3.19.2014

Tribunal Tiradentes III: um julgamento histórico

 Tiradentes III começar o julgamento da Lei da Anistia e de seu caráter de reciprocidade a assassinos e torturadores da ditadura, o Levante da Juventude animou a plateia com seu rap pela justiça e punição dos crimes cometidos pelo regime militar. O caráter recíproco da lei foi condenado no julgamento.
Na apresentação do trabalho, a professora Rosalina Santa Cruz, da Comissão da Verdade da PUC-SP, citou a presença na plateia do desembargador Márcio José de Moraes, primeiro juiz no Brasil a condenar a ditadura pela prisão, tortura e morte de um preso político: o jornalista  Vladimir Herzog, em outubro de 1978, pleno governo de exceção do general Geisel. A condenação de Márcio veio no processo em que a viúva de Herzog, Clarice, acusava a União pelo assassinato do marido.
Rosalina também destacou a importância da reedição do Tiradentes III, contando a história dos tribunais anteriores, cobrando a punição dos criminosos e o efetivo cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) que condenou o Brasil pelo desaparecimento (assassinato) de cerca de 70 combatentes na Guerrilha do Araguaia, para que se faça Justiça no país.
Começo dos Trabalhos
Luiz Eduardo Greenhalgh
Em seguida, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogado de vários militantes políticos presos e torturados durante o regime militar, abriu os trabalhos: “Estamos fazendo um julgamento simulado de um aspecto específico da Lei de Anistia: o artigo 1º, parágrafo 1º, que estendeu a anistia também aos agentes do Estado”.
“A questão discutida aqui é a seguinte: os integrantes do aparelho da repressão política podem continuar sendo beneficiários da Lei de Anistia?”, questionou Greenhalgh, que participou dos dois Tribunais anteriores e lembrou da importância de cada um deles.
“Espero que essa sentença faça com que eles sejam excluídos do manto protetor da Lei de Anistia”, afirmou Greenhalgh ao passar a palavra para o presidente do Tribunal, jornalista Juca Kfoury. Este, por sua vez, lembrou os presidentes dos Tribunais anteriores, o senador Teotonio Vilela (PMDB-AL), que comandou o I Tribunal em 1983, que condenou a Lei de Segurança Nacional; e o jurista Godofredo da Silva Telles, à frente dos trabalhos do II, que condenou o colégio eleitoral, com que a ditadura  referendava os presidentes da República escolhidos pelos militares.
Testemunhas
Kfouri explicou o funcionamento do julgamento: “Vamos discutir os crimes praticados pelos agentes do Estado”. E assim abriram-se os trabalhos com as testemunhas de defesa: o procurador da República Marlon Weichert, a representante dos familiares dos mortos e desaparecidos, Amelia Telles, o secretário de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, Rogério Sotilli, o presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo, e a deputada Luiza Erundina.
Marlon Weichert
                                               Marlon Weichert
Marlon Weichert destacou que o dispositivo da Lei de Anistia que exime da responsabilização os agentes do Estado interpreta os direitos humanos “com os óculos dos ditadores e da Constituição outorgada de 1969. Uma lei como essa não pode ser válida”. Frisou, ainda, que legislação “tão escandalosamente injusta, não pode ser fonte de direito, pois privilegia o torturador em benefício da vítima”.
Em relação à Lei da Anistia, disse ele, “faltam-nos apenas a coragem e a disposição político-institucional de assumir a inconstitucionalidade da interpretação oficial e de admitir que ela também é incompatível com o direito internacional sobre os direitos humanos”.
“Onde estão os desaparecidos políticos?”
Na sequência, Amelinha Teles relatou os esforços e a luta dos familiares de vítimas e desaparecidos que, ao longo de mais de 40 anos, se questionam onde estão os desaparecidos políticos. Ela lembrou que “os familiares ainda em plena ditadura buscaram incansavelmente os vestígios dos crimes do Estado terrorista. Coube e ainda cabe a eles, familiares, todo o ônus das buscas e das provas.”
Relatou, ainda, as histórias de familiares que sofreram ameaças e o caso de Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Angel, “morta em uma emboscada pelos mesmos criminosos que mataram seu filho”. Citou, também, a luta de Rui Vieira Berbert, pai do militante Rui Vieira Berbert, que fez um enterro para o seu filho, sem o corpo, colocando num caixão vazio apenas um terno e os sapatos. “Vá meu filho, vá com Deus”. Amelinha recordou, ainda, o caso de Dona Elzita, que durante dez anos recusou-se a mudar de casa no Recife – temendo ser procurada e não encontrada, ela ficou à espera de que alguém pudesse lhe dar alguma informação sobre o filho, Fernando Santa Cruz.
AmelinhaTelles
AmelinhaTellesAmelinha falou sobre a luta dos familiares dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, que os levou a recorrer à CIDH-OEA que deu, como sentença, a condenação do Brasil a investigar os crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis, e a punir seus responsáveis e os cúmplices pelas atrocidades cometidas naquele movimento. Amelinha também lamentou a decisão do STF, de 2010, que reconheceu como legal o caráter recíproco da anistia. A militante pró-direitos humanos considerou a decisão da Corte “retrógrada, antiética e imoral”.
Consequências da impunidade
“Os militares não permitiram que fossem anistiados os militantes que participaram da luta armada, mas beneficiaram os torturadores”, lembra. “Os torturadores têm as mãos sujas de sangue de nossos companheiros assassinados nos quartéis, centros clandestinos e unidades do DOI-CODI”, complementou.
Rogério Sotilli, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, lembrou que a capital paulista foi palco de 20% dos assassinatos e desaparecimentos políticos cometidos no período e foi sede do DOPS, da OBAN – Operação Bandeirantes, DOI-CODI, e de episódios como o Massacre da Lapa, a Batalha da Maria Antônia, e a vala Dom Bosco no cemitério de Perus, entre outros.
Rogerio Sotilli
Rogério Sotilli
Sotilli destacou a cultura da violência gerada pela impunidade: “A impunidade arraigada reforça os estereótipos das forças de segurança. Convivemos com estatísticas inaceitáveis de mortes de pessoas pelas mãos do Estado. A mortalidade de jovens negros e na periferia é crescente, especialmente por homicídios cometidos pela polícia”.
Para ele, “jamais” as “atrocidades” cometidas pelos agentes do Estado durante a ditadura militar poderiam ser consideradas crimes políticos ou conexos: “Tortura, desaparecimento forçado e estupro são crimes comuns. Não há a menor possibilidade de considerar essas condutas como conexas a qualquer eventual crime político, que não poderiam, de todo modo, ser cometidos por agentes estatais. Como representantes do poder, eles não podiam recorrer a crimes crimes para fazer a disputa política.”
Concordar com atual interpretação da  Lei de Anistia
Já o deputado estadual Adriano Diogo (PT) deixou claro o que significa concordar com a atual interpretação da lei da anistia: “Concordar com a atual interpretação da lei é concordar que as ocorrências da PM continuem a ser preenchidas como resistência seguida de morte”, “com todas as chacinas e grupos de extermínio das PMs do Brasil, inclusive arrastando cidadãos pelas ruas em viaturas”, e “com a criminalização dos movimentos sociais”.
Adriano Diogo
Adriano Diogo
“Concordar com a Lei de Anistia é sepultar definitivamente cerca de 500 companheiros que foram mortos sem que seus corpos tenham sido devolvidos às famílias. É concordar que 80 mil brasileiros torturados não tenham direito a ter suas vidas revisadas. É concordar com o genocídio dos indígenas e camponeses. É concordar com a mídia concentrada nas mãos de cinco ou seis famílias que dirigem o país”, afirmou, frisando a urgência da abertura dos arquivos militares no país.
Debate travado na Câmara
Por fim, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) contestou o argumento de que a Lei de Anistia fez parte de um consenso social: “Ao contrário, a sociedade queria impedir a aprovação de uma lei manca, uma lei que é um absurdo jurídico”.
Contou, ainda, da sua luta dentro do Congresso pela aprovação do projeto de Lei 573, de sua autoria, que revoga a Lei da Anistia, e que ela apresentou após a sentença do STF (2010). Na sentença, o STF argumentou que a Lei de Anistia  respeita a Constituição e que, por isso, ele não tinha competência para derrubá-la. Foi aí que ela resolveu colocar o debate dentro do Legislativo: “Se foi o Legislativo, um dos Poderes da República, que aprovou essa lei, esse mesmo Poder também tem a prerrogativa de rever essa decisão”.
Erundina
Erundina
Seu projeto foi apresentado em 2011, após a sentença da CIDH-OEA. Atualmente, contou Erundina, o projeto está parado na Comissão de Justiça e Cidadania da Câmara e corre risco de não ser aprovado. A deputada lamentou, profundamente, o fato de ex-presos políticos terem votado contra o projeto que determina a punição dos criminosos do Estado militar. “Por isso minha esperança de que o impacto desse tribunal e sua repercussão na sociedade criem condições políticas para pressionar o Congresso”, afirmou a deputada. “Não vamos desanimar, enquanto não se fizer Justiça”, concluiu.

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