9.26.2014

Fifa proíbe jogador de empresário, mas não imediatamente

Blatter garante que empresas e fundos de investimento não poderão mais ser donos de atletas, mas promete período de transição (para alívio de brasileiros)

O presidente da Fifa, Joseph Blatter, em entrevista coletiva na sede da entidade
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, em entrevista coletiva na sede da entidade (Sebastien Bozon/AFP)
A Fifa decidiu proibir que jogadores sejam comprados por fundos de investimento e empresas, uma prática recorrente na Europa e América do Sul, anunciou nesta sexta-feira o presidente da entidade, Joseph Blatter. Em entrevista coletiva realizada após a reunião do Comitê Executivo da entidade, em Zurique, Blatter disse que a Fifa está "firme" na decisão mas avisou que a medida, adotada depois da análise de um relatório feito por um grupo de trabalho em Zurique, não será aplicada de maneira imediata: haverá "um processo de transição". O cartola disse que esse período, em que a Fifa vai definir melhor o regulamento sobre o assunto e permitir que os clubes se ajustem à novidade, será de quatro anos. A adoção de uma fase de transição é um alívio para os clubes brasileiros, que têm recorrido cada vez mais aos empresários para viabilizar contratações e manter seus principais atletas no país.
A medida anunciada nesta sexta pela Fifa era uma reivindicação da Uefa. Em meio às discussões sobre o tema, a CBF tentou convencer os demais dirigentes a optar por uma regulamentação, e não a erradicação do sistema. Conseguiu apenas o apoio dos votos sul-americanos. Dezenas de contratos de jogadores brasileiros poderão ser afetados com a mudança – que deve também comprometer a capacidade dos clubes de manter seus jogadores. Neymar, por exemplo, só ficou no Santos por tanto tempo graças aos investidores. Paulo Henrique Ganso, no São Paulo, também vive essa situação. Para a CBF, se a ideia europeia vingar, o que pode estar em jogo é a sobrevivência financeira de clubes inteiros no Brasil. Elencos como os do Corinthians, Internacional e Botafogo estariam entre os mais afetados.
Para Pedro Fida, especialista em direito desportivo e sócio da Bichara e Motta Advogados, 80% dos elencos no Brasil atualmente contam com algum tipo de participação de investidores, o que na prática torna possível que muitos jogadores de bom nível – e, portanto, com mercado no exterior – fiquem nos clubes. "Banir essa possibilidade pode prejudicar muito o futebol brasileiro", disse Fida. "Esse é um instrumento de financiamento dos clubes no Brasil. Times da Série A poderiam sofrer muito." Mas a Uefa, que comanda o futebol na Europa, alerta há tempos para o risco que esse sistema representa ao futebol, que incluiria o controle de clubes por investidores em busca de lucros e a perda de poder do jogador em transações. "Há muito dinheiro envolvido e precisamos lutar contra isso", declarou Michel Platini, presidente da Uefa e principal defensor da ideia de banir o envolvimento de investidores.
Especulação - Para o advogado Pedro Fida, a Europa pode propor o fim do sistema justamente porque já conta com a "indústria de futebol mais desenvolvida do mundo" e com outras fontes de renda. Números da KPMG revelaram que atualmente mais de 1.100 jogadores na Europa têm seus direitos federativos controlados por grupos financeiros, e não por clubes. Outra constatação é a concentração do poder do futebol nas mãos de poucos agentes. Juntos, esses investidores poderiam formar cerca de 50 times completos de futebol, com titulares e reservas. No total, há um investimento de mais de 1,2 bilhão de dólares nesses jogadores. Muitos deles são de propriedade de fundos que aplicam em jogadores da mesma forma que poderiam ir à bolsa aplicar em outros setores. Parte da iniciativa vem dos próprios clubes – diante da recessão na Europa, saíram ao mercado oferecendo parcelas de seus jogadores a investidores para ajudar a pagar os altos salários dos craques e também como forma de atrair capital.
No estudo feito a pedido da Fifa, clubes estão em "um ciclo vicioso de dívida e dependência". Isso abre as portas para a chegada de investidores que, com o controle de jogadores, promovem uma troca com o clube: paga o salário do jogador, mas mantém o controle financeiro sobre ele. Para o estudo, o que está em risco é a independência dos clubes. "A proliferação desse esquema pode estar associado a um controle parcial dos clubes por quem procura lucros de curto prazo e especulação na compra e venda de direitos econômicos, independente das preocupações esportivas", diz o texto. Alerta-se também para o risco do conflito de interesse. No levantamento, 269 agentes europeus confessam que têm parte dos direitos de 15% dos jogadores que eles mesmos representam. O risco é de que haja, dentro do clube, pressão para se escalar um determinado jogador para atender a um acordo comercial.
(Com agência EFE e Estadão Conteúdo)

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