por Maria Ercília de Araújo
O texto que se segue propõe uma reflexão sobre o lugar que a epidemiologia ocupa no campo da saúde bucal.
A saúde bucal é um importante aspecto da saúde das pessoas e de seu
bem estar. Boa saúde bucal significa melhor convivência social,
comunicabilidade, melhores condições de mastigação, que proporcionam
prazer na degustação de diversos tipos de alimentos, autoconfiança
social, ou seja, qualidade de vida. A maioria dos problemas bucais é
passível de prevenção por meio de métodos há muito investigados.
Quando a saúde bucal está comprometida, o sofrimento ocasionado pelas doenças bucais ocorre em diversos setores da vida.
Dor, desconforto, noites maldormidas causadas por diversas patologias
bucais, tais como a cárie dentária, a doença periodontal, as erosões
dentárias, o câncer bucal, entre outras, comprometem a saúde e a
qualidade de vida fica prejudicada ocasionando muitas despesas para a
sociedade e para o indivíduo isoladamente.
Por isso, realizar levantamentos epidemiológicos em saúde bucal é de
grande importância, já que, conhecendo o estado atual da saúde bucal de
uma população e suas necessidades de cuidados de saúde bucal, é possível
fazer um melhor planejamento das necessidades odontológicas de um
bairro, cidade, estado e até mesmo de um país.
A epidemiologia em saúde bucal, especialmente no Brasil, tem
desempenhado papel de destaque na organização do sistema nacional de
saúde e nas políticas públicas de saúde bucal. Apenas para reiterar esta
importante contribuição, vamos citar os levantamentos epidemiológicos
nacionais de 2000 e 2010, que traçaram um perfil da distribuição e
frequência das principais doenças da boca no Brasil, estabelecendo
relações causais e identificando determinantes desses processos, tais
como renda, escolaridade da mãe, aglomerado familiar, acesso à água
fluoretada, dentre outros.
Voltando nosso olhar para relação com a clínica odontológica e sua
interface com a epidemiologia, podemos verificar que os estudos de
cariologia, por exemplo, foram, em boa medida, pautados por achados
epidemiológicos e o manejo clínico da cárie dental — maior problema de
saúde bucal, em incidência e prevalência — foi influenciado também pelos
achados da epidemiologia que identificou um fenômeno relativamente
recente denominado de “polarização da cárie”, ou seja, com levantamentos
epidemiológicos, estabelecendo a distribuição e a frequência da cárie
dental em determinadas populações, observou-se que a cárie não ocorre de
forma padronizada e homogênea na população. Coexistem neste cenário uma
grande porcentagem de indivíduos que estão livres da cárie e uma
concentração de doença (severidade) em uma pequena parte da população
examinada e, quando isso ocorre, é necessário que a clínica se reinvente
e proponha métodos de intervenção distintos para os grupos que
apresentam riscos diferentes.
Os levantamentos epidemiológicos servem como importante instrumento
para definição, implementação e avaliação de ações coletivas e
individuais, preventivas e assistenciais. Não deve ser um fim em si
mesmo, mas uma forma de conhecer a realidade epidemiológica de
determinada população. (ANTUNES E PRES, 2006)
Levantamentos epidemiológicos são definidos como estudos que fornecem
informações básicas sobre a situação de saúde e/ou necessidades de
tratamento de uma população. Eles produzem dados básicos confiáveis para
o desenvolvimento de programas nacionais ou regionais de saúde bucal e
para o planejamento das ações.
Seus principais objetivos são: avaliar as condições e os problemas de
saúde bucal; decidir quais são os problemas prioritários; selecionar as
medidas de intervenção para aumentar o acesso e a cobertura; avaliar a
efetividade e o impacto no nível de saúde bucal.
Os principais agravos que acometem a saúde bucal e que têm sido
objeto de estudos epidemiológicos em virtude de sua prevalência e
gravidade são: (1) cárie dentária; (2) doença periodontal – (a)
gengivite e (b) periodontite; (3) câncer de boca; (4) traumatismos
dentários; (5) fluorose dentária; (6) edentulismo; e, (7) má oclusão.
A área de Epidemiologia em Saúde Bucal no Brasil teve levantamentos
nacionais em 1986, 1996 e 2003, feitos pelo Ministério da Saúde (MS),
através do Departamento de Atenção Básica (DAB), da Coordenação Nacional
de Saúde Bucal.
O SBBrasil 2003, traçou um dos mais amplos diagnósticos do perfil de
saúde bucal dos brasileiros e constituiu a base para a implementação das
principais estratégias propostas no Brasil Sorridente. Foram avaliados
108.921 brasileiros. Quase 27% das crianças de 18 a 36 meses
apresentaram pelo menos um dente decíduo com cárie, e a proporção chegou
a quase 60% na faixa de 5 anos. Na dentição permanente, quase 70% das
crianças de 12 anos e cerca de 90% dos adolescentes (15 a 19 anos)
apresentaram ao menos um dente com experiência de cárie. Entre as
conclusões, a análise apontou que o declínio da cárie dentária na
população infantil vem ocorrendo de forma desigual na população
brasileira.
A Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Projeto SBBrasil 2010 foi
realizada nas 26 capitais estaduais, no Distrito Federal e em 150
municípios do interior de diferentes portes populacionais, tendo sido
examinados 37.519 indivíduos, pertencentes às faixas etárias de 5, 12,
15 a 19, 34 a 45 e 65 a 74 anos.
Observou-se que a proporção de indivíduos livres de cárie (CEO/CPO =
0) diminui em função da idade, um fenômeno que é comum, considerando-se o
caráter cumulativo dos índices utilizados. Aos 5 anos de idade, 46,6%
das crianças brasileiras estão livres de cárie na dentição decídua e,
aos 12 anos, 43,5% apresentam a mesma condição na dentição permanente.
Nas idades de 15 a 19, 35 a 44 e 65 a 74 anos, os percentuais foram
23,9%, 0,9% e 0,2%, respectivamente.
Grandes diversidades regionais e entre as capitais e os municípios do
interior também são percebidas em todas as idades. Percentuais de
CPO-D/CEO-D = 0 são sempre inferiores nas regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste quando comparados com os das regiões Sul e Sudeste.
Aos 5 anos de idade, uma criança brasileira possui, em média, o
índice de 2,43 dentes com experiência de cárie, com predomínio do
componente cariado, que é responsável por mais de 80% do índice.
Crianças de 12 anos de idade e adolescentes de 15 a 19 anos apresentam,
respectivamente, em média, os índices de 2,07 e 4,25 dentes com
experiência de cárie dentária. No que se refere aos adultos, o CPO-D
médio foi de 16,75 na faixa etária de 35 a 44 anos e de 27,53 na faixa
de 65 a 74.
A cárie dentária, entre outros agravos, é uma doença controlável,
porém que ainda hoje atinge em graus severos populações de alto risco
social. Estudos epidemiológicos permitem, ao conhecer e diagnosticar o
problema, avançar na solução e na efetividade de programas de atenção à
saúde bucal.
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