Curiosidade, rebeldia, necessidade de afirmação perante um grupo, desejo de vivenciar novas experiências. São diversos os motivos que podem levar os adolescentes a procurar as drogas. O fácil acesso ao álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas antes mesmo da maioridade e, portanto, em idade escolar, torna a questão ainda mais delicada. De acordo com o Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - Comportamentos de Risco Entre Jovens, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com apoio do CNPq e da Fapesp, é pouco antes dos 15 anos de idade que os brasileiros experimentam as primeiras doses de álcool e fumam os primeiros cigarros.
 
Ainda segundo o estudo, metade dos jovens com idades entre 14 e 25 anos são usuários de álcool – dessa taxa, 26% menores de idade – e perto de 5% dos garotos menores de 18 anos e quase 18% dos homens jovens (com idade entre 18 e 25 anos) são fumantes. Entre as drogas ilícitas, chama atenção o uso da maconha: aproximadamente 5% da população jovem afirmou usar a substância – uma taxa relativamente baixa quando comparada a outros países.
 
O contato inicial ocorre, muitas vezes, dentro dos próprios muros da escola ou o problema adentra os portões de tantas outras maneiras que torna-se fundamental a preparação da equipe pedagógica para lidar com o tema, contemplado pelo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) dentro dos chamados “temas transversais”. Primeiramente, é preciso ter claro que diferentes tipos de drogas, situações, níveis de consumo e contextos familiares exigem também abordagens distintas. Em qualquer caso, porém, um diálogo coerente e franco prova-se indispensável.
 
“Muitas escolas pecam por fingir que não está acontecendo nada, que o problema não existe ou então por ter essa posição radical de expulsar o jovem que está usando. Isso não funciona. Pais e alunos precisam ter a segurança de que podem abrir situações com a escola e que esta tentará ajudar ao máximo e não julgá-los ou entregá-los de alguma maneira”, defende Ilana Pinsky, psicóloga e autora do livro Álcool e Drogas na Adolescência (Ed. Contexto, 2014), ao lado do educador Cesar Pazinatto.
 
De acordo com Ilana, é comum que os pais procurem a escola em busca de orientação e, nesse sentido, um posicionamento repressor da instituição, em vez de auxiliar, acaba intensificando o problema. “Muitos pais pensam ‘se meu filho está usando, é porque eu errei’ e não é bem assim. Além disso, há uma série de preconceitos que acabam dificultando o tratamento da situação com clareza.” O ideal é estabelecer um canal de conversação e confiança entre os pares. Ao se sentir escutado, será muito mais fácil para o adolescente escutar alguém mais experiente que possa ajudá-lo a tomar suas decisões de forma mais racional e consequente.
 
Para Cesar Pazinatto, por conta das crianças e adolescentes passarem um tempo expressivo de suas rotinas diárias dentro da escola, este espaço desempenha um papel fundamental no trabalho de prevenção de riscos e promoção da saúde, passando pela questão da saúde sexual a das drogas. “É preciso dar voz ao jovem, pois já é sabido que as famílias nunca são a primeira fonte de informação que eles têm sobre o assunto, geralmente são os próprios colegas e a mídia”, explica. Em muitos casos, inclusive, os adolescentes se mostram mais informados sobre o tema do que os adultos.
 
Para Eduardo Mendes Ribeiro, psicanalista e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), ainda há uma enorme distância entre o discurso pedagógico normalizador praticado pelas escolas e a realidade dos adolescentes. “Enquanto eles não puderem discutir abertamente, sem recriminações e repressão, no ambiente escolar não só suas relações com as drogas, mas também sua sexualidade, suas visões de mundo e seus ideais, todo o discurso “escolar” lhes parecerá alheio, não lhes tocará”, explica.
 
Nesse contexto, um ponto importante é estabelecer uma conversa realista sobre as características e efeitos de cada droga, evitando recorrer à exageros e demonizações. Segundo os especialistas, programas de prevenção baseados em discursos de amedrontamento como “não experimente, se não irá se viciar” ou imagens e informações chocantes vêm se provando ineficazes. “Tudo indica que essa abordagem não é eficaz, pois menos de 1% das pessoas que experimentam alguma droga se torna dependente. Seria como dizer que não devemos andar de automóvel porque corremos o risco de nos acidentar. E os jovens sabem disso”, diz Ribeiro.
 
Fernanda Gonçalves Moreira, psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de Estatística e Metodologia Aplicadas (Nemap) da Unifesp, concorda. Ela lembra que o adolescente a partir dos 12, 13 anos já tem capacidade de formular e testar suas próprias hipóteses. “Você pega uma campanha na televisão que compara o adolescente que fuma maconha a um cacto e este jovem tem um amigo que fuma e não enxerga nele nada disso, ele vai confrontar esse dado, colocar em descrédito todas as informações associadas a essa propaganda”, explica.
 
É preciso deixar claro, entretanto, que uma abordagem com menos excessos não deve ser sinônimo de uma interpretação que desdenha do poder e riscos das drogas, lembra Pazinatto. “Também não dá para minimizar os efeitos do uso, mas tem que ser de uma forma que converse com a realidade do jovem”, diz. Outro erro comum é colocar todas as drogas ilícitas em uma mesma categoria, tratando, por exemplo, a maconha da mesma forma que o crack. “Toda e qualquer abordagem que menospreze a capacidade intelectual dos jovens não vai dar certo. O jovem sabe observar, a droga está nas ruas. É algo que eles veem. Não dá para falar com o adolescente como você falasse com crianças pequena”, resume Fernanda.
 
O neurocientista americano Carl Hart, professor da Universidade de Columbia, é um dos maiores defensores dessa abordagem que ele define como “uma política de drogas baseada em fatos, não em ficção”. Em seu livro Um Preço Muito Alto (Ed. Zahar, 2014), Carl afirma que a maior parte da população está iludida ou desinformada em relação ao que as drogas fazem ou deixam de fazer ao corpo humano. “Há tempos vem sendo orquestrada uma tentativa de exagerar os riscos de drogas como cocaína, heroína e metanfetamina. Os mais empenhados nessa tentativa são os cientistas, os responsáveis pelo cumprimento da lei, os políticos e os meios de comunicação”, diz.
 
O grande problema desta visão dramática sobre as substâncias psicoativas, diz o professor, é que ela estigmatiza de forma equivocada aqueles que usam drogas, além de levar à adoção de políticas erradas. “Essa desinformação nos leva a tomar iniciativas que prejudicam as pessoas e comunidades às quais supostamente deveríamos ajudar”, diz. Por meio de experimentos com ratos, Hart concluiu que quando são oferecidas apenas drogas a cobaias, elas se viciam, mas quando lhes são oferecidas outras opções de entretenimento elas não escolhem sempre usar as drogas, muitas vezes preferindo as outras opções. Em outras palavras, garantir acessos e oportunidades a todos os cidadãos seria uma forma muito mais adequada de enfrentar o problema do abuso.
 
Para Ribeiro, é importante frisar com os alunos que são as pessoas que procuram as drogas e não o contrário. “Se alguém toma um cálice de vinho ou uma dose de uísque, regularmente, ou fuma um cigarro de maconha, de vez em quando, ou mesmo consome uma droga sintética eventualmente, não há porque afirmar que ele se tornará um dependente. Mas, se frente a qualquer forma de mal estar, alguém decide recorrer ao consumo de alguma substância com propriedades psicoativas, seja ela a maconha, a cocaína, o álcool, ou mesmo medicamentos, ela tenderá a produzir uma relação de dependência, sem enfrentar as fontes de seu sofrimento”, explica.
 
Assim, vale fazer a distinção entre o que é experimentação e uso problemático, que geralmente culmina em prejuízos na vida social e acadêmica. “A pessoa pode usar um pouco ou de vez em quando, mas se tiver uma consequência negativa, um prejuízo para ela ou para quem estiver perto como amigos e familiares, é uma dependência”, comenta Arthur Guerra, psiquiatra da USP e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. “Não é uma questão de frequência, nem de quantidade, mas de efeitos negativos.”
 
Apesar de não existir um consenso a respeito do modelo de prevenção mais eficiente, pode-se afirmar que quanto maior e mais diversa forem as opções de cultura, informações, entretenimento e conhecimento que este jovem tiver acesso, menor será a chance de envolver-se com as drogas. “Se ele for ouvido em sua totalidade, tiver um lugar de sociabilidade, acesso a fontes de prazer outras que não as drogas, a maconha, por exemplo, vai ser uma opção em muitas. Não vai ser a única opção”, explica Fernanda. Daí o vício e incidência assustadora entre as populações mais vulneráveis como moradores de rua e outros grupos socialmente marginalizados. “Acaba sendo a única saída que eles encontram.”
 
Além disso, é preciso que a escola formule sua própria política de prevenção de acordo com a realidade que está inserida. “Para mim, cada escola tem que descobrir o seu próprio modelo, o que funciona ou não ali dentro”, diz Cesar. O educador lembra, porém, que quanto mais cedo começar este trabalho, melhor serão os resultados.
 
Conversas dinâmicas e projetos multidisciplinares envolvendo o tema pode ser um caminho. Ao invés de criar um horário para falar sobre drogas, dissociada das outras conversas, mais interessante é entrelaçar o tema com outros assuntos escolares. “Quando vamos falar de consumo, já podemos falar da estrutura urbana, da favela, do tráfico de drogas. Quando falamos de ecologia, porque não falar da relação das substâncias naturais e artificiais? Um papo sobre drogas integrado a outros papos é muito mais interessante e não acende aquele holofote ‘oh, drogas’, que só atrapalha o diálogo franco”, defende Fernanda.