O pastor Marcos Pereira, preso suspeito de cometer uma série de crimes, é acusado de ser mandante de um assassinato e testemunhas se dizem coagidas por seus seguidores
Michel AlecrimPreso desde maio em uma cela isolada do presídio de Bangu 9, no subúrbio do Rio de Janeiro, o pastor Marcos Pereira, 56 anos, continua falando para multidões. Com sua pregação exaltada, segue angariando convertidos na cadeia. Ergue as mãos para fora das grades e, em voz alta, comanda a reza, que é acompanhada por detentos em celas próximas. Pereira não usufrui do banho de sol junto dos outros presos porque se recusa a tirar a camisa, alegando motivos religiosos. Está mais magro e perdeu um dos dentes da frente. “Ele vai ser absolvido. Ofereceram dinheiro para as supostas vítimas”, diz Luiz Carlos da Silva Neto, advogado do pastor.
Amélia não é a única a se sentir ameaçada pelos fiéis seguidores do pastor Pereira. ISTOÉ entrevistou duas mulheres que dizem ter sido estupradas pelo pastor. Elas pediram para não ser identificadas. Uma sofreu represália após um depoimento: disse que um grupo tentou arrombar a porta de sua casa e foi impedido por vizinhos. Todos da família se mudaram para casa de parentes. “Pensei em entrar para o Programa de Proteção à Testemunha, mas desisti por causa das crianças, que seriam obrigadas a mudar de escola. Todo dia eu penso: ‘Hoje eu não morri, graças a Deus’”, conta. A outra testemunha, também sob anonimato, diz, igualmente, viver com medo. “Estava numa loja e um homem da igreja chegou perto do caixa e começou a armar uma confusão. Era para me intimidar”, afirma. Pereira foi acusado, junto com dois integrantes da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, Lúcio Oliveira Câmara Filho e Daniel Candeias da Silva, de coação a testemunhas. Mas, devido a erros de procedimento do Ministério Público, esse processo foi suspenso e aguarda, agora, o procurador-geral de Justiça do Estado, Marfan Vieira, encaminhar de novo a denúncia à Justiça. “Com todas as vítimas, o pastor usava de seu poder como líder religioso e fazia ameaças, caso elas viessem a acusá-lo”, diz a promotora Luciana Barbosa Delgado, que atua num dos processos. “Por esse motivo, não me surpreende que muitas desistam de testemunhar.”
TRAJETÓRIA
O pastor, que ficou famoso por converter bandidos, foi preso em maio.
Abaixo, a sede da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, no Rio
O pastor, que ficou famoso por converter bandidos, foi preso em maio.
Abaixo, a sede da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, no Rio
Pereira se tornou famoso no Brasil por converter bandidos de alta periculosidade e ajudar a controlar rebeliões em presídios. Calcula-se que tenha dez mil seguidores. No ano passado, foi acusado por um ex-parceiro, o coordenador da ONG AfroReggae, José Júnior, de ser “a maior mente criminosa do Rio e de estar por trás de um plano para matá-lo”. Segundo Júnior, o pastor teria dito a traficantes presos que ele seria o responsável por transferências de chefes de facções de penitenciárias, o que equivale a uma sentença de morte. Júnior vive sob escolta policial e luta para prosseguir com a ONG que teve a unidade do complexo do Alemão incendiada e a da Vila Cruzeiro metralhada. Após um ano e meio do início das investigações, Pereira ainda não foi julgado.
REVIDE
Amélia Batista, com a foto da filha Adelaide, morta em 2006. Testemunha diz que
ela preparava um dossiê contra Pereira e por isso foi assassinada
A explicação para a demora é que há fatos que ocorreram há muitos
anos e são de difícil encaminhamento, até pela desistência de parte das
testemunhas. À ISTOÉ, o coordenador do AfroReggae aponta outra causa: um
lobby da bancada evangélica da Câmara dos Deputados estaduais para
libertar o líder religioso. “O que mais me surpreendeu não foi a reação
do narcotráfico (com quem o pastor é acusado de estar associado), mas a
do efetivo de parlamentares que o apoiam”, diz. “Quando fiz a denúncia
contra o pastor, sabia que estaria atingindo um alvo muito poderoso. Já
fui aconselhado até a sair do País, mas não saio nem volto atrás”,
garante.Amélia Batista, com a foto da filha Adelaide, morta em 2006. Testemunha diz que
ela preparava um dossiê contra Pereira e por isso foi assassinada
AGRESSÃO
José Júnior, do AfroReggae: ele denunciou o pastor
e duas unidades da ONG foram atacadas
O delegado Dubugras apura o envolvimento do religioso também com o
tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e homicídios. “Ele demonstra ter
relação íntima com os chefes do Comando Vermelho”, afirma. Numa conversa
gravada com autorização da Justiça, em 10 de maio, na penitenciária de
segurança máxima de Catanduvas (PR), os traficantes Luiz Fernando da
Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio Nepomuceno dos Santos, o
Marcinho VP, lamentaram a prisão de Pereira e mandaram punir José
Júnior, do AfroReggae. “Foi o Juninho que estava por trás disso. Tinha
que mandar um salve lá para ele”, ordenou Beira-Mar. “Salve” significa
ataque ou represália. Logo depois, as unidades da ONG foram incendiadas e
metralhadas.José Júnior, do AfroReggae: ele denunciou o pastor
e duas unidades da ONG foram atacadas
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