Após quatorze passagens pelo centro cirúrgico, irmãos nascidos em Goiânia podem ser separados ainda este ano
Desde que seus filhos Arthur e
Heitor nasceram, há cinco anos, a professora Eliana Ledo Rocha de
Brandão, 37 anos, viaja da cidade de Riacho de Santana, na Bahia, a 720
Km de Salvador, para Goiânia, acompanhando as crianças nas várias etapas
do tratamento que visa separar os gêmeos siameses.
Desde que iniciaram o tratamento, os meninos – que são
unidos por parte do tórax, abdômen e bacia – já passaram por sete
cirurgias. A última foi este mês, para colocação de expansores de pele –
bolsas de silicone que vem conectadas a uma válvula, colocadas debaixo
da pele, que são infladas – etapa necessária para criar as condições
ideais para a cirurgia final de separação, que pode acontecer este ano
ainda.
Os gêmeos nasceram em Goiânia, para onde a família veio
um mês antes do nascimento. Desde então são acompanhados pelo médico,
que é considerado referência nacional e internacional neste tipo de
cirurgia complexa, realizada em um hospital da rede pública estadual, o
Materno Infantil. “Com vinte dias do nascimento deles voltamos para a
nossa cidade, e voltamos para Goiânia quando eles tinham um ano, para
começar o processo de separação. Chegando, recebemos a notícia de que
eles não tinham pele suficiente e começamos com o processo de expansão
de pele”, detalhou. “Entre colocar e retirar expansor, e outros
procedimentos, eles já foram umas 14 vezes para o Centro Cirúrgico”,
acrescenta a mãe das crianças.
Segundo Eliana, seu grande sonho é que a cirurgia de
separação dos filhos, que deve ser realizada em dezembro, seja um
sucesso. “Porque eu sei que o risco é muito grande, mas acredito que
Deus está preparando o momento certo. O meu sonho é vê-los separados,
porque eles não têm liberdade, quero dar independência para eles”,
afirma.
De fato, segundo o cirurgião Calil, a cirurgia é mesmo
de alto risco. “O risco é altíssimo. Em uma cirurgia normal já existe
risco. Numa cirurgia desta, de separação de órgãos, é muito complicado”,
explica o médico, informando que o índice de mortalidade é alto. “Hoje
na literatura médica a sobrevida é de 6 a 20%. Aqui em Goiás, nós temos
um índice de 50%”, detalhou.
Geralmente, segundo o médico, a cirurgia de separação é
indicada para ser feita em crianças de cerca de um ano de idade. “No
caso de Arthur e Heitor, não conseguimos fazer a cirurgia ainda porque
eles apresentam uma alteração da pele, não há pele suficiente para fazer
o fechamento do abdômen e do tórax”, explicou. “Daí a necessidade dos
expansores”, disse, citando a técnica trazida para o Brasil pelo
cirurgião plástico Ivo Pitanguy. O caso de Arthur e Heitor será a décima
primeira cirurgia de separação que Calil e sua equipe farão, desde que
começaram a realizá-las, em 2000.
Eliana diz que os filhos, apesar de serem muito
pequenos, têm certa consciência do difícil processo que vivem, se
preparando para a cirurgia de separação. “Eles sabem de tudo. A gente
conversa muito com eles sobre esta questão da separação. Inclusive eles
querem a separação. Não é uma imposição nossa, dos pais”, conta ela.
“Quando a gente pergunta para eles se eles querem desistir, deixar tudo
de lado, continuar do mesmo jeito, eles falam que não, falam que querem
separar. Talvez não entendam a complexidade de tudo, de como vai ser,
mas optaram por separar”, completa a mãe dos meninos.
Segundo Eliana, os filhos, que adoram assistir
televisão, e principalmente, desenhar, demonstram vontade de terem
corpos individuais. “Eles sentem esta necessidade de liberdade. Poder ir
e vir sem precisar da 'permissão' do outro”, acredita. Os meninos
conseguem engatinhar, mas não andar, e se locomovem em um carrinho
adaptado, importado, que lhes foi doado.
Eliana teve que pedir licença da escola pública de
Ensino Fundamental onde dava aula e passa longos períodos – até 9
meses, em uma das ocasiões – longe da cidade onde mora e do restante
da família, abrigada na Casa do Interior, mantida pelo governo de Goiás.
“Aqui temos um quarto, alimentação, serviço de transporte,
acompanhamento médico e até psicológico”, disse. Eliana conta que, se a
cirurgia não fosse custeada pelo poder público, ela jamais teria
condição de pagar por ela. “No Brasil, seu custo é alto, de R$ 800 mil
reais”, diz o cirurgião Zacharias Calil..
Além de Arthur e Heitor, Eliana é mãe de Cecília, de 7
anos, e de Leonardo, hoje com 21, rapaz que veio para a família por
afinidade e acabou sendo adotado. “Encontrei ele nesta Casa de Apoio,
quando ele acompanhava sua irmã em um tratamento. Ela foi embora, mas
ele não conseguiu viver sem os meninos, já que ajudava a gente bastante.
Então, ele disse que, se a gente quisesse que ele ficasse, ele ficaria.
Com isso, já são mais de três anos que ele está com a gente”, conta,
emocionada, a professora. A outra filha e o marido, Delson Brandão, 33
anos, que também é professor, vem a Goiânia de vez quando passar alguns
dias, geralmente em feriados prolongados. “Claro que a gente fica
sentida, mas vale a pena, faria tudo de novo”, declara a mãe dos gêmeos,
emocionada.
Para Eliana, dentre as maiores dificuldades enfrentadas,
além da necessidade de locomoção entre as duas cidades, está a saudade
da filha, que fica com a avó. “Ela me acompanhou aqui na Casa durante um
certo período antes de ir para a escola, mas agora tem que ficar lá na
Bahia”, conta.
A mãe de Arthur e Heitor disse que não sente preconceito
das pessoas em relação a condição dos filhos. “Não sinto preconceito
das pessoas, muito pelo contrário. Todo mundo que se aproxima deles a
gente vê carinho. Pessoas que a gente nem conhecia e passou a conhecer
aqui em Goiânia e que hoje temos ligação muito grande”, diz Eliana,
citando a relação desenvolvida com o próprio médico que acompanha o
caso, Zacharias Calil. “Ele é como se fosse um amigo da família, não o
vemos apenas como um médico. É uma pessoa abençoada nas nossas vidas”,
diz.
Eliana diz que pretende, no futuro, após a cirurgia dos
filhos, ajudar, com sua experiência, outras famílias que tenham que
enfrentar uma situação semelhante a sua. “Trocamos experiências, aqui na
Casa mesmo, com outras mãezinhas que vem para cá. Depois, continuamos a
nos comunicar, vira uma grande família”, afirma. Ela acredita que a
divulgação na imprensa do caso dos filhos ajuda a dar esperanças a
muitas famílias. “Muitas pessoas já me disseram que através deste nosso
caso encontraram esperança de também separar seus filhos”, diz.
Veja fotos dos irmãos siameses Arthur e Heitor
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A professora Eliana Ledo Rocha de Brandão viaja
regularmente para Goiânia para acompanhar as etapas de tratamento que
visa separar seus filhos, gêmeos siameses
Foto: Arquivo Pessoal
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