dessa comu !"

  odeio o nordeste ? descrição da comunidade: "porq eles merecem nosso ódio devido ao seu comodismo".

  odeio paraíba em itacoatiara - descrição da comunidade: "ATENÇÃO!! PARA OS IGNORANTES DAS GÍRIAS CARIOCAS! PARAÍBA NAO ESTA RELACIONADO A QUEM NASCEU NA PARAÍBA! PARAÍBA É UMA GÍRIA QUE SE REFERE A QUEM PAGA MICO, FALA ALTO, SUJA A NOSSA PRAIA, GRITA..FAROFEIROS! Para voce que frequenta a praia de itacoa e nao suporta ver pessoas de fora estragando a imagem da praia que fazem qualquer coisa pra aparecer principalmente nos feriados e fim de semana! parecem que nunca viram um praia antes."
Existem muitas outras comunidades virtuais no Orkut ? as quais não citaremos aqui ? que expressam um preconceito aberto contra os nordestinos, outras, por sua vez, admitem não serem preconceituosas, alegando o direito de expressarem seus sentimentos em relação às populações no Nordeste.

Outro ponto interessante a ser destacado ao observar estas comunidades é o fato de as mesmas afirmarem que não odeiam os nordestinos que vivem no Nordeste, "só não gostamos dos que invadem nossa terra para atrapalhar a vida alheia com falta de educação". Esse tipo de pensamento expressa uma ideologia preconceituosa que tem como base o ódio a mistura, o contato, a convivência com pessoas de outras regiões ? no caso, o Nordeste.

O ódio, a revolta, o descontentamento são elementos sempre presentes nos comentários daquelas pessoas que expressam abertamente seu preconceito ? é um sentimento parecido, senão igual ao dos alemães em relação aos judeus na Alemanha nazista. Um determinado nordestino que vive em Santa Catarina-SC postou em seu blog um texto sobre um famoso político corrupto deste Estado. Um cidadão desta localidade não satisfeito com o texto, ? ele era um dos poucos não satisfeitos com o que dizia o texto, a maioria dos catarinenses apoiavam o texto ? por gostar de tal político, escreveu um comentário dizendo o seguinte: "[...] NÃO VENHA MENTIR, SEU MALDITO CABEÇA-CHATA, QUE ROUBA 75% DOS IMPOSTOS DO MEU ESTADO, DA MINHA REGIÃO. Eu quero ver esses nordestinos começaram a vir para cá em grande quantidade, eu vendo todas as empresas da minha família e crio organizações pra matar nordestinos, HAHAHAHAHA, VENHAM PRA CÁ ORDINÁRIOS! Pra ver o que lhes vai acontecer...".

Os nordestinos, seja no Sudeste, seja no Sul, são alvos dos preconceitos mais violentos possíveis, tendo que a cada dia lutar, não somente para ganhar o "pão de cada dia", mas para ter acesso aos seus direitos sociais: o trabalho, a moradia, a educação, a segurança etc. numa região em que os seus moradores ditos "nativos" o perseguem a todo tempo.

Como coloca Renato Simões em seu texto "Migrantes: cidadãos de segunda classe", precisamos pensar num Brasil da integração dos povos, das culturas, da igualdade social e regional, tolerante com suas diferenças e de pleno exercício dos direitos do cidadão. Parece um grande sonho, uma grande utopia, mas precisamos lutar para que este grande sonho um dia torne-se realidade.


Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. O preconceito contra o nordestino. In: ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: As fronteiras da discórdia. São Paulo, Cortez, 2007. p. 89 a 129.

SIMÕES, Renato. Migrantes: cidadãos de segunda classe. In: PINSKY, Jaime (org.) 12 faces do preconceito. 8ª edição, São Paulo, Contexto, 2006. p. 101 a 109.

RIGAMONTE, Rosani Cristina. Severinos, Januarias e Raimundos ? notas de uma pesquisa sobre os migrantes nordestinos em São Paulo. In: MAGNANI, José Guilherme Cantor & TORRES, Lílian de Lucca (org.) Na Metrópole ? Textos de Antropologia Urbana. São Paulo, Edusp, 1996. p. 231 a 251.

MAURÍCIO, Gilead. Reportagens, comentários e etc por Gilead Maurício. Jorge Bornhausen e a vaca. Disponível em:. Acesso em: 29 de junho de 2010.

TELLES, Sérgio. Diário de Bordo. Preconceitos contra Nordestinos. Disponível em:. Acesso em: 29 de junho de 2010.

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