Quem são e como operam as autoridades
ligadas aos tucanos investigadas pela participação no esquema que
trafegou por governos do PSDB em São Paulo
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
Na última semana, as investigações do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) e do Ministério Público mostraram a abrangência
nacional do cartel na área de transporte sobre trilhos. A tramoia,
concluíram as apurações, reproduziu em diversas regiões do País a
sistemática observada em São Paulo, de conluio nas licitações,
combinação de preços superfaturados e subcontratação de empresas
derrotadas. As fraudes que atravessaram incólumes 20 anos de governos do
PSDB em São Paulo carregam, no entanto, peculiaridades que as diferem
substancialmente das demais que estão sendo investigadas pelas
autoridades. O esquema paulista distingue-se pelo pioneirismo (começou a
funcionar em 1998, em meio ao governo do tucano Mário Covas), duração,
tamanho e valores envolvidos – quase meio bilhão de reais drenados
durante as administrações tucanas. Porém, ainda mais importante, o
escândalo do Metrô em São Paulo já tem identificada a participação de
agentes públicos ligados ao partido instalado no poder. Em troca do aval
para deixar as falcatruas correrem soltas e multiplicarem os lucros do
cartel, quadros importantes do PSDB levaram propina e azeitaram um
propinoduto que desviou recursos públicos para alimentar campanhas
eleitorais.
Ao contrário do que afirmaram o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso e o ex-governador José Serra na quinta-feira 15, servidores de
primeiro e segundo escalões da administração paulista envolvidos no
escândalo são ligados aos principais líderes tucanos no Estado. Isso já
está claro nas investigações. Usando a velha e surrada tática política
de despiste, Serra e FHC afirmaram que o esquema não contou com a
participação de servidores do Estado nem beneficiou governos comandados
pelo PSDB. Não é o que mostram as apurações do Ministério Público e do
Cade. Pelo menos cinco autoridades envolvidas na engrenagem criminosa,
hoje sob investigação por terem firmado contratos irregulares ou
intermediado o recebimento de suborno, atuaram sob o comando de dois
homens de confiança de José Serra e do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin: seus secretários de Transportes Metropolitanos. José Luiz
Portella, secretário de Serra, e Jurandir Fernandes, secretário de
Alckmin, chefiaram de perto e coordenaram as atividades dos altos
executivos enrolados na investigação. O grupo é composto pelos técnicos
Décio Tambelli, ex-diretor de operação do Metrô e atualmente coordenador
da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões da Secretaria
de Transportes Metropolitanos, José Luiz Lavorente, diretor de Operação e
Manutenção da CPTM, Ademir Venâncio, ex- diretor de engenharia da
estatal de trens, e os ex-presidentes do metrô e da CPTM, José Jorge
Fagali e Sérgio Avelleda.
Segundo documentos em poder do CADE e Ministério Público, estes cinco
personagens, afamados como bons quadros tucanos, se valeram de seus
cargos nas estatais paulistas para atender, ao mesmo tempo, aos
interesses das empresas do cartel na área de transporte sobre trilhos e
às conveniências políticas de seus chefes. Em troca de benefícios para
si ou para os governos tucanos, forneciam informações privilegiadas,
direcionavam licitações ou faziam vista grossa para prejuízos
milionários ao erário paulista em contratos superfaturados firmados pelo
metrô. As investigações mostram que estes técnicos do Metrô e da CPTM
transitaram pelos governos de Serra e Alckmin operando em maior ou menor
grau, mas sempre a favor do esquema.
Um dos destaques do quinteto é José Luiz Lavorente, diretor de
Operação e Manutenção da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM). Em um documento analisado pelo CADE, datado de 2008, Lavorente é
descrito como o encarregado de receber em mãos a propina das empresas
do cartel e distribuí-las aos políticos do PSDB e partidos aliados. O
diretor da CPTM é pessoa da estrita confiança de Alckmin. Foi o
governador de São Paulo que o promoveu ao cargo de direção na estatal de
trens, em 2003. Durante o governo Serra (2007-2008), Lavorente deixou a
CPTM, mas permaneceu em cargos de comando da estrutura administrativa
do governo como cota de Alckmin. Com o regresso de Alckmin ao Palácio
dos Bandeirantes, em 2011, Lavorente reassume o posto de direção na
CPTM. Além de ser apontado como o distribuidor da propina aos políticos,
Lavorente responde uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo
(MP-SP) que aponta superfaturamento e desrespeito à lei de licitações. O
processo refere-se a um acordo fechado por meio de um aditivo, em 2005,
que possibilitou a compra de 12 trens a mais do que os 30 licitados, em
1995 e só seria valido até 2000.
O ex-diretor de Operação do Metrô e atualmente coordenador da
Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões da secretaria de
Transportes Metropolitanos, Décio Tambelli, é outro personagem bastante
ativo no esquema paulista. Segundo depoimentos feitos por
ex-funcionários da Siemens ao Ministério Público de São Paulo, Tambelli
está na lista dos servidores que receberam propina das companhias que
firmaram contratos superfaturados com o metrô e a CPTM. Tambelli é muito
próximo do secretário de Transportes, Jurandir Fernandes. Foi Fernandes
que o alçou ao cargo que ocupa atualmente na administração tucana. Cabe
a Tambelli, apesar de estar na mira das investigações, acompanhar e
fiscalizar o andamento da linha quatro do metrô paulista, a primeira
obra do setor realizada em formato de parceria público-privada. Emails
obtidos por ISTOÉ mostram que, desde 2006, Tambelli já agia para
defender e intermediar os interesses das empresas integrantes do cartel.
Na correspondência eletrônica, em que Tambelli é mencionado,
executivos da Siemens narram os acertos entre as companhias do cartel no
Distrito Federal e sugerem que o acordo lá na capital seria atrelado “à
subcontratação da Siemens nos lotes 1+2 da linha 4” em São Paulo. “O
Ramos (funcionário do conglomerado francês Alstom) andou dizendo ao
Décio Tambelli do metrô SP, que não pode mais subcontratar a Siemens
depois do caso Taulois/Ben-hur (episódio em que a Siemens tirou técnicos
da Alstom para se beneficiar na pontuação técnica e vencer a licitação
de manutenção do metrô de Brasília)”, dizia o e-mail trocado entre os
funcionários da Siemens.
Outro homem do propinoduto tucano que goza da confiança de Jurandir
Fernandes e de Alckmin é Sérgio Avelleda. Ele foi nomeado presidente do
Metrô em 2011, mas seu mandato durou menos de um ano e meio. Avelleda
foi afastado após a Justiça atender acusação do Ministério Público de
improbidade administrativa. Ele era suspeito de colaborar em uma fraude
na concorrência da Linha 5 do Metrô, ao não suspender os contratos e
aditamentos da concorrência suspeita de formação de cartel. “Sua
permanência no cargo, neste atual momento, apenas iria demonstrar a
conivência do Poder Judiciário com as ilegalidades praticadas por
administradores que não respeitam as leis, a moral e os demais
princípios que devem nortear a atuação de todo agente público”, decretou
a juíza Simone Gomes Casorretti, ao determinar sua demissão. Após a
saída, Avelleda obteve uma liminar para ser reconduzido ao cargo e pediu
demissão. Hoje é consultor na área de transporte sobre trilhos e presta
serviços para empresas interessadas em fazer negócios com o governo
estadual.
De acordo com as investigações, quem também ocupou papel estratégico
no esquema foi Ademir Venâncio, ex-diretor da CPTM. Enquanto trabalhou
na estatal, Venâncio cultivou o hábito de se reunir em casas noturnas de
São Paulo com os executivos das companhias do cartel para fornecer
informações internas e acertar como elas iriam participar de contratos
com as empresas públicas. Ao deixar a CPTM, em meados dos anos 2000, ele
resolveu investir na carreira de empresário no setor de engenharia. Mas
nunca se afastou muito dos governos do PSDB de São Paulo. A Focco
Engenharia, uma das empresas em que Venâncio mantém participação,
amealhou, em consórcios, pelo menos 17 consultorias orçadas em R$ 131
milhões com as estatais paulistas para fiscalizar parcerias
público-privadas e andamento de contratos do governo de Geraldo Alckmin.
Outra companhia em nome de Venâncio que também mantém contratos com o
governo de São Paulo, o Consórcio Supervisor EPBF, causa estranheza aos
investigadores por possuir capital social de apenas R$ 0,01. O
Ministério Público suspeita que a contratação das empresas de Venâncio
pela administração tucana seja apenas uma cortina de fumaça para
garantir vista grossa na execução dos serviços prestados por empresas do
cartel. As mesmas que Venâncio mantinha relação quando era servidor
público.
A importância da secretaria Transportes Metropolitanos e suas
estatais subordinadas, Metrô e CPTM, para o esquema fica evidente
quando se observa a lógica das mudanças de suas diretorias nas
transições entre as gestões de Serra e Alckmin. Ao assumir o governo em
2007, José Serra fez questão de remover os aliados de Alckmin e colocar
pessoas ligadas ao seu grupo político. Um movimento que seria revertido
com a volta de Alckmin em 2011. Apesar dessa dança de cadeiras, todos os
integrantes do esquema permaneceram em postos importantes das duas
administrações tucanas. Quem sempre operou essas movimentações e trocas
de cargos, de modo a assegurar a continuidade do funcionamento do
cartel, foram os secretários de Transportes Metropolitanos de Serra e
Alckmin, José Luiz Portella e Jurandir Fernandes.
Homem forte do governador Geraldo Alckmin, Fernandes começou sua
trajetória política no PT de Campinas, interior de São Paulo. Chegou a
ocupar o cargo de secretário municipal dos Transportes na gestão
petista, mas acabou expulso do partido em 1993 e ingressou no PSDB. Por
transitar com desenvoltura pelo governo do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, Jurandir foi guindado a diretor do Denatran
(Departamento Nacional de Trânsito) em 2000. No ano seguinte,
aproximou-se do então governador Alckmin, quando assumiu pela primeira
vez o cargo de secretário estadual de Transportes Metropolitanos. Neste
primeiro período à frente da pasta, tanto a CPTM quanto o Metrô firmaram
contratos superfaturados com empresas do cartel. Quando Serra assume o
governo paulista em 2007, Jurandir é transferido para a presidência da
Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano), responsável
pela formulação de políticas públicas para a região metropolitana de São
Paulo. Com o retorno de Alckmin ao governo estadual em 2011, Jurandir
Fernandes também volta ao comando da disputada pasta. Nos últimos dias, o
secretário de Transportes tem se esforçado para se desvincular dos
personagens investigados no esquema do propinoduto. Fotos obtidas por
ISTOÉ, no entanto, mostram Jurandir Fernandes em companhia de Lavorente e
de lobistas do cartel durante encontro nas instalações da MGE
Transporte em Hortolândia, interior de São Paulo. Um dos fotografados
com Fernandes é Arthur Teixeira que, segundo a investigação, integra o
esquema de lavagem do dinheiro da propina. Teixeira, que acompanhou a
solenidade do lado do secretário Fernandes, nunca produziu um parafuso
de trem, mas é o responsável pela abertura de offshores no Uruguai
usadas pelo esquema. Outro companheiro de solenidades flagrado com
Fernandes é Ronaldo Moriyama ex-diretor da MGE, empresa que servia de
intermediária para o pagamento das comissões às autoridades e políticos.
Moriyama é conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade ao
subornar diretores do Metrô e CPTM, segundo depoimentos obtidos pelo
Ministério Público.
No governo Serra, quem exercia papel político idêntico ao de Jurandir
Fernandes no governo Alckmin era o então secretário de Transportes
Metropolitanos, José Luiz Portella. Serrista de primeira hora, ele
ingressou na vida pública como secretário na gestão Mário Covas.
Portelinha, como é conhecido dentro do partido, é citado em uma série de
e-mails trocados por executivos da Siemens. Num deles, Portella, assim
como Serra, sugeriram ao conglomerado alemão Siemens que se associasse
com a espanhola CAF em uma licitação para compra de 40 novos trens. O
encontro teria ocorrido em um congresso internacional sobre ferrovias
realizado, em 2008, na cidade de Amsterdã, capital da Holanda. Os dois
temiam que eventuais disputas judiciais entre as companhias atrasassem o
cronograma do projeto. Apesar de o negócio não ter se concretizado
nestas condições, chama atenção que o secretário sugerisse uma prática
que resulta, na maioria das vezes, em prejuízos aos cofres públicos e
que já ocorria em outros contratos vencidos pelas empresas do cartel.
Quem assinava os contratos do Metrô durante a gestão de Portella era
José Jorge Fagali, então presidente do órgão. Ex-gerente de controle da
estatal, ele teve de conviver com questionamentos sobre o fato de o seu
irmão ser acusado de ter recebido cerca de US$ 10 milhões da empresa
francesa Alstom. A companhia, hoje envolvida nas investigações do
cartel, é uma das principais vencedoras de contratos e licitações da
empresa pública.
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