Patriota
precisa definir o que “não é justificável”, pois o embaixador inglês
justificou-se. Nada de novo. Em julho de 2005 o brasileiro Jean Charles
de Menezes, que vivia em Londres com todos os papéis em ordem, saiu de
casa, entrou num vagão de metrô e tomou sete tiros na cabeça. A Polícia
Metropolitana de Londres confundira-o com um terrorista e “lamentou o
episódio”. Sua família recebeu uma indenização de cem mil libras. Cinco
anos depois, Tony Blair, o primeiro-ministro da ocasião, publicou um
livro de memórias no qual lamentou o “terrível erro”, lembrando que
ficou “profundamente entristecido pelos policiais que estavam agindo de
boa-fé, tentando garantir a segurança do país”. Aleluia de novo. Os
governantes ingleses defendem suas polícias. Já as autoridades
brasileiras agem de maneira diversa: depois da morte de Jean Charles,
Blair foi convidado para prestar serviços de consultoria ao Rio de
Janeiro, preparando-o para as Olimpíadas.
Nessa época o governo inglês tentava criar, nos aeroportos de Pindorama, barreiras para viajantes brasileiros. Milhares de nativos eram deportados ao descer em aeroportos europeus. Uma pesquisadora da Universidade de São Paulo foi recambiada de Madri enquanto estava a caminho de Lisboa. Só depois de alguma gritaria o Itamaraty adotou um critério de reciprocidade, devolvendo espanhóis. Veio a crise e hoje é a Espanha que manda gente para o Brasil, sempre bem recebida.
Em julho o doutor Patriota repudiou o procedimento dos governos de Portugal, Espanha, França e Itália, que negaram direito de sobrevoo ao avião do presidente Evo Morales porque se supunha que tinha a bordo o americano Edward Snowden. Deu em quê? Detiveram o companheiro do jornalista americano que divulgou os documentos secretos coletados pelo ex-funcionário da CIA.
Se governos da Europa e dos Estados Unidos acreditam que suas leis especiais justificam-se porque o combate ao terrorismo é um conflito mundial, o receituário da Guerra Fria poderia ser ressuscitado. O governo brasileiro conhece as identidades dos funcionários ingleses que trabalham para o serviço de informações e vivem aqui, sob o guarda-chuva diplomático. Basta pedir que um deles retorne ao seu país, o que não chega a ser uma punição pessoal.
Seria apenas um gesto capaz de materializar o desagrado do governo, como fez a rainha Vitoria com o ditador boliviano Melgarejo. Ele amarrara o embaixador inglês a uma mula, e a soberana mandou bombardear La Paz. Ao saber que a cidade ficava fora do alcance de seus canhões, riscou a Bolívia de seu mapa e declarou que ela não existia mais.
Elio Gaspari é jornalista
Nessa época o governo inglês tentava criar, nos aeroportos de Pindorama, barreiras para viajantes brasileiros. Milhares de nativos eram deportados ao descer em aeroportos europeus. Uma pesquisadora da Universidade de São Paulo foi recambiada de Madri enquanto estava a caminho de Lisboa. Só depois de alguma gritaria o Itamaraty adotou um critério de reciprocidade, devolvendo espanhóis. Veio a crise e hoje é a Espanha que manda gente para o Brasil, sempre bem recebida.
Em julho o doutor Patriota repudiou o procedimento dos governos de Portugal, Espanha, França e Itália, que negaram direito de sobrevoo ao avião do presidente Evo Morales porque se supunha que tinha a bordo o americano Edward Snowden. Deu em quê? Detiveram o companheiro do jornalista americano que divulgou os documentos secretos coletados pelo ex-funcionário da CIA.
Se governos da Europa e dos Estados Unidos acreditam que suas leis especiais justificam-se porque o combate ao terrorismo é um conflito mundial, o receituário da Guerra Fria poderia ser ressuscitado. O governo brasileiro conhece as identidades dos funcionários ingleses que trabalham para o serviço de informações e vivem aqui, sob o guarda-chuva diplomático. Basta pedir que um deles retorne ao seu país, o que não chega a ser uma punição pessoal.
Seria apenas um gesto capaz de materializar o desagrado do governo, como fez a rainha Vitoria com o ditador boliviano Melgarejo. Ele amarrara o embaixador inglês a uma mula, e a soberana mandou bombardear La Paz. Ao saber que a cidade ficava fora do alcance de seus canhões, riscou a Bolívia de seu mapa e declarou que ela não existia mais.
Elio Gaspari é jornalista
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