Avançam as negociações para a assinatura de um acordo de livre-comércio entre o bloco liderado pelo Brasil e a União Europeia, mas persistem dúvidas
por Carlos Drummond
—
Roberto Stuckert Filho/Presidência da República
Angela Merkel, a chanceler alemã, e
Dilma durante encontro em Cannes, na França, em 2011. A aliança está
próxima, diz Dilma, de olho na tecnologia da Alemanha, um caminho para
superar a dependência do eficiente agronegócio por meio da modernização
da indústria, concentrada na produção de automóveis caros e sem mercado
externo
Tema quase proibido há um ano devido aos seus
impactos na economia, a possibilidade de um acordo comercial entre o
Mercosul e a União Europeia tem aceitação crescente entre o empresariado
e o governo. A tomada contínua de mercados de exportação de produtos
brasileiros pela China, da Argentina ao Peru, e a intensificação das
negociações entre países do hemisfério norte de pactos comerciais
capazes de moderar a entrada dos imbatíveis produtos orientais deu
urgência ao assunto. Um acerto está próximo, disse Dilma Rousseff em
abril durante a 7ª Cúpula Brasil-União Europeia, em Bruxelas.
A aceleração das negociações nos últimos meses de dois mega-acordos dos Estados Unidos com países do Pacífico e a União Europeia criou ansiedade no Brasil por um entendimento entre o Mercosul e os europeus. Mantido em segredo, o teor da pretendida união comercial de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai com a Europa terá por base, conforme apurou CartaCapital, o tratado de última geração firmado entre a UE e a Coreia. Os pontos principais são a redução de tarifas conforme a sensibilidade dos produtos, fixação de cotas para a agricultura e acordos de boas intenções em relação aos itens restantes.
Nos ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, o tratado é considerado certo, mas há divergências internas quanto ao seu interesse para o País. Na indústria, a receptividade aumentou nos últimos meses, mas persistem receios. A CNI defende a troca de ofertas entre o Mercosul e a União Europeia “até para conhecermos o que os europeus têm a oferecer”, afirma o diretor de Desenvolvimento Industrial Carlos Abijaodi. Tão importante quanto a redução das barreiras tarifárias é a diminuição das “barreiras não-tarifárias, regulamentos impeditivos das trocas comerciais e de investimentos”. A CNI quer acordos comerciais também com os Estados Unidos, Canadá, México e Japão. “Nossa estratégia é aproveitar a complementaridade da economia brasileira com as do Atlântico Norte e utilizar esse mercado para competir com a Ásia", explica Abijaodi.
A Abimaq é a favor da abertura e do acordo. “Mas antes”, diz o diretor Lourival Júnior Franklin, “é preciso reduzir o custo Brasil, de 37%”. Sem problemas de competitividade, a agropecuária quer o acordo com a UE, declara a CNA.
A indústria sente-se encurralada pelo baixo crescimento do país, a deficiência crônica de competitividade e a invasão dos produtos concorrentes, principalmente chineses. O Brasil tem poucos acordos, é visto como relativamente isolado das principais tratativas comerciais e perde acesso a diversos mercados internacionais em razão das preferências tarifárias, cotas agrícolas e redução de barreiras não tarifárias concedidas por parceiros comerciais a outras nações por meio da negociação de acordos preferenciais. Os mega-acordos Transpacífico (TTP, na sigla em inglês), entre Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã e possivelmente Japão e Coreia do Sul, e Transatlântico (TTIP), entre EUA e a União Europeia, serão referências para as regras do comércio e a legislação econômica internacional.
Os críticos da negociação receiam o enfraquecimento da indústria, a perda de autonomia na definição de políticas e a erosão desse importante mercado para os manufaturados brasileiros. Os defensores admitem efeitos negativos para a indústria (um estudo aponta a possibilidade de perda de 3% do “PIB setorial” em 14 áreas), mas acreditam na possibilidade de diluição dos efeitos no tempo e esperam ganhos no médio prazo com o aumento das exportações.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto-Representante Geral do Mercosul, considera um acordo entre Mercosul e União Europeia “algo gravíssimo”, por envolver compromissos em outras áreas além da comercial e limitar as possibilidades de política econômica e desenvolvimento. Segundo ele, igualaria o tratamento do capital instalado no Brasil ao das empresas multinacionais da União Europeia e, com a queda da barreira de impostos de 35% para veículos importados, poderia provocar o retorno das montadoras europeias aos países de origem. Caso ocorra uma redução a zero das tarifas industriais para 90% dos itens de cada uma delas, o Brasil sairá perdendo comparativamente em razão das alíquotas serem mais baixas na Europa. Mantidas as ofertas anteriores da UE de cotas agrícolas, os montantes seriam inferiores ao atualmente exportado pelo Mercosul. A redução tarifária seria, em boa medida, inócua, pois o comércio significativo se dá entre empresas e nada tem a ver com tarifas, mas com o modelo produtivo.
O embaixador contesta o diagnóstico de isolamento do Brasil e aponta o fluxo expressivo de entrada de investimento estrangeiro direto. Identifica “um problema ideológico na defesa do acordo, pois todo empresário quer livre comércio no universo dos seus fornecedores, não no seu mercado.” O livre comércio para subdesenvolvidos não é uma coisa boa. “Nenhum país hoje desenvolvido o praticou”. O tratado em vista inviabilizaria as políticas de conteúdo nacional, de preferência a empresas locais nas compras governamentais e abriria a concorrência com as estrangeiras.
Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Comércio Global e Investimento da FGV-SP, discorda e defende acordos com os grandes. “Não adianta casar com pobre. Ficar atrelado ao Mercosul é afundar o Brasil de vez”.
O mundo mudou, diz Thorstensen. Em vez de apostar em tratativas na OMC com 160 países sob regras ultrapassadas (desde 1994 não há negociação), os EUA e a União Europeia colocam todas as fichas no TTIP, a “OMC Transatlântica”. “Há necessidade de criar regras novas de investimento, meio ambiente, concorrência, trabalhistas, para a economia e o comércio digitais, e isso não vai sair na OMC. É tudo novidade”.
Um acordo com a UE tem impactos na área de propriedade intelectual e abre a possibilidade de o investidor estrangeiro acionar o Estado por mudanças na legislação, invenção dos EUA implantada no Nafta. Ao contrário do México, países como a Austrália repeliram a regra e “o Brasil é forte e grande o suficiente para barrá-la”, acredita a especialista.
A professora da FGV prossegue: o Mercosul é prova da incompetência brasileira, um acordo setorial protetor de montadoras estrangeiras ineficientes de carros entre os mais caros do mundo, não competitivos fora desse circuito. “Elas arrancam tudo do governo em troca da manutenção dos empregos e são os maiores exportadores de recursos.” O Mercosul preocupa-se com Argentina e Venezuela, mas perdeu Colômbia e Peru, alvos da China. O Chile e o México tem 50 acordos cada, enumera.
Sem o acerto com a UE, avalia Thorstensen, os Estados Unidos vão “comer” as nossas cotas de laranja, soja e carne. Com o tratado, ainda é possível obter tecnologias alemã e francesa e ter uma pauta exportadora mais decente. “É incompetência política nossa não exportar quase nada além de soja e minério de ferro, como a China quer”.
Comparadas às barreiras técnicas e fitossanitárias e ao câmbio, as tarifas são menos importantes, compara a pesquisadora. A média das tarifas brasileiras é de 10%, com pico de 35% para brinquedos e automóveis. Com o acordo, seria preciso baixá-las em dez anos. Para alguns produtos, seria zerada em dois ou três anos, para outros o prazo poderia alcançar 15 anos, a depender da capacidade de negociação da nossa diplomacia. Uma diminuição das barreiras técnicas e fitossanitárias poderia reduzir o custo para o Brasil em 20%, até 30% conforme o setor, afirma Thorstensen.
A aceleração das negociações nos últimos meses de dois mega-acordos dos Estados Unidos com países do Pacífico e a União Europeia criou ansiedade no Brasil por um entendimento entre o Mercosul e os europeus. Mantido em segredo, o teor da pretendida união comercial de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai com a Europa terá por base, conforme apurou CartaCapital, o tratado de última geração firmado entre a UE e a Coreia. Os pontos principais são a redução de tarifas conforme a sensibilidade dos produtos, fixação de cotas para a agricultura e acordos de boas intenções em relação aos itens restantes.
Nos ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, o tratado é considerado certo, mas há divergências internas quanto ao seu interesse para o País. Na indústria, a receptividade aumentou nos últimos meses, mas persistem receios. A CNI defende a troca de ofertas entre o Mercosul e a União Europeia “até para conhecermos o que os europeus têm a oferecer”, afirma o diretor de Desenvolvimento Industrial Carlos Abijaodi. Tão importante quanto a redução das barreiras tarifárias é a diminuição das “barreiras não-tarifárias, regulamentos impeditivos das trocas comerciais e de investimentos”. A CNI quer acordos comerciais também com os Estados Unidos, Canadá, México e Japão. “Nossa estratégia é aproveitar a complementaridade da economia brasileira com as do Atlântico Norte e utilizar esse mercado para competir com a Ásia", explica Abijaodi.
A Abimaq é a favor da abertura e do acordo. “Mas antes”, diz o diretor Lourival Júnior Franklin, “é preciso reduzir o custo Brasil, de 37%”. Sem problemas de competitividade, a agropecuária quer o acordo com a UE, declara a CNA.
A indústria sente-se encurralada pelo baixo crescimento do país, a deficiência crônica de competitividade e a invasão dos produtos concorrentes, principalmente chineses. O Brasil tem poucos acordos, é visto como relativamente isolado das principais tratativas comerciais e perde acesso a diversos mercados internacionais em razão das preferências tarifárias, cotas agrícolas e redução de barreiras não tarifárias concedidas por parceiros comerciais a outras nações por meio da negociação de acordos preferenciais. Os mega-acordos Transpacífico (TTP, na sigla em inglês), entre Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã e possivelmente Japão e Coreia do Sul, e Transatlântico (TTIP), entre EUA e a União Europeia, serão referências para as regras do comércio e a legislação econômica internacional.
Os críticos da negociação receiam o enfraquecimento da indústria, a perda de autonomia na definição de políticas e a erosão desse importante mercado para os manufaturados brasileiros. Os defensores admitem efeitos negativos para a indústria (um estudo aponta a possibilidade de perda de 3% do “PIB setorial” em 14 áreas), mas acreditam na possibilidade de diluição dos efeitos no tempo e esperam ganhos no médio prazo com o aumento das exportações.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto-Representante Geral do Mercosul, considera um acordo entre Mercosul e União Europeia “algo gravíssimo”, por envolver compromissos em outras áreas além da comercial e limitar as possibilidades de política econômica e desenvolvimento. Segundo ele, igualaria o tratamento do capital instalado no Brasil ao das empresas multinacionais da União Europeia e, com a queda da barreira de impostos de 35% para veículos importados, poderia provocar o retorno das montadoras europeias aos países de origem. Caso ocorra uma redução a zero das tarifas industriais para 90% dos itens de cada uma delas, o Brasil sairá perdendo comparativamente em razão das alíquotas serem mais baixas na Europa. Mantidas as ofertas anteriores da UE de cotas agrícolas, os montantes seriam inferiores ao atualmente exportado pelo Mercosul. A redução tarifária seria, em boa medida, inócua, pois o comércio significativo se dá entre empresas e nada tem a ver com tarifas, mas com o modelo produtivo.
O embaixador contesta o diagnóstico de isolamento do Brasil e aponta o fluxo expressivo de entrada de investimento estrangeiro direto. Identifica “um problema ideológico na defesa do acordo, pois todo empresário quer livre comércio no universo dos seus fornecedores, não no seu mercado.” O livre comércio para subdesenvolvidos não é uma coisa boa. “Nenhum país hoje desenvolvido o praticou”. O tratado em vista inviabilizaria as políticas de conteúdo nacional, de preferência a empresas locais nas compras governamentais e abriria a concorrência com as estrangeiras.
Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Comércio Global e Investimento da FGV-SP, discorda e defende acordos com os grandes. “Não adianta casar com pobre. Ficar atrelado ao Mercosul é afundar o Brasil de vez”.
O mundo mudou, diz Thorstensen. Em vez de apostar em tratativas na OMC com 160 países sob regras ultrapassadas (desde 1994 não há negociação), os EUA e a União Europeia colocam todas as fichas no TTIP, a “OMC Transatlântica”. “Há necessidade de criar regras novas de investimento, meio ambiente, concorrência, trabalhistas, para a economia e o comércio digitais, e isso não vai sair na OMC. É tudo novidade”.
Um acordo com a UE tem impactos na área de propriedade intelectual e abre a possibilidade de o investidor estrangeiro acionar o Estado por mudanças na legislação, invenção dos EUA implantada no Nafta. Ao contrário do México, países como a Austrália repeliram a regra e “o Brasil é forte e grande o suficiente para barrá-la”, acredita a especialista.
A professora da FGV prossegue: o Mercosul é prova da incompetência brasileira, um acordo setorial protetor de montadoras estrangeiras ineficientes de carros entre os mais caros do mundo, não competitivos fora desse circuito. “Elas arrancam tudo do governo em troca da manutenção dos empregos e são os maiores exportadores de recursos.” O Mercosul preocupa-se com Argentina e Venezuela, mas perdeu Colômbia e Peru, alvos da China. O Chile e o México tem 50 acordos cada, enumera.
Sem o acerto com a UE, avalia Thorstensen, os Estados Unidos vão “comer” as nossas cotas de laranja, soja e carne. Com o tratado, ainda é possível obter tecnologias alemã e francesa e ter uma pauta exportadora mais decente. “É incompetência política nossa não exportar quase nada além de soja e minério de ferro, como a China quer”.
Comparadas às barreiras técnicas e fitossanitárias e ao câmbio, as tarifas são menos importantes, compara a pesquisadora. A média das tarifas brasileiras é de 10%, com pico de 35% para brinquedos e automóveis. Com o acordo, seria preciso baixá-las em dez anos. Para alguns produtos, seria zerada em dois ou três anos, para outros o prazo poderia alcançar 15 anos, a depender da capacidade de negociação da nossa diplomacia. Uma diminuição das barreiras técnicas e fitossanitárias poderia reduzir o custo para o Brasil em 20%, até 30% conforme o setor, afirma Thorstensen.
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